segunda-feira, 26 de abril de 2021

O Caminho da Beleza 24 - V Domingo da Páscoa

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

V Domingo da Páscoa               02.05.2021

At 9, 26-31              1 Jo 3, 18-24                      Jo 15, 1-8

 

ESCUTAR

Ela [a ecclesia] consolidava-se e progredia no temor do Senhor e crescia em número com a ajuda do Espírito Santo (At 9, 31).

Se o nosso coração nos acusa, Deus é maior que o nosso coração e conhece todas as coisas (1 Jo 3, 20).

“Todo ramo que em mim não dá fruto, ele o corta; e todo ramo que dá fruto, ele o limpa, para que dê mais fruto ainda” (Jo 15, 2).

 

MEDITAR

É frequente ver pessoas muito observantes da religião, mas que, ao mesmo tempo, se portam de maneira que tornam a vida impossível a muitas pessoas ou à sociedade, no caso de serem pessoas da política ou com cargos de certa importância em alguma instituição religiosa. Mas, em geral, é uma contradição com o Evangelho a fidelidade aos ritos da religião e, ao mesmo tempo, a infidelidade aos seres humanos com quem convivemos. Isso engana aos que se acreditam “crentes”, quando sua vida na realidade oculta um “ateísmo” mal dissimulado. Acredita-se mais na religião do que no Evangelho de Jesus.

(José Maria Castilho, 1929-, Espanha)

 

ORAR

         Após a vida terrestre de Jesus e sua ressurreição, a vinha é uma pessoa, é Jesus, o próprio Filho de Deus; ele é a verdadeira vinha na qual todo o povo de Deus está corporalmente vivo. A identidade dos discípulos, dos que estão no seguimento de Jesus, engajados totalmente em sua vida e em seu destino, decorre também disso. Eles são os ramos e, como tal, devem permanecer ligados à vinha para receber dela a seiva: não apenas é essa a condição necessária para se produzir o fruto, mas é mesmo uma questão de vida ou de morte... Sim, o discípulo de Jesus não é aquele que se limita a conhecer seu ensinamento, mas o que permanece solidamente ligado a ele numa relação de amor, com um comprometimento radical de toda sua vida. Jesus não é simplesmente um mestre espiritual a se escutar, como existe em tantos diversos caminhos religiosos: para sermos seus discípulos, para sermos cristãos, é preciso viver com ele. O próprio Jesus define esta relação por meio do verbo “permanecer, habitar”: o discípulo autêntico de Jesus é chamado a viver com ele com perseverança, até estabelecer nele sua própria morada, a habitar em sua palavra (cf. Jo 14, 23-24) e em seu amor (cf. 15, 9-10); até afirmar: “Não é mais eu que vivo, mas o Cristo que vive em mim”! (cf. Gl 2, 20) ... Em compensação, sem esta circulação de vida que desce do Pai em Jesus e de Jesus em nós, a vida cristã pode até se desenvolver como uma prática religiosa, mas na verdade ela não é mais do que uma pura “representação desse mundo” (1 Cor 7, 31). Todo cristão, portanto, é advertido: sem esse vínculo pessoal com Jesus Cristo, “ele não pode fazer nada” e não tem mesmo nada a ver com o Senhor Jesus! É esse justamente o caminho mais comum para se tornarem hipócritas: dizer-se cristão sem o ser... Numa época em que os “católicos praticantes” parecem dominar nossa Igreja, os que pretendem combater por Jesus sem ser seus discípulos, é bom lembrar o que um Padre da Igreja da importância de Santo Inácio de Antioquia ousou dizer, ao final de uma longa vida, quando se preparava para o martírio: “Agora eu começo a ser discípulo do Cristo”.

(Enzo Bianchi, 1943-, Itália)

 

CONTEMPLAR

Êxodo Lírico, 2012, Saul Landell, México.




segunda-feira, 19 de abril de 2021

O Caminho da Beleza 23 - IV Domingo da Páscoa

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

IV Domingo da Páscoa             25.04.2021

At 4, 8-12                1 Jo 3, 1-2                Jo 10, 11-18

 

ESCUTAR

Jesus é a pedra que vós, construtores, desprezastes e que se tornou a pedra angular (At 4, 11).

Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos! (1 Jo 3, 2).

“Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas” (Jo 10, 11).

 

MEDITAR

Em definitivo, a essência do cristianismo não tem nada de uma abstração dogmática, não é uma doutrina geral; ao contrário, é desde sempre uma figura histórica viva: Jesus de Nazaré.

(Hans Kung, 1928-2021, Suíça)

 

ORAR

      “Minhas ovelhas escutam minha voz...” É escutando Jesus, familiarizando-se com seu tom, que descobrimos no Mestre um pastor e nos tornamos as suas ovelhas. A relação entre o pastor e as ovelhas abre uma fase distinta da relação entre o discípulo e o mestre. O pastor alimenta sua ovelha; ele a abriga; ele a carrega sobre seus ombros. Há uma ternura própria nessa relação. “Eu sou o bom pastor...” No original grego: o “belo” pastor. Helenismo: o belo e o bom inseparáveis. A bondade do pastor não é somente interior. É uma bondade percebida de fora. Ela reluz e atrai. Ela participa assim da beleza. Na arte cristã primitiva, o bom pastor tem a graça, o charme da adolescência. Há nessas imagens uma poesia primaveril: a juventude de Jesus, sempre nova. O pastor “chama as suas próprias ovelhas pelo nome e as conduz para fora”. Antes de realizar seu ofício pastoral, antes de conduzir sua tropa, Jesus faz um reconhecimento pessoal de cada ovelha. A relação pessoal tem um tipo de preeminência sobre o ministério. “Eu sou a porta das ovelhas” Jesus não diz: Eu sou a porta do redil. Aqui de novo, o tom é colocado sobre a relação pessoal. “Se alguém entra por mim...” É preciso, pois, passar por essa porta. É preciso de qualquer maneira atravessar Jesus Cristo. Ele é ao mesmo tempo a porta imensa e a “porta estreita”. Para passar por ele, é preciso se adaptar às suas dimensões. É preciso crescer e se dilatar, é preciso se abaixar e se reduzir à medida do Cristo. Se reduzir, sim, naturalmente. Mas por que crescer?  Porque esta porta é tão grande, tão alta, que aquele que não crescer, não erguer o seu olhar, não se levantar, não pode ver e encontrar tal porta. O que encontrará aquele que abriu a porta e passou pelo Cristo? Primeirissimamente, a tranquilidade: “ele será salvo”. Depois a liberdade, o usufruto livre do mundo criado por Deus: “ele entrará e sairá...”. E, enfim, o alimento necessário: “ele encontrará pastagens”.

(Lev Gillet, 1893-1980, França)

 

CONTEMPLAR

S. Título, Retratos do Sul de Portugal, décadas de 1940-1950, Artur Pastor (1922-1999), Portugal.




segunda-feira, 12 de abril de 2021

O Caminho da Beleza 22 - III Domingo da Páscoa

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

III Domingo da Páscoa            18.04.2021

At 3, 13-15.17-19               1 Jo 2, 1-5                Lc 24, 35-48

 

ESCUTAR

“Vós matastes o autor da vida, mas Deus o ressuscitou dos mortos, e disso nós somos testemunhas” (At 3, 15)

Quem diz: “Eu conheço a Deus”, mas não guarda os seus mandamentos, é mentiroso, e a verdade não está nele (1 Jo 2, 4).

Jesus apareceu no meio deles e lhes disse: “A paz esteja convosco!” Eles ficaram assustados e cheios de medo, pensando que estavam vendo um fantasma (Lc 24, 36-37).

 

MEDITAR

Enfim, no Amor eu me lanço,

Aí encontrando toda liberdade,

Noutro lugar, me vejo só;

É lá meu mais íntimo descanso,

É lá que estou rendido,

Ficando alegremente perdido.

(Jean-Joseph Surin, 1600-1665, França)

 

ORAR

       Jesus em carne e osso: haveria aí um outro caminho para abordar Jesus? Certamente, não. E, no entanto, depois da Páscoa, isto é, depois da morte e ressurreição de Jesus, alguma coisa aconteceu com esta carne. Não é mais o corpo de antes, familiar, reconhecível à primeira vista, mas frágil e ainda consagrado à morte. É agora o corpo do depois, um corpo em que ocorrem ao mesmo tempo a morte e o amor. Como todo homem, Jesus está inteiramente morto. Mas esta morte, pela primeiríssima vez, foi um ápice de amor. A morte, com efeito, só podia ser transformada por uma morte de homem de qualidade excepcional, uma morte que seria, pura e simplesmente, o encontro e a fusão de dois amores. Quais foram esses dois amores que se encontraram no corpo de Jesus? De início, o amor de Jesus propriamente. Até ali, seu corpo era um corpo para a morte, marcado por esta desde os princípios, como nosso corpo de hoje, e destinado à dissolução final. Jesus havia assumido esse corpo por amor a nós, e por ser capaz de ir até o fim desse amor, ingressando conosco em nossa morte, pois não há maior amor do que dar a sua vida. Em seguida, o outro amor, vindo ao encontro do seu, era o amor de seu Pai, que não podia abandonar seu Filho à corrupção, mas que devia acolhê-lo para lhe dar um corpo novo e uma vida nova. E eis a maneira pela qual, em sua morte pascal, o corpo de Jesus se torna o lugar crucial, onde a morte se acha dissipada pela vida, uma vez que nele dois amores se tocam face a face, num único e mesmo abraço: o amor do Filho doando-se até a morte e o amor do Pai salvando seu Filho da morte, o encontro de onde jorra a ressurreição. Tendo assim salvado seu Filho, Deus salva de um só vez seus outros filhos. Pois o que acontece com o corpo de Jesus acontece igualmente com o nosso próprio corpo, a nós que fomos batizados na morte e ressurreição de Jesus. Alguma coisa do corpo ressuscitado de Jesus, um simples grão, uma pequena, mas poderosa, semente, foi enterrada em nosso próprio corpo e ali trabalha misteriosamente. Há ali não apenas uma esperança de ressurreição futura, mas desde já, em nossos melhores momentos presentes, um admirável começo, um maravilhoso reflexo do corpo ressuscitado de Jesus.  Não é sempre fácil perceber isso. Pois a morte não é suprimida, nem o sofrimento dos corpos, nem os reveses no amor, nem o pecado. E, no entanto, por toda parte onde o corpo do homem e da mulher se acham engajados, uma esperança é dada de que, qualquer coisa que lhe aconteça e qualquer que seja sua miséria e decadência, na doença, na tortura e até na agonia, uma esperança é dada de que através dele um amor verdadeiro pode sempre vir à luz. Isso unicamente por causa do corpo ressuscitado de Jesus.

(André Louf, 1929-2010, Bélgica)

 

CONTEMPLAR

Amor, s.d.,  auto-retrato com meu querido marido, Laura Makabresku (1987-), Cracóvia, Polônia.





 

 

 

 

 

terça-feira, 6 de abril de 2021

O Caminho da Beleza 21 - II Domingo da Páscoa

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

II Domingo da Páscoa              11.04.2021

At 4, 32-35              1 Jo 5, 1-6                Jo 20, 19-31

 

ESCUTAR

Ninguém considerava como próprias as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum (At 4, 32).

O Espírito é que dá testemunho, porque o Espírito é a verdade (1 Jo 5, 6).

Soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo” (Jo 20, 22).

 

MEDITAR

A concepção absurda da Providência como intervenção pessoal e particular de Deus para fins particulares é incompatível com a verdadeira fé. Os mistérios autênticos da fé são também absurdos, mas de um absurdo que ilumina o pensamento e o faz produzir em abundância verdades evidentes à inteligência.

(Simone Weil, 1909-1943, França)

 

ORAR

       Vejamos Tomé. Tomé que não estava lá com o grupo dos discípulos. Este grupo nos indica onde está a fé da Igreja: medo, temor, trancamento. Podemos também nos trancar em nosso saber: possuir a verdade. Quando se trata de se deixar guiar para a verdade absoluta: uma beatitude genuína, uma aventura. Crer hoje é ir de descoberta em descoberta.  A Igreja é, portanto, esse lugar onde Jesus vem abrir o caminho da fé. Crer é escutar o que diz o Espírito: é Ele que se faz compreender, que atualiza o que Jesus disse, fez. É o Espírito que faz compreender melhor o Evangelho. Jesus vem em socorro da Igreja para libertar sua fé. Após o Pai Nosso, antes do beijo da paz, é a ele que nos dirigimos: “Senhor Jesus, não olheis os nossos pecados, mas a fé de tua Igreja”. A fé da Igreja é Jesus Ressuscitado, que a cria entregando o Espírito, o Sopro que nos dá acesso à vida: a vida em seu nome é uma vida que não se deixa aprisionar. Jesus jamais se fechou sobre si, nem mesmo quando do abandono, quando todos o deixaram: não, eu não estou só, o Pai está comigo (Jo 16, 32). Jesus jamais se deixou aprisionar por um título, por um papel, por uma ideologia religiosa ou política, por um partido. Eu sou o caminho (Jo 14, 6). Jesus jamais se trancou em uma casa. Ele permanecia ali pela amizade, para comer e beber, para conversar. E Maria Madalena podia entrar. Depois ele parte. Eu sou o pastor (Jo 10, 11). Eu sou a porta (Jo 10, 9). Jesus pregado na cruz não foi fixado, imobilizado: ele se ergueu dentre os mortos. Eu sou a Ressurreição e a Vida. Crês nisto? (Jo 11, 25-26): Jesus ressuscitado, Jesus livre. Jesus aberto, soprando sobre nosso mundo aprisionado, sobre nossos infernos: sua liberdade de Filho... Jesus Ressuscitado indica o fim e o lugar da fé: o fim é o Amor. Esse amor louco. Esse amor crucificado. Esse amor vencedor. O lugar da fé é o próprio Jesus conduzido à consumação por seus sofrimentos. É a sua obediência em nós continuada até o extremo. Crer é o impossível. Jesus sopra sobre nós, Ele faz todo homem participar de sua fé. São numerosos os que sem vê-lo, sem mesmo conhecer o seu Nome, avançam com ele, engajando-se em sua aventura, em sua loucura: os que lavam sua roupa em seu sangue, amando como Ele. Irmãos e irmãs, não tenhais medo, avancemos, pois, com plena segurança no Mistério da Fé. Jesus nos precede. Jesus nos atrai. Jesus tem sede de nossa fé, sede de a oferecer como presente de amor a seu Pai, a nosso Pai.

(Christophe Lebreton, 1950-1996, França)

 

CONTEMPLAR

Padre Júlio Lancelotti, 2021, Henrique de Campos, Foto: Reprodução/Twitter.