segunda-feira, 29 de junho de 2020

O Caminho da Beleza 33 - XIV Domingo do Tempo Comum


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

XIV Domingo do Tempo Comum                05.07.2020
Zc 9, 9-10                Rm 8, 9.11-13                    Mt 11, 25-30


ESCUTAR

Olha teu rei que está chegando: justo, vitorioso, humilde, cavalgando um jumento, cria de jumenta (Zc 9, 9).

O Espírito daquele que ressuscitou Jesus da morte habita em vós (Rm 8, 11).

Meu jugo é suave e minha carga é leve (Mt 11, 30).


MEDITAR

Quem, alguma vez em sua vida, experimentou a misericórdia de Deus, dali por diante só desejará servir. O soberbo trono de juiz já não o atrai. Prefere ficar embaixo, junto com os miseráveis e os pequenos, pois foi lá que Deus o encontrou.

(Dietrich Bonhoeffer, 1906-1945, Alemanha)


ORAR

    Jesus formulou uma bem-aventurança explícita que se refere à mansidão: “Felizes os mansos, porque eles possuirão a terra” (Mt 5, 5). A despeito das aparências, os não violentos, ou seja, os que colocam a ternura em vez da força (a palavra grega que traduzimos por mansidão indica algo de ternura) são os verdadeiros senhores do mundo. Eles são os que recebem como dom a plenitude da vida. São precisamente esses, que não participam de competições furiosas, os que não andam por aí a dar cabeçadas, é que “herdarão” a terra. O Mestre associa a ideia de mansidão à de seu jugo “suave” e de sua carga “leve”. Os “cansados e sobrecarregados”, convidados a aproximar-se dele, são esses que já não podem suportar o peso desproporcional de uma lei interpretada com chave rigorosa, quase desumana, pelos fariseus. Além de ser uma lei deformada, ela deforma a imagem de Deus e desfigura o homem, degradando-o em escravo. Jesus se manifesta exigente sem ser cruel, como certos campeões de um moralismo mesquinho, sombrio e turvo que conseguem apagar a vida, a espontaneidade, o sentido da festa, que tornam suspeito não apenas o prazer, mas também a alegria. O peso desproporcional, imposto (aos outros!) pelos legalistas de todos os tempos, aplastra. A carga de Jesus levanta, quase faz voar, faz caminhar com passo leve, de dança. As “cargas pesadas”, encaixadas nos ombros dos pobrezinhos, pelos mestres judeus, terminam por oprimir ao homem, mantendo-o atado a terra. As palavras do evangelho – inclusive as mais duras – estão sob o signo da leveza, constituem uma “força ascendente”. Jesus não bloqueia, não tortura a consciência. Liberta-a. Solta-a. Se praticamos a mansidão, temos sentimentos de ternura para com todos e, então, estamos sob o domínio do Espírito que nos faz viver. A mansidão pode ser um sinal luminoso da ressurreição.

(Alessandro Pronzato, 1932-, Itália)


CONTEMPLAR

Bola de basquete, 2008, Mikkel Winsvold Staff, Oslo, Noruega.




segunda-feira, 22 de junho de 2020

O Caminho da Beleza 32 - São Pedro e São Paulo


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

São Pedro e São Paulo             28.06.2020
At 12, 1-11                2 Tm 4, 6-8.17-18            Mt 16, 13-19


ESCUTAR

Herodes prendeu alguns membros da Igreja para torturá-los. Mandou matar à espada Tiago, irmão de João (At 12, 1-2).

Caríssimo, quanto a mim, eu já estou para ser derramado em sacrifício; aproxima-se o momento de minha partida (2 Tm 4, 6).

“E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16, 15).


MEDITAR

A cruz de Cristo é a cruz do mundo e dos pobres. Para estar ao serviço dos pobres, a igreja de hoje deve identificar-se com eles, assumir a sua causa, defender seus direitos, levantar uma voz profética para denunciar a estrutura injusta que os prende na escravidão, empenhar-se concretamente no serviço de sua libertação integral. Para isso, a igreja deve estar verdadeiramente livre, quer dizer sem nenhuma conivência com os poderes que mantêm a injustiça, sem compromisso algum com a estrutura que comete e perpetua a opressão aos pobres. Em suma, desvinculada de tudo aquilo que a impede de exercitar a liberdade evangélica de que é preciso para tornar-se a voz dos sem voz. Como Jesus se tornou sinal de contradição, denunciando a hipocrisia e a injustiça que ameaçavam a sua época, assim acontecerá com a igreja na medida em que se fizer realmente serva dos pequenos e dos desprezados. É este o preço que deverá pagar a igreja para tornar-se, em verdade, igreja serva.

(Jacques Dupuis, 1923-2004, França)


ORAR

     Jesus coloca duas questões distintas: “O que eles dizem?”, “O que vós dizeis?”. Mateus relatou muitas vezes que a multidão se espantava e até se encantava com o ensinamento de Jesus e com seus milagres. Todo mundo se pergunta quem é este homem, esse filho de homem. Uns pensam que é João Batista ressuscitado; outros que é Elias; outros ainda pensam em Jeremias. Discute-se muito; não se cessa de discutir sobre quem é Jesus após vinte séculos; e a maior parte dos homens o continua a fazer. Da admiração ao engajamento há uma distância grande. Os discípulos são engajados. Viveram com seu Mestre dia após dia. Acreditaram em suas promessas. Obedeceram a seu chamado. Foram confrontados com o mistério de sua pessoa. Deus lhes revelou o sentido oculto de suas palavras. E eis que a hora chegou em que Jesus os chamou para confessar sua fé: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. Reconhecer em Jesus não mais um profeta, mas “o Filho de Deus”, é atributo apenas da fé e essa fé só pode ser um dom de Deus. Jesus não disse que “ninguém conhece o Filho a não ser o Pai” (Mt 11, 27)? São Paulo declara: “Ninguém pode dizer ‘Jesus é o Senhor’ se o Espírito Santo não o inspira” (1 Cor 12, 3). Toda a Igreja apostólica reconhecia que a divindade de Jesus Cristo é um mistério da fé, inacessível unicamente à sabedoria humana. No momento em que Simão confessa sua fé, é o próprio Deus que fala por sua boca; uma grande graça lhe é feita e Jesus o proclama: “feliz”. Jesus dá a Simão um nome novo: “Kepha”, que significa “rocha”. Esse nome contém uma promessa: Simão, o discípulo pusilânime, impulsivo, será, entretanto, pela graça de Deus, a “rocha” sobre a qual Deus construirá a comunidade nova. Acreditamos que se trata aqui mais da pessoa de Pedro e não somente de sua fé. Notando bem, é confessando a fé que Pedro é chamado a fazer esse papel. Dando-lhe as chaves do reino, Jesus confere a Pedro, e por ele à sua Igreja, abrir o reino àqueles que receberão sua palavra. Esta palavra tem o poder de desatar os homens dos laços do pecado e da morte. Jesus ordena a seus discípulos não dizer a ninguém que ele é o Cristo. Não chegou a hora de revelar sua identidade; de um lado, porque seu ministério não se cumpriu e porque a confissão pública de sua messianidade será sua sentença de morte; de outro lado, porque sua qualidade de Messias pode levar a graves mal entendidos.  A continuação de sua conversação com os discípulos vai nos dar a prova disso. Eles ainda não compreenderam o mistério dos sofrimentos do Servidor, nem o que concerne ao seu Mestre, nem o que concerne a eles próprios.

(Suzanne de Diétrich, 1891-1981, França)


CONTEMPLAR

Ernesto Cardenal lê seus poemas em La Chascona (Santiago, Chile), 2009, edição da foto original de Roman Bonnefoy, Wikimedia Commons, França.




segunda-feira, 15 de junho de 2020

O Caminho da Beleza 31 - XII Domingo do Tempo Comum


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

XII Domingo do Tempo Comum                 21.06.2020
Jr 20, 10-13                        Rm 5, 12-15            Mt 10, 26-33


ESCUTAR

“O Senhor está ao meu lado como forte guerreiro; por isso, os que me perseguem cairão vencidos” (Jr 20, 11).

A graça de Deus, ou seja, o dom gratuito concedido através de um só homem, Jesus Cristo, se derramou em abundância sobre todos (Rm 5, 15).

“Não tenhais medo dos homens, pois nada há de encoberto que não seja revelado e nada há de escondido que não seja conhecido” (Mt 10, 26).


MEDITAR

O que o medo é: um produzido dentro da gente, um depositado; e que às horas se mexe, sacoleja, a gente pensa que é por causas: por isto ou por aquilo, coisas que só estão é fornecendo espelho. A vida é para esse sarro de medo se destruir; jagunço sabe... O medo é a extrema ignorância em momento muito agudo.

(João Guimarães Rosa, 1908-1967, Brasil)


ORAR

       É sempre no Cristo que o homem e Deus se encontram, é sempre no Cristo que o homem acede à realidade de sua humanidade. “Ser conforme Àquele que se tornou homem, é ser um homem real” (D. Bonhoeffer). Na medida em que aceitamos não trapacear, nós reencontramos Aquele que não tem sido senão “sim”... Há apenas uma condição requerida: viver sua vida com pleno consentimento, superando, assim, no Cristo, a tríplice tentação: a do medo, a da revolta, a da solidão. Então, o Mistério do Cristo “vindo do Pai... indo ao Pai... entregando sua vida, por amor, aos seus irmãos” se revela e começa a aparecer, procedente da profundeza do homem. Então, o homem “torna-se aquilo que ele é”, pois o Mistério do Cristo constitui, em última análise, a própria estrutura de toda existência humana autêntica... Trata-se de reencontrá-lo: para os cristãos, este senso já está lá, no mais íntimo deles mesmos. Eles podem dizer, com São Paulo: “já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20). O eu excluído é o eu egoísta e concentrado em si mesmo, o eu do medo, da solidão, da revolta. É um eu superficial, ávido de colecionar suas diferenças, de acumular suas seguranças, inquieto pelo terreno onde ele poderá colocar sua glória. Ora, “Para mim, Viver é o Cristo”. Tal é a realidade da existência cristã: “Associado ao Mistério Pascal, tornando-se conforme ao Cristo na morte, mas fortificado pela esperança, o cristão prepara a Ressurreição” (Gaudium et Spes 22, 4). Mas, em relação à sua própria experiência, S. Paulo nos ensina também que morte e ressurreição não são apenas etapas a transpor uma após outra.  Elas são o outro lado de todo engajamento real de nossa liberdade. Todo ato livre é um ato de amor e de fé, pelo qual “quem perde sua vida ganha-a”. O homem não existe como homem senão na medida em que, em face do desconhecido, ele se aproxima dos outros, ele consente em seus limites, aceitando sua pobreza na profundidade de sua audácia.

(Joseph Thomas, 1915-1992, França)


CONTEMPLAR

Pe. Júlio Lancelotti durante distribuição de alimentos na paróquia São Miguel Arcanjo no bairro da Mooca, São Paulo, 2020, Ricardo Matsukawa/Uol, São Paulo, Brasil.




segunda-feira, 8 de junho de 2020

O Caminho da Beleza 30 - XI Domingo do Tempo Comum


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

XI Domingo do Tempo Comum                   14.06.2020
Ex 19, 2-6                Rm 5, 6-11              Mt 9, 36-10, 8


ESCUTAR

“Se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis para mim a porção escolhida dentre todos os povos” (Ex 19, 5).

Irmãos, quando éramos ainda fracos, Cristo morreu pelos ímpios, no tempo marcado (Rm 5, 6).

“De graça recebestes, de graça deveis dar!” (Mt 10, 8).


MEDITAR

É fundamental entendermos a vida como mistério de visitação. A cada hora somos visitados e, desse reconhecimento, depende a paz do nosso coração, depende o vigor da nossa esperança. A amizade é a aceitação de que Deus nos visita através do que nos é próximo. “Ao lado do teu amigo, nenhum caminho será longo” (provérbio japonês).

(José Tolentino Mendonça, 1965-, Portugal)


ORAR

    Jesus dava importância grande à maneira de olhar as pessoas. Disso depende, em boa parte, a nossa maneira de agir. Uma das fontes mais antigas recolhe esta observação de Jesus: “A luz de teu corpo são teus olhos. Se teu olhar é generoso, todo seu corpo será luminoso. Mas se teu olhar é mesquinho, todo teu corpo será tenebroso”. Um olhar claro permite que a luz entre em nós e possamos agir com lucidez. Assim o via Jesus. Por isso, se dedicou, antes de mais nada, a despertar a confiança no coração das pessoas. Sua fé profunda e sensível era contagiosa: se Deus cuida com tanta ternura dos pardais, os menores pássaros da Galileia, como não irá cuidar de vocês? Para Deus, “vocês valem mais que muitos pardais”. Um cristão da primeira geração anotou bem sua mensagem: “Descarrega em Deus todo fardo, porque a ele interessa teu bem”. Com que força falava Jesus a cada enfermo: “Tem fé. Deus não esqueceu de ti”. Com que alegria os despedia, quando podia vê-los curados: “Vá em paz. Viva bem”. Era seu grande desejo. Que as pessoas vivessem em paz, sem medos nem angústias: “Não se julguem, não se condenem mutuamente, não se causem dano. Vivam de maneira amistosa”. São muitos os medos que fazem sofrer em segredo as pessoas. O medo causa dano, muito dano. Aonde cresce o medo, perde-se de vista a Deus e se afoga a bondade que há no coração das pessoas. A vida se apaga, a alegria desaparece. Uma comunidade de seguidores de Jesus deve ser, antes de muitas outras coisas, um lugar aonde as pessoas se libertem de seus medos e aprendam a viver confiando em Deus; uma comunidade na qual se respire uma paz contagiosa e se viva uma amizade íntima que torne possível escutar hoje o chamado de Jesus: “Não os temeis”.

(José Antonio Pagola, 1937-, Espanha)

CONTEMPLAR

S. Título, 02 de junho de 2020, manifestante e policial se dão as mãos durante uma manifestação em protesto contra a morte de George Floyd, Nova York, Wong Maye-e (1980-), Associated Press, Singapura.




segunda-feira, 1 de junho de 2020

O Caminho da Beleza 29 - Santíssima Trindade


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

Santíssima Trindade                07.06.2020
Ex 34, 4-6.8-9                   2 Cor 13, 11-13                   Jo 3, 16-18


ESCUTAR

“Embora este seja um povo de cabeça dura, perdoa nossas culpas e nossos pecados e acolhe-nos” (Ex 34, 9).

Encorajai-vos, cultivai a concórdia, vivei em paz, e o Deus do amor e da paz estará convosco (2 Cor 13, 11).

Deus amou tanto o mundo que deu o seu Filho unigênito (Jo 3, 16).


MEDITAR

O Pai sorri para o Filho, o Filho sorri para o Pai e o sorriso faz nascer o prazer, o prazer faz nascer a alegria e a alegria faz nascer o amor.

(Maître Eckhart, 1260-1328, Alemanha)


ORAR

         Jesus é Deus; mas ele diz “tu” a Deus: Deus fala a Deus. Deus se diz “enviado de Deus”. Deus tem por alimento fazer a vontade de Deus. Há, pois, uma dualidade em Deus. E o Espírito, que é também Deus, é uma terceira. A Igreja, colocada diante deste paradoxo de um Deus uno e trino, compreendeu bem cedo que, se ele não fosse mantido a rigor, seria o fim da esperança humana. “Se a Incarnação fosse uma pura imaginação, a salvação também seria pura imaginação” (S. Cirilo de Jerusalém). Se Deus mesmo não se fez homem, como poderia o homem fazer-se Deus? E como poderia um Deus unipessoal se incarnar? Se a Igreja travou um combate, apaixonado durante os primeiros séculos da sua história, para que a profundeza do Mistério não fosse abolida em proveito de uma racionalidade imediata, é que uma rigorosa lógica – expressão duma racionalidade superior cuja exigência constante é mantida pelo Espírito Santo, a despeito de nossas tentações de medíocres compromissos – esta lógica lhe ordenava não separar na unidade da sua fé a tríplice crença na Trindade, na divindade de Jesus Cristo e na divinização do homem. Se Deus não é Trindade, a Incarnação é um mito e nossa esperança é vã. Mas o Deus Trindade é “postulado” pela vivência do amor humano. A esse apelo concreto responde a Revelação. O amor não se consuma na absorção ou na fusão de dois em um. O amor quer, ao mesmo tempo, a distinção e a unidade, a alteridade e a identidade. O mistério da Trindade é a resposta eterna a esta exigência. Cada uma das três Pessoas não é por ela mesma, senão à medida que é para as duas outras: o Pai não existe como Pai, distinto do Filho, senão se dando todo inteiro ao Filho; o Filho não existe como Filho distinto do Pai, senão sendo todo inteiro impulso de amor para o Pai. É o ato de gerar o Filho, que constitui a Pessoa do Pai. É o “ato de se dar”. E assim também o Filho e o Espírito Santo. O que nos é revelado, é que o fundo do Ser é Amor, Comunhão. Cada Pessoa divina não é ela mesma, senão sendo fora de si, sem se fechar sobre si mesma. É segundo o modo de amar, que Deus é.

(François Varillon, 1905-1978, França)


CONTEMPLAR

Cantores do gargarejo, 1931, crianças na escola de Sneed Road gargarejando em defesa contra influenza, autoria desconhecida, Fox Photos/Getty Images, Bristol, Inglaterra.