Já não quero
dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem
se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol
dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.
(Carlos Drummond de
Andrade)
São Pedro e São Paulo 30.06.2019
At 12, 1-11 2 Tm 4, 6-8.17-18 Mt 16, 13-19
“O anjo tocou o ombro de Pedro, acordou-o e disse: ‘Levanta-te
depressa!’” (At 12, 7).
“Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a
fé” (2 Tm 4, 7).“Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16).
Ainda que não
queiramos: Deus amadurece.
(Rainer Maria Rilke, 1875-1926, Praga)
(Rainer Maria Rilke, 1875-1926, Praga)
(Jean-Guy Saint Arnaud, 1934-, Canadá).
A Igreja de Jesus, pobre e
hospitaleira, nunca poderá estar aprisionada aos grilhões do poder, sejam os da
perseguição ou os dos privilégios. Os mistérios foram e são revelados pelo Pai
aos pequenos e não aos eruditos ou astutos. Pedro pertence à categoria dos
simples seguidores que vivem com o coração aberto. É Jesus quem constrói a
Igreja. Ela é sua e Jesus não a constrói sobre a areia. Pedro, como nós, será
uma pedra nesta Igreja não por ter a solidez e a firmeza de temperamento.
Pedro, honesto e apaixonado, é também inconstante e inconsistente. Seu poder
repousa, simplesmente, sobre a sua fé em Cristo. Pedro é libertado da boca do
leão, os dois sustentáculos do poder utilizados, em todos os tempos, para a
submissão de todos: o Estado e a Religião. Pedro exclama: “Agora eu sei, de
fato, que o Senhor enviou o seu anjo para me libertar do poder de Herodes e de
tudo o que o povo judeu esperava”. A Igreja de Jesus vive da sua dimensão
peregrina diversa e plural. Uma Igreja que durante a sua existência enfrentará
situações de dilaceramentos e que nelas forjar-se-á como uma Igreja solidária e
portadora da paz para todos os que sofrem perseguição por amor à justiça. Paulo,
o que vive na liberdade do Espírito, revela que a travessia é duelo: combater,
completar a corrida e guardar a fé. É a de sermos testemunhas vivas de que,
apesar de tudo, somos capazes de manter a lealdade à comunidade fraterna de
Jesus na qual aquele que se perde é o que se encontra. O Concílio Vaticano II
vai consagrar a Igreja do Serviço: “Nenhuma ambição terrestre move a Igreja.
Com efeito, guiada pelo Espírito Santo, ela pretende somente uma coisa:
continuar a obra do próprio Cristo, que veio ao mundo para dar testemunho da
verdade, para salvar e não para condenar, para servir e não para ser servido” (Gaudium et Spes, 3). Devemos ter cuidado
ao usarmos metáforas para a Igreja de Jesus, sobretudo a da barca. No final do
livro de Atos, todos são salvos não por estarem protegidos na barca, mas pela
partilha do pão abençoado na presença de todos, por todos comido e, por isso,
animados, alimentados e saciados. A barca encalhou nas correntes de suas
próprias âncoras e, ironia do destino, ficou presa em si e por si mesma (At 27,
41). A comunidade eclesial deve ser a comunidade concreta de homens e mulheres,
a Igreja de Jesus, que vai ao encontro e ao diálogo com todos os outros homens
e mulheres do mundo. Uma Igreja pobre, mas rica de compaixão, que não faz nas
barcas do poder a sua travessia para a vida eterna, pois o Senhor prevenira que
destas barcas sobrarão apenas os pedaços espalhados pelo mar da história.
(Matersol, 1999-, Brasil)
Enfrentando a tempestade (detalhe), 2014, Dianbai,
Província de Guangdong, China, Joseph Tam, Austrália.