segunda-feira, 24 de junho de 2019

O Caminho da Beleza 32 - São Pedro e São Paulo


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)



São Pedro e São Paulo             30.06.2019
At 12, 1-11                2 Tm 4, 6-8.17-18            Mt 16, 13-19

 
ESCUTAR

“O anjo tocou o ombro de Pedro, acordou-o e disse: ‘Levanta-te depressa!’” (At 12, 7).
“Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé” (2 Tm 4, 7).

“Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16).

 
MEDITAR

Ainda que não queiramos: Deus amadurece.

 (Rainer Maria Rilke, 1875-1926, Praga)

 
Nós devemos nos dar e só nos possuímos à medida do dom que fazemos de nós mesmos. Nós só nos expandimos na gratuidade. Nossa liberdade consiste precisamente viver desta gratuidade, a existir em ação de graças e a passar da servidão ao serviço.

 (Jean-Guy Saint Arnaud, 1934-, Canadá).

 
ORAR

A Igreja de Jesus, pobre e hospitaleira, nunca poderá estar aprisionada aos grilhões do poder, sejam os da perseguição ou os dos privilégios. Os mistérios foram e são revelados pelo Pai aos pequenos e não aos eruditos ou astutos. Pedro pertence à categoria dos simples seguidores que vivem com o coração aberto. É Jesus quem constrói a Igreja. Ela é sua e Jesus não a constrói sobre a areia. Pedro, como nós, será uma pedra nesta Igreja não por ter a solidez e a firmeza de temperamento. Pedro, honesto e apaixonado, é também inconstante e inconsistente. Seu poder repousa, simplesmente, sobre a sua fé em Cristo. Pedro é libertado da boca do leão, os dois sustentáculos do poder utilizados, em todos os tempos, para a submissão de todos: o Estado e a Religião. Pedro exclama: “Agora eu sei, de fato, que o Senhor enviou o seu anjo para me libertar do poder de Herodes e de tudo o que o povo judeu esperava”. A Igreja de Jesus vive da sua dimensão peregrina diversa e plural. Uma Igreja que durante a sua existência enfrentará situações de dilaceramentos e que nelas forjar-se-á como uma Igreja solidária e portadora da paz para todos os que sofrem perseguição por amor à justiça. Paulo, o que vive na liberdade do Espírito, revela que a travessia é duelo: combater, completar a corrida e guardar a fé. É a de sermos testemunhas vivas de que, apesar de tudo, somos capazes de manter a lealdade à comunidade fraterna de Jesus na qual aquele que se perde é o que se encontra. O Concílio Vaticano II vai consagrar a Igreja do Serviço: “Nenhuma ambição terrestre move a Igreja. Com efeito, guiada pelo Espírito Santo, ela pretende somente uma coisa: continuar a obra do próprio Cristo, que veio ao mundo para dar testemunho da verdade, para salvar e não para condenar, para servir e não para ser servido” (Gaudium et Spes, 3). Devemos ter cuidado ao usarmos metáforas para a Igreja de Jesus, sobretudo a da barca. No final do livro de Atos, todos são salvos não por estarem protegidos na barca, mas pela partilha do pão abençoado na presença de todos, por todos comido e, por isso, animados, alimentados e saciados. A barca encalhou nas correntes de suas próprias âncoras e, ironia do destino, ficou presa em si e por si mesma (At 27, 41). A comunidade eclesial deve ser a comunidade concreta de homens e mulheres, a Igreja de Jesus, que vai ao encontro e ao diálogo com todos os outros homens e mulheres do mundo. Uma Igreja pobre, mas rica de compaixão, que não faz nas barcas do poder a sua travessia para a vida eterna, pois o Senhor prevenira que destas barcas sobrarão apenas os pedaços espalhados pelo mar da história.
(Matersol, 1999-, Brasil)

 
CONTEMPLAR

Enfrentando a tempestade (detalhe), 2014, Dianbai, Província de Guangdong, China, Joseph Tam, Austrália.
 
 

 

segunda-feira, 17 de junho de 2019

O Caminho da Beleza 31 - XII Domingo do Tempo Comum


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)

 
XII Domingo do Tempo Comum                 23.06.2019
Zc 12, 10-11; 13, 1             Gl 3, 26-29             Lc 9, 18-24

 
ESCUTAR

“Derramarei sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém um espírito de graça e de oração” (Zc 12, 10).
Todos vós sois um só em Jesus Cristo (Gl 3, 28).

“Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me” (Lc 9, 23).

 
MEDITAR

Esse é justamente o tema maravilhoso da Bíblia que assusta a tantos: que o único sinal visível de Deus no mundo seja a cruz. Cristo não é arrebatado gloriosamente da terra para o céu, seu destino é a cruz. E precisamente lá onde está a cruz está próxima a ressurreição. Onde todos ficam desconsertados diante de Deus, onde todos se desesperam com Deus, é exatamente lá que Deus está bem perto e Cristo está vivamente presente.

(Dietrich Bonhoeffer, 1906-1944, Alemanha)

 
ORAR

            “Nenhum de vós vive para si, e ninguém morre para si... quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor” (Rm 14, 7-8). Na morte de Cristo evidenciou-se mais claramente que nem ele, o Messias, se pertence a si mesmo. Não há amor se não houver capacidade de alguém se gostar gratuitamente. Não haverá comunidade cristã, se ninguém renunciar a seus direitos de infindáveis litígios e acirradas discussões. O pleno desabrochar da pessoa como pessoa supõe que alguém se sacrifique generosamente por mim, que alguém confie em mim, me perdoe, me suporte com magnanimidade, renuncie a si para me dar sua palavra, seu tempo, sua atenção, sua estima... sem pagamento. A cruz que, ao exemplo do Cristo, é entrega generosa pelo bem dos outros, é a mais direta liberação do nosso egoísmo mortífero. Ela nos dá o coração de bondade e os sentimentos de respeito, isto é, ela nos purifica. Não é a cruz que se opõe ao mundo moderno do progresso. O que impossibilita o advento do mundo mais humano, mais justo e de maior amor é sua gigantesca capacidade técnica de se fechar no egoísmo estreito e mortal ou, em defesa do seu eu imaturo e inveterado, recorrer ao ódio e a lutas fratricidas. Num mundo, onde o progresso é o único critério, cria-se um homem-monstro, capaz de imolar os seus semelhantes julgados “inúteis” e “supérfluos”. Não a cruz de desprezo, mas a cruz do Cristo, a cruz do serviço a nossos irmãos, dá-nos força de imolarmos nossos próprios interesses para crescermos todos juntos. Esta cruz não elimina nem resolve todos os problemas, mas nos redime com eles.

(Emanuel Bouzon, 1933-2006, Brasil e Karl Romer, 1932-, Suíça)

 
CONTEMPLAR

No Quintal, México, 1936-7, Marcel Gautherot (1910-1996), Instituto Moreira Salles, França/Brasil.
 
 

quarta-feira, 12 de junho de 2019

O Caminho da Beleza 30 - Santíssima Trindade





Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)
 

 

Santíssima Trindade                16.06.2019
Pr 8, 22-31              Rm 5, 1-5                Jo 16, 12-15
 
ESCUTAR
Assim fala a sabedoria de Deus: “...eu era seu encanto, dia após dia, brincando, todo o tempo, em sua presença” (Pr 8, 30).
O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo (Rm 5, 5).
 
“Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender agora” (Jo 16, 12).

MEDITAR
Alguns de nós acreditam que Deus é Todo-Poderoso e que pode fazer tudo, e que Deus é Todo-Sabedoria e sabe como fazer tudo. Mas que Deus é Todo-Amoroso e quer amar tudo, aqui nós nos contemos. E essa ignorância atrapalha a maioria dos amantes de Deus, como eu vejo (...) Deus quer ser pensado como nosso Amante.
(Julian de Norwich, 1342-1416, Reino Unido).
 
ORAR

        A festa da Santíssima Trindade não é uma simples formalidade nem uma representação dogmática. Ela nos convida a tentar viver e a nos insurgir contra uma certa insensibilidade em nós e em torno de nós à urgência de Deus e à envergadura do seu Mistério. Neste domingo, devemos entrar neste mistério adorável de saber que a dinâmica da Trindade é o Amor. É uma eterna comunicação, pois não existe nem um olhar-para-si, mas sempre e eternamente um olhar-para-o-outro. O Pai é um eterno olhar para o Filho assim como o Filho é um olhar eterno para o Pai e toda a Luz divina brota desta troca como a visibilidade de um dom eternamente realizado. Meditemos as palavras do dominicano Eckhart escritas no século XIV: “O Pai sorri para o Filho e o Filho sorri para o Pai e o sorriso faz nascer o prazer, o prazer faz nascer a alegria e a alegria faz nascer o amor”. Toda a alegria brota do dom nesta dança eterna em que qualquer posse é impossível, pois a grandeza consiste no dom de si mesmo. A vida de Deus é sempre uma vertiginosa troca, partilha e uma circulação infinita expressa no respirar do Pai, no sangue do Filho, na água e no fogo do Espírito. A vida da Trindade acontece em nós mesmos sem que a percebamos e nela “nem morte nem vida, nem anjos nem potestades, nem presente nem futuro, nem poderes nem altura nem profundidade, nem criatura alguma nos poderá separar do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus Senhor nosso” (Rm 8, 38-39). É no silêncio que esta vida se manifesta, pois a alegria verdadeira começa quando, enfim, com os olhos fechados e os lábios cerrados percebemos a dinâmica amorosa do Pai, pelo Filho, no Espírito. Esta festa exige uma profunda revisão de vida e a perguntarmos sobre a esterilidade de um amor que se debruça sobre si mesmo e de um egoísmo que se idolatra. O Cristo nos revelou a Trindade para fazer surgir em nós uma liberdade total ante os olhos do egoísmo mortal que assola o mundo, aniquila as culturas, domina os mais fracos, corrompe os poderes civis e religiosos, e que, sobretudo, pela ganância, destrói a natureza criada para o bem de toda a humanidade por todos os séculos. Eis o mistério: Deus para nós, Deus em nós e Deus conosco.
 
(Matersol, 1999-, Brasil)
 
CONTEMPLAR
O Trio Três Dançarinos (Mason Kelly, Jenni Large e Georgia Rudd) 2015, Amber Haines, Companhia de Dança Dancenorth, Austrália.
 
 

sexta-feira, 7 de junho de 2019

O Caminho da Beleza 29 - Pentecostes


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


Pentecostes                       09.06.2016
At 2, 1-11                  1 Cor 12, 3-7.12-13                       Jo 20, 19-23


ESCUTAR

“Todos nós os escutamos anunciar as maravilhas de Deus na nossa própria língua!” (At 2, 11).

A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum (1 Cor 12, 7).

Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco” (Jo 20, 19).


MEDITAR

A obra do Espírito Santo é de tornar contemporâneas a presença e a ação de Jesus Cristo na nossa humanidade. É dele que esperamos o nascimento do mundo novo sendo vigilantes na fé. Ele é o mestre de obras da nova criação como foi na origem, pairando sobre as águas ou insuflado no homem. O Espírito Santo é o ar do Reino de Deus.

(Pierre Claverie, 1938-1996, Argelia).


ORAR

Na festa de Pentecostes, celebramos a vinda do Espírito de Jesus para fundar a comunidade eclesial. Pentecostes é uma dinâmica de vida e sempre será testemunhado na razão direta da capacidade de amor fraterno da comunidade. O Espírito sabe qual a melhor forma da sua comunicação - brisa suave, forte ventania e fogo – para tornar presente no meio de nós a Palavra de Deus assim como a tornou presente no seio de Maria. Hoje ele chega como uma forte ventania para nos mostrar a sua liberdade e pousa como línguas de fogo sobre as cabeças dos discípulos, tornando ardentes e inflamados os seus corações e seus lábios para que pronunciassem nas línguas diversas as maravilhas do Senhor. Como o Espírito de Jesus foi soprado sobre nós só nos resta nos abandonar a este impulso divino. Este abandono não é uma preguiça nem uma passividade, mas o confronto permanente para que possamos superar as forças interiores que exigem a capitulação dos nossos sonhos e a acomodação estéril das nossas vidas. Precisamos nos deixar invadir pelo Espírito de Jesus para que alcancemos o significado de tudo o que acontece nas nossas vidas, pois nos foi prometido: “Quando, porém, vier o Espírito da verdade, ele vos conduzirá à plena verdade” (Jo 16, 13). O Espírito de Jesus não conhece e, muito menos, impõe limites. A única coisa que não nos concede é levar uma vida medíocre e aprisionada nos limites que nos impomos, pois uma vida assim nos condena à absoluta incompreensão de nós mesmos. Na manifestação de Pentecostes foi afirmada a pluralidade do universo, pois além dos apóstolos, em Jerusalém, os pagãos, na Cesárea, foram tocados pelo Espírito Santo e, falando várias línguas, glorificavam a Deus. A Igreja não se constrói somente pelo caminho institucional, mas pela infinita variedade de dons e carismas que o Espírito distribui para a construção do bem comum, pois “todos nós bebemos de um único Espírito”. Ouvir a voz do Espírito de Jesus é viver na comunidade fraterna aberta a todos os homens e mulheres e comprometida com todo o Cosmos. Como nos escreveu São Basílio Magno, no século IV: “Dele nos vem a alegria sem fim, a união constante e a semelhança com Deus; Dele procede, enfim, o bem mais sublime que se pode desejar: o homem é divinizado”.

(Matersol, 1999-, Brasil)


CONTEMPLAR

Awá-Guajá: raios de luz do sol da tarde iluminam a densa floresta amazônica do norte do Brasil, 2013, Sebastião Salgado (1944-), Projeto Amazônia, Brasil.