segunda-feira, 24 de abril de 2017

O Caminho da Beleza 23 - III Domingo da Páscoa

Muitos pensam de modo diferente, sentem de modo diferente. Procuram Deus ou encontram Deus de muitos modos. Nesta multidão, nesta variedade de religiões, só há uma certeza que temos para todos: somos todos filhos de Deus. Que o diálogo sincero entre homens e mulheres de diferentes religiões produza frutos de paz e de justiça.
(Papa Francisco, 2016)

Não temos um só Pai? Não nos criou um mesmo Deus? Por que trabalhamos tão perfidamente uns contra os outros?

(Ml 2, 10)

III Domingo da Páscoa            30.04.2017
At 2, 14.22-33                    1 Pd 1, 17-21                       Lc 24, 13-35


ESCUTAR

“E agora, exaltado pela direita de Deus, Jesus recebeu o Espírito Santo que fora prometido pelo Pai e o derramou, como estais vendo e ouvindo” (At 2, 33).

Se invocais como Pai aquele que, sem discriminação, julga a cada um de acordo com as suas obras, vivei então respeitando a Deus durante o tempo de vossa migração neste mundo (1 Pd 1, 17).

“Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” (Lc 24, 32).


MEDITAR

Tristeza é aboio de chamar o demônio (João Guimarães Rosa).


ORAR

Os dois discípulos no caminho de Emaús são o símbolo de todos nós. Estamos informados de tudo e apesar disto somos incapazes de entender, interpretar e compreender o seu significado. O Cristo se apresenta como “desinformado”, mas é Ele quem explica o sentido do que se passou. Desvela as Escrituras, revela-se a Si mesmo e, finalmente, é reconhecido no gesto de partir o pão. A liturgia da Palavra não é, simplesmente, preparatória da liturgia eucarística. As duas são manifestações plenas do mistério do Cristo. Quase sempre narramos de cor a travessia de Jesus: uma narrativa obscura e sem luz. Uma leitura à margem da luz da ressurreição transforma esta travessia numa grande ilusão. No caminho, o Cristo os escuta a falar unicamente de sua morte e como tudo acabara depois dela. Jesus havia imaginado seus discípulos não se lamuriando, mas plenos de vida, contagiando de paz cada casa, aliviando o sofrimento, curando os males e anunciando a todos que Deus está próximo e se preocupa conosco. O Cristo sempre nos oferece mesas de fraternidade onde damos graças pela vida e pela força do Espírito que nos conduz. Os discípulos de Emaús caminham com ar entristecido, sem meta e sem objetivo, pois sua esperança se apagara e seu caminho é fugidio. Nós também temos informações sobre as Escrituras que não nos servem de nada porque ainda citamos os evangelhos como uma coisa passada: “Naquele tempo...” Temos escrito doutrinas, encíclicas, cartas pastorais, exortações e estudos eruditos sobre Jesus, mas falta a experiência viva de Alguém que nos faz arder os corações: O Vivente. Não basta assistir as missas e ler os textos bíblicos de qualquer maneira. Os discípulos de Emaús não leem um texto, mas escutam a voz do Ressuscitado. Não celebram uma liturgia aprisionada às rubricas, mas se sentam à mesa como amigos e juntos descobrem que é o próprio Jesus, o Cristo Ressuscitado que os alimenta. O caminho de Emaús é o caminho da nossa fé, uma fé que deve se converter numa fé pascal que nos faz saber que encontraremos o Cristo nos acontecimentos cotidianos por meio da sua Palavra esclarecedora e na fração do pão que chega à sua plenitude nos encontros fraternos iluminados pelo Espírito de Jesus.


CONTEMPLAR

 Partilha, 2017, Manos da Terna Solidão, foto de ostensório sobre escultura de Alfi Vivern, Curitiba, Paraná, Brasil.





segunda-feira, 17 de abril de 2017

O Caminho da Beleza 22 - II Domingo da Páscoa

Muitos pensam de modo diferente, sentem de modo diferente. Procuram Deus ou encontram Deus de muitos modos. Nesta multidão, nesta variedade de religiões, só há uma certeza que temos para todos: somos todos filhos de Deus. Que o diálogo sincero entre homens e mulheres de diferentes religiões produza frutos de paz e de justiça.
(Papa Francisco, 2016)

Não temos um só Pai? Não nos criou um mesmo Deus? Por que trabalhamos tão perfidamente uns contra os outros?
(Ml 2, 10)

II Domingo da Páscoa              23.04.2017
At 2, 42-47              1 Pd 1, 3-9               Jo 20, 19-31

ESCUTAR

Todos os que abraçavam a fé viviam unidos e colocavam tudo em comum (At 2, 44).

Em sua grande misericórdia, pela ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, ele nos fez nascer de novo, para uma esperança viva (1 Pd 1, 3).

“Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” (Jo 20, 29).

MEDITAR

Ao iniciar minha caminhada cometi quatro erros:
acreditei que era eu quem o recordava,
o conhecia,
o amava e o procurava.

Quando cheguei ao fim da jornada, vi que
sua lembrança precedera a minha,
seu conhecimento precedera o meu,
seu amor chegara antes do meu,
e ele me havia procurado antes,
para que eu o procurasse.

(Al-Bistami, Islã).

ORAR

Na comunidade cristã o irmão não é somente o que compartilha a mesma fé, mas o que participa e tem livre acesso aos nossos bens. Desta forma desaparece qualquer discriminação econômica, pois a prática da partilha e da solidariedade aniquila uma lógica patronal e privatista. A comunhão espiritual se expressa, de uma maneira visível, na partilha dos bens materiais com os mais fracos e necessitados. O evangelista nos apresenta uma comunidade em crise. Uma crise de medo resolvida pela presença e o dom da paz do Ressuscitado. Crise de um discípulo que não acredita. O Ressuscitado reaparece e não aponta Tomé com um dedo ameaçador, mas aceita a sua condição imposta para crer. Nenhum dedo ameaçador salvou ninguém e nunca constituiu um argumento convincente. Hoje, a dificuldade para acreditar não vem da invisibilidade do Ressuscitado, mas da visibilidade das igrejas e dos cristãos e de seus contra-testemunhos. A paz e a alegria se expressam no sentimento de que o Vivente está com eles, fundido em suas vidas e relações. A presença do Espírito é um dom de Jesus e tem uma profunda relação com o perdão dos pecados expressos nas divisões, conflitos e violências que causamos uns aos outros. O homem ofende a Deus quando faz dano a si mesmo e aos outros. O pecado social denunciado pelos profetas com o passar do tempo ficou reduzido apenas a uma ofensa individual a Deus que para ser perdoada deveria ser submetida ao sacramento da penitência (Trento) e a confissão ficou restrita a um ato judicial. Quem representa o Espírito não pode ter um poder judicial, mas tão somente um poder misericordioso. Os cristãos aceitam o Vivente quando são capazes de ver e tocar a dor humana de todos aqueles em que Deus está presente. É nas chagas das vítimas que encontramos a fé em Deus, o Deus Pai do Ressuscitado, o Vivente pelos séculos dos séculos. Como afirma o Papa Francisco: “O que Jesus nos pede para fazer com nossas ações de misericórdia é aquilo que Tomé havia pedido: entrar nas feridas. Só tocando as feridas, acariciando-as, é possível adorar o Deus vivo no meio de nós”. A paz dada pelo Cristo Ressuscitado não é a paz do mundo que é sempre precária, falsa e aparente, pois se baseia nos medos recíprocos, nos equilíbrios de poder, na corrida armamentista, na exploração e na repressão. O sacramento da penitência não pode ficar reduzido a um rito privado do perdão. Possui uma dimensão eminentemente social uma vez que na profundeza dos pecados pessoais e sociais imprime um dinamismo de reconciliação social, de fraternidade entre as pessoas por meio da reconciliação com Deus. O Vivente nos arranca de atitudes covardes, desencantos e desesperanças. Uma Igreja encerrada em seus problemas é uma Igreja sem horizontes e sem riscos. Uma Igreja estruturada no legalismo não é uma Igreja impulsionada pelo Espírito de Jesus, pois o Evangelho nos coloca sempre olhando para o futuro. O papa Francisco denuncia o legalismo clerical: “Deixai os leigos trabalharem em paz, não os clericalizeis. O clericalismo é como o tango que se dança em dois: o sacerdote que gosta de clericalizar e o leigo que pede para ser clericalizado” (Retiro dos sacerdotes 12.6.2015).

CONTEMPLAR

S. Título, 1998, Espanha, Stuart Franklin (1956-), Magnum Photos, Londres, Reino Unido.





quarta-feira, 12 de abril de 2017

O Caminho da Beleza 21 - Páscoa da Ressurreição

Muitos pensam de modo diferente, sentem de modo diferente. Procuram Deus ou encontram Deus de muitos modos. Nesta multidão, nesta variedade de religiões, só há uma certeza que temos para todos: somos todos filhos de Deus. Que o diálogo sincero entre homens e mulheres de diferentes religiões produza frutos de paz e de justiça.
(Papa Francisco, 2016)

Não temos um só Pai? Não nos criou um mesmo Deus? Por que trabalhamos tão perfidamente uns contra os outros?
(Ml 2, 10)

Páscoa da Ressurreição                      16.04.2017
At 10, 34.37-43                 Cl 3, 1-4                   Jo 20, 1-9

ESCUTAR

“E Jesus nos mandou pregar ao povo e testemunhar que Deus o constituiu juiz dos vivos e dos mortos” (At 10, 42).

Pois vós morrestes e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus (Cl, 3, 3).

De fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos (Jo 20, 9).


MEDITAR

A vida daqueles que acolhem todos os dias os convidados que chegam até eles jamais sofrerá de penúria. Aquele que, quando seus hóspedes partem, deseja receber outros mais, será um hóspede bem-vindo na casa dos deuses.
(Tirukkural, Sábio Tiruvallur, c. 500, Sul da Índia).


ORAR

      O Cristo vive e isto constitui a causa da nossa esperança e a fonte da nossa fé. E a fé, a partir da Ressurreição, não consiste em sentir, ver e buscar o Jesus que viveu na terra, mas saber encontrá-Lo em suas manifestações visíveis e invisíveis na nossa vida. É saber encontrar o Vivente na solidariedade com os irmãos e irmãs; nas comunidades em que se parte o pão e se reparte o vinho; nos testemunhos de justiça que valem mais do que uma vida. Encontramos o Cristo na comensalidade, no partilhar da mesa onde colocamos em comum a existência dos nossos sentimentos; partilhamos a fé que nos dá sentido à vida na sua pluralidade e diversidade. É no alimento repartido que rompemos nosso isolamento, nossa solidão e nos sentimos próximos, uns dos outros, no encontro dos olhares e sorrisos. A comensalidade derruba as barreiras e nos permite a fusão de uma autêntica comunhão. No entanto, esta dimensão sagrada foi profanada pelos cafés de trabalho, almoços de negócios e jantares políticos que adulteram um dos símbolos mais universais que inventamos para nos unir, aliviar nossas preocupações e partilhar alegrias. A mesa de Jesus foi convertida em mesa de conspiração e de tramas de destruição e ódio. Jesus partilhou a mesa com todo tipo de pessoa sem excluir jamais ninguém. O mais importante para o Vivente não é a prática religiosa, mas a experiência humana que se vive no compartir da mesma mesa. O Pai, o Deus de Jesus, só é encontrado na mesa partilhada com os outros, sejam quais forem, pois o espaço de Deus é o da vida repartida. A comensalidade humana não é possível onde existe a exclusão, a ameaça e o desprezo: onde falha a partilha falha a Eucaristia. A festa da Páscoa é a festa da confiança porque sabemos nas mãos de quem estamos. A festa da Páscoa nos convida a substituir a angústia da morte pela certeza da Ressurreição e para viver é necessário ressuscitar: o sepulcro se converte num berço. Entramos nus na nova Criação como o Cristo que abandonou as vestes da morte no sepulcro e se desinteressou delas. A vida não tem necessidade de relíquias. Entramos nus para vestirmos o traje de luz. O centro do mundo mudou-se para outro lugar: pode estar em todas as partes onde se manifesta a solidariedade humana.


CONTEMPLAR


Luz rompendo a matéria, 2016, Manos da Terna Solidão, Capela, Curitiba, Brasil.




terça-feira, 4 de abril de 2017

O Caminho da Beleza 20 - Domingo de Ramos e Paixão do Senhor

Muitos pensam de modo diferente, sentem de modo diferente. Procuram Deus ou encontram Deus de muitos modos. Nesta multidão, nesta variedade de religiões, só há uma certeza que temos para todos: somos todos filhos de Deus. Que o diálogo sincero entre homens e mulheres de diferentes religiões produza frutos de paz e de justiça.
(Papa Francisco, 2016)

Não temos um só Pai? Não nos criou um mesmo Deus? Por que trabalhamos tão perfidamente uns contra os outros?
(Ml 2, 10)

Domingo de Ramos e Paixão do Senhor              09.04.2017
Is 50, 4-7                 Fl 2, 6-11                 Mt 27, 11-54


ESCUTAR

O Senhor abriu-me os ouvidos; não lhe resisti nem voltei atrás (Is 50, 5).

Encontrado com aspecto humano, humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até a morte, e morte de cruz (Fl 2, 7-8).

Ele era mesmo Filho de Deus! (Mt 27, 54).


MEDITAR

Às vezes, é terrível conceber e admitir, meu Deus, tudo que as criaturas terrestres se infligem umas contra as outras nesses tempos decaídos. Mas permanecendo em meu quarto não me fecho a esse espetáculo, meu Deus, continuo a encarar tudo, não fujo de nada, procuro compreender e dissecar os piores feitos, procuro sempre encontrar o traço do homem em sua nudez, sua fragilidade, deste homem raramente encontrado em meio às ruínas monstruosas de seus atos absurdos... Deus, encaro seu mundo no fundo dos meus olhos, não fujo da realidade refugiando-me em belos sonhos – quero dizer que há lugar para belos sonhos ao lado da mais crua realidade – e eu teimo em louvar tua criação, meu Deus, apesar de tudo.

 (Etty Hillesum, jovem holandesa assassinada em Auschwitz, em 1943).


ORAR

Hoje devemos festejar e colocar na roda toda a alegria de que somos capazes. A festa de Jesus tem as cores da espontaneidade e da simplicidade. Nenhuma comissão de pessoas importantes, nenhuma oficialidade nem gastos exorbitantes. A fé comporta um custo que nada tem a ver com os gastos. A entrada de Jesus em Jerusalém, montado num jumentinho, rodeado e aclamado pelas gentes humildes, expressa que o mais humano de nossa vida se realiza na simplicidade e na recusa de toda pompa e desejo de domínio. Oxalá as igrejas aprendam, de uma vez por todas, a não mais celebrar Te Deum para os ditadores e assassinos, pois só o amor e a bondade são dignos de fé. O evangelho faz uma paródia do poder e a trajetória de Jesus é a de todo cristão: abaixamento/ elevação; humilhação/ glorificação; obscuridade/ luminosidade; despojamento/ transfiguração; perda do nome/ aquisição do Nome-sobre-todo-nome. Jesus morre soltando um grito lacerante. Um grito que expressa a indignação de todos os torturados, de todas as vítimas da injustiça, da violência, dos sofrimentos mais absurdos e do abandono. Mas este grito é também uma declaração última de amor, pois Jesus morre gritando seu amor para com todos: “Pai, perdoai-os, eles não sabem o que fazem!”. Devemos nos deixar penetrar por este grito e não apenas nos conformar em ouvi-lo. Podemos nos mover livremente, porque Ele permanece cravado na Cruz; podemos existir porque Ele nos ama e podemos viver porque Ele, com uma semente, aceitou morrer. No relato evangélico não há discursos de elogio ao vencedor triunfante, mas se destaca o ato final de um homem que deu sentido à sua vida e à sua morte ao dizer que não havia maior prova de amor do que dar a vida pelos amigos. Devemos, como Jesus, sem medo, dar o mesmo sentido às nossas vidas e mortes, oferecendo a força vital de nosso amor ao mundo. O Cristo, morto e ressuscitado, evoca-nos, com a sua entrega de amor, que a libertação do medo consiste em sermos fulminados pela coragem da esperança: “No mundo passareis tribulações; mas tende ânimo, pois eu venci o mundo” (Jo 16, 33).


CONTEMPLAR

Sem Título, anônimo, acessado em Pinterest, (Fonte: s-media-cache-ak0.pinimg.com).