segunda-feira, 27 de março de 2017

O Caminho da Beleza 19 - V Domingo da Quaresma

Muitos pensam de modo diferente, sentem de modo diferente. Procuram Deus ou encontram Deus de muitos modos. Nesta multidão, nesta variedade de religiões, só há uma certeza que temos para todos: somos todos filhos de Deus. Que o diálogo sincero entre homens e mulheres de diferentes religiões produza frutos de paz e de justiça.
(Papa Francisco, 2016)

Não temos um só Pai? Não nos criou um mesmo Deus? Por que trabalhamos tão perfidamente uns contra os outros?

(Ml 2, 10)

V Domingo da Quaresma                    02.04.2017
Ez 37, 12-14                                    Rm 8, 8-11              Jo 11, 1-45


ESCUTAR

Poreis em vós o meu espírito, para que vivais, e vos colocarei em vossa terra (Ez 37, 14).

Aquele que ressuscitou Jesus Cristo dentre os mortos vivificará também vossos corpos mortais por meio do seu Espírito que mora em vós (Rm 8, 11).

“Desatai-o e deixai-o caminhar!” (Jo 11, 44).


MEDITAR

Silêncio!
És feito de pensamento, afeto e paixão.
O que resta é nada
além de carne e ossos.

Por que nos falam
de templos de oração,
de atos piedosos?
Somos o caçador e a caça,
outono e primavera,
noite e dia,
o Visível e o Invisível.

Somos o tesouro do espírito.
Somos a alma do mundo,
livres do peso que vergasta o corpo.

Prisioneiros não somos
do tempo nem do espaço
nem mesmo da terra que pisamos.

No amor fomos gerados.
No amor nascemos.

(Jalal ud-Din Rumi, Sufismo)


ORAR

Nossa sociedade faz todo possível para esconder a morte e subtraí-la dos nossos olhos e corações. Temos a pretensão de aniquilar com a sua fealdade ao evitar o convívio com a nossa própria morte. A morte é um terminar de morrer, pois “a gente morre é para provar que viveu e que não teve razão” (Guimarães Rosa). A ressurreição dos mortos é um ponto central da fé e tem um impacto nas nossas vidas, pois incide, de uma maneira determinante, no nosso caminho, nas opções a serem tomadas e nas orientações que damos às nossas existências. A palavra de Jesus é incisiva aos amigos e irmãs de Lázaro: “Desatai-o e deixai-o caminhar!”. Morrer é não desatar os nós que nos impedem de caminhar; é manter nossos rostos escondidos atrás de um pano mortuário que nos embaça os olhos, faz-nos tropeçar, errar o alvo e manter contaminado o coração. Devemos expurgar os anjos da morte, amigos dos que destroem a Criação de Deus para acumular posses e poder, sinais do Maligno. Se o Espírito não nos livrar do medo não haverá esperança para o mundo, pois a ressurreição é também ser libertado do medo para enfrentar as formas de morte inventadas pelos homens. A morte é imposta pela corrupção que usurpa a vida dos mais desfavorecidos, cria leis para o usufruto dos bens que são para todos, divide para reinar e se abarrota do espólio de morte feito de cinismo, hipocrisia e escárnio. O papa Francisco exorta: “A corrupção dos poderosos acaba sendo paga pelos pobres que, por causa da avidez dos outros, ficam sem aquilo de que têm necessidade e direito. A corrupção é justamente o pecado acessível de alguém que tem autoridade sobre os outros...econômica, política ou eclesiástica. Todos somos tentados pela corrupção, porque quando alguém tem autoridade e se sente poderoso, se sente quase como um deus. Somos corrompidos ao longo do caminho da própria segurança. Com o bem-estar, o dinheiro, depois o poder, a vaidade, o orgulho. E daí brota tudo: também o matar”. O triunfalismo é o terreno ideal para o comportamento corrupto que não conhece a fraternidade ou a amizade, mas só a cumplicidade. O papa Francisco alerta: “Quando uma pessoa vive no seu ambiente fechado respira aquele ar próprio dos seus bens, da sua satisfação, da vaidade, de se sentir seguro e confia apenas em si mesmo, perde a orientação, perde a bússola e não sabe onde estão os limites”. A corrupção é proselitista e se disfarça de comportamentos socialmente aceitáveis. Somos corrompidos pela mediocridade e pela tibieza e nos tornamos acrobatas da delicadeza e campeões das boas maneiras Como Pilatos, o corrupto lava as mãos, faz de conta que o problema não lhe diz respeito e assim defende a sua zona corrupta de adesão ao poder a qualquer preço. O Papa Francisco é incisivo: “Porque uma coisa corrupta é uma coisa suja. Se encontramos um animal morto que está se deteriorando, que é corrupto, é ruim e também fede. A corrupção fede! A sociedade corrupta fede! Um cristão que deixa entrar dentro de si a corrupção não é cristão, fede!”. A todos se passa o mesmo: não queremos pensar na morte. É melhor esquecê-la, não falar disto e seguir vivendo cada dia como se fôssemos eternos. No entanto, “a morte de cada um já está em edital” (Guimarães Rosa). Deus não impede ninguém de morrer, pois todo homem experimentará a morte. Jesus também teve a sua vez e a sua hora: chora, tem medo, se entristece até a morte e seu suor é seu próprio sangue. Nossa morte é uma página no livro da Vida e o encontro final para um cristão não é com sua própria morte, mas com a morte de Jesus. A Palavra de Jesus não é mais um túmulo selado, mas uma chamada: “Lázaro sai!”.


CONTEMPLAR

Distrito Financeiro e Bolsa de Valores de Nova Iorque, 2008, Christopher Anderson (1970-), Magnum Photos, Kelowna, Canadá.




segunda-feira, 20 de março de 2017

O Caminho da Beleza 18 - IV Domingo da Quaresma

Muitos pensam de modo diferente, sentem de modo diferente. Procuram Deus ou encontram Deus de muitos modos. Nesta multidão, nesta variedade de religiões, só há uma certeza que temos para todos: somos todos filhos de Deus. Que o diálogo sincero entre homens e mulheres de diferentes religiões produza frutos de paz e de justiça.
(Papa Francisco, 2016)

Não temos um só Pai? Não nos criou um mesmo Deus? Por que trabalhamos tão perfidamente uns contra os outros?
(Ml 2, 10)

IV Domingo da Quaresma                  26.03.2017
1 Sm 16, 1.6-7                    Ef 5, 8-14                Jo 9, 1-41


ESCUTAR

“Não olhes para a sua aparência nem para a sua grande estatura, porque eu o rejeitei. Não julgo segundo os critérios do homem” (1 Sm 16, 6).

Vivei como filhos da luz. E o fruto da luz chama-se bondade, justiça e verdade (Ef 5, 8-9).

“Como é que abriram os teus olhos?” (Jo 9, 10).


MEDITAR

Cada um conhece a direção do lugar em que se esconde (Provérbio Bambara, Costa do Marfim).


ORAR

O olhar dos homens fica nas aparências. O olhar de Deus penetra até sondar o coração e seus critérios de julgamento não são os nossos: Ele aprecia o que para os homes carece de importância. No evangelho de hoje prevalece o tema da luz. O cego de nascença estava condenado e era tratado como um bode expiatório. Jesus não participa deste linchamento psicológico, social e religioso e ao se declarar a Luz do Mundo, recria o gesto do Criador e devolve a visão ao cego. A palavra de Jesus é uma palavra que não condena, mas torna possível um futuro a ser inventado. Jesus reconcilia o homem consigo mesmo ao lhe devolver a capacidade de olhar, de se projetar num futuro, pois recuperada a visão ele recupera a palavra: “Só sei que eu era cego e agora vejo”. Neste momento, o que era cego se torna responsável por si mesmo, nasce como pessoa e recupera a sua liberdade diante da condenação por uma falta que nunca cometera. Somos muitas vezes cegos, pois queremos ver tudo, falar sobre tudo e desta maneira mergulhamos na estagnação do mundo. “O pior cego é o que quer ver” (Guimarães Rosa), pois os que caminham na escuridão do breu acreditam poder ver mais do que os outros. O fato culminante deste evangelho é o ato de fé: “Eu creio, Senhor!”. A fé no Cristo é o transbordamento de um processo de iluminação e despojamento. O cego é expulso da sinagoga e, neste momento, reconhece o Cristo e realiza o seu ato de fé. Reconhecer o Cristo é estar livre das amarras e armadilhas dos que nos privam da liberdade e querem ver as coisas por nós e sonhar nossos sonhos. “Eu vim a este mundo para exercer um julgamento, a fim de que os que não veem vejam e os que veem se tornem cegos”. Somos educados a ser bem vistos por todos e ser cegos diante de nós mesmos. Crer no Cristo é luz para ver e liberdade para falar. Devemos nos libertar da cegueira do egoísmo que nos torna infelizes e infelizes os outros. Nosso “eu” não é o centro do mundo, mas a possibilidade de uma relação sempre aberta. A Igreja de Jesus não precisa de fanáticos que defendam suas verdades de maneira autoritária, com uma linguagem vazia e de frases feitas. Precisa de homens e mulheres de fé, atentos à vida e sensíveis aos problemas dos outros. Homens e mulheres que buscam Deus e sejam capazes de escutar os que sofrem por não poderem viver de maneira mais humana. “Não basta sermos iluminados, devemos ser testemunhas da Luz” (Jo 1, 8).


CONTEMPLAR

S. Título, Jo Paul Wallace, Londres, Reino Unido.


segunda-feira, 13 de março de 2017

O Caminho da Beleza 17 - III Domingo da Quaresma

Muitos pensam de modo diferente, sentem de modo diferente. Procuram Deus ou encontram Deus de muitos modos. Nesta multidão, nesta variedade de religiões, só há uma certeza que temos para todos: somos todos filhos de Deus. Que o diálogo sincero entre homens e mulheres de diferentes religiões produza frutos de paz e de justiça.
(Papa Francisco, 2016)

Não temos um só Pai? Não nos criou um mesmo Deus? Por que trabalhamos tão perfidamente uns contra os outros?

(Ml 2, 10)

III Domingo da Quaresma                 19.03.2017
Ex 17, 3-7                 Rm 5, 1-2.5-8                    Jo 4, 5-42


ESCUTAR

“Por que nos fizeste sair do Egito? Foi para nos fazer morrer de sede, a nós, nossos filhos e nosso gado?” (Ex 17, 3).

A esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo (Rm 5, 5).

“Dá-me de beber” (Jo 4, 7).


MEDITAR

O que farás, Deus, se eu morrer?
Eu sou teu cântaro (e se eu quebrar?)
Eu sou teu poço (e se eu estagnar?)
Sou teu hábito e teu ofício.
Sem mim perdes o teu sentido.

Sem mim não terás casa, onde
palavras, íntimas e quentes, te abriguem,
Cairá de teus pés cansados
a sandália macia que eu sou.

Teu grande manto te cairá.
Teu olhar, que minha face acolhe,
quente como um travesseiro,
virá de longe me procurar
e ao pôr do sol se aninhará entre
estranhas pedras.

O que farás, Deus? Tenho medo.

(Rainer Maria Rilke, O Livro de Horas).


ORAR

Nas Escrituras Sagradas, os poços e as fontes são lugares de reencontro e aliança entre os homens e Deus. Em todas as tradições religiosas, as águas são fonte de vida, meios de purificação e o seu aspecto inesgotável responde pela metáfora da abundância. No casamento, o êxtase é comparado ao beber da própria água: “Bebe a água de tua cisterna, bebe abundantemente de teu poço. Seja bendita a tua fonte, exulta com a esposa de tua juventude: cerva querida, gazela formosa, que suas carícias sempre te embriaguem, e constantemente te arrebate seu amor” (Pr 5, 15.18-19). O testemunho de Jesus nas suas andanças é ir ao encontro dos outros com a liberdade que brotava dentro dele como um rio de água viva. Jesus encontra a samaritana que cumpre a obrigação de buscar a água estagnada do poço. Jesus não condena a samaritana e faz com que descubra a alegria acima do prazer, o valor pessoal acima da beleza física e a dignidade acima da capacidade de seduzir. Mas como vivenciar o encontro pessoal com Jesus se nos contentamos com as informações pasteurizadas das redes sociais e não somos mais pessoas originais, mas empreendedores de nós mesmos? Se a nossa espiritualidade está abarrotada com as fáceis palavras dos livros de autoajuda e chamamos de meditação os mantras dos slogans religiosos que consumimos a torto e a direito? Somos a geração que foge dos encontros pessoais e mergulhamos no fast food religioso das palavras de efeito. O encontro com a samaritana desvela o longo processo ao qual devemos nos configurar e pelo qual passa o caminho da fé. A samaritana carrega uma angústia e quanto maior esta angústia maior é a sensação do vazio. Jesus quer aniquilar este vazio e se identifica com ela: está cansado e com sede. O diálogo de Jesus não é para vencer uma disputa, pois Deus não está na derrota do outro. Nesta derrota faz morada apenas o narcisismo de quem se toma com referência última de todas as coisas. Meditemos as palavras de Abbé Pierre: “a fraternidade não é outra coisa do que um deslumbramento partilhado”.


CONTEMPLAR

S. Título, c. 1996 Henning Christoph (1944-), Grimma, Alemanha. A foto está em Voodoo, Secret Power in Africa: Köln, Taschen, 1996, p.99.






segunda-feira, 6 de março de 2017

O Caminho da Beleza 16 - II Domingo da Quaresma

Muitos pensam de modo diferente, sentem de modo diferente. Procuram Deus ou encontram Deus de muitos modos. Nesta multidão, nesta variedade de religiões, só há uma certeza que temos para todos: somos todos filhos de Deus. Que o diálogo sincero entre homens e mulheres de diferentes religiões produza frutos de paz e de justiça.
(Papa Francisco, 2016)

Não temos um só Pai? Não nos criou um mesmo Deus? Por que trabalhamos tão perfidamente uns contra os outros?
(Ml 2, 10)

II Domingo da Quaresma                   12.03.2017
Gn 12, 1-4                2 Tm 1, 8-10                       Mt 17, 1-9


ESCUTAR

O Senhor disse a Abrão: “Sai da tua terra, da tua família e da casa de teu pai e vai para a terra que eu vou te mostrar” (Gn 12, 1).

Caríssimo, sofre comigo pelo evangelho, fortificado pelo poder de Deus (2 Tm 1, 8).

“Levantai-vos e não tenhais medo” (Mt 17, 7).


MEDITAR

Tu que iluminas a terra
e seus habitantes com misericórdia,
e que na tua bondade renovas sempre,
a cada dia, a obra da criação...
Deus eterno, na tua grande misericórdia
tem compaixão de nós,
Senhor da nossa força,
rocha do nosso abrigo,
escudo da nossa salvação,
nosso único refúgio.

Bendito és tu, Senhor,
que formas os luminares.

(Formador da Luz, Yoser’or, Judaísmo)


ORAR

Temos que ler os Evangelhos para buscar o esplendor da Vida e a Vida Eterna. Quando o Senhor chama, arranca todas as seguranças e nos tira do conforto em que nos movemos. A fé é uma viagem, uma travessia interminável e nosso vínculo com o Senhor é mantido no meio de uma série de rupturas, pois Ele não nos alimenta de certezas, mas de promessas; não oferece conquistas, mas bênçãos. A realidade apresentada é um caminho que nunca termina. Se Abrão aparece como um nômade desgarrado, Pedro emerge com uma fé sedentária protegida numa tenda. O cristão caminha esperando e espera caminhando, pois somos chamados a partir e a nos comprometer com uma travessia. Só poderemos escutar Jesus seguindo-O. Ele é um mestre itinerante: caminha e aprenderás, caminha e verás, caminha e descobrirás. É no caminho com Ele que nos transfiguramos e vamos além de um bronzeado espiritual. Pedro deseja prolongar a experiência da Luz e não tem pressa para sair. Jesus nos revela que basta um instante para fixar, na eternidade, a face de todo ser humano apesar da banalidade do cotidiano em que vivemos, pois “todo homem é uma história sagrada” (Jean Vanier). Basta do apego a um passado idílico em que nos movemos mais com um instinto de conservação do que de renovação. A misericórdia está acima de tudo e a Igreja de Jesus não recebe um ministério de julgamento e condenação, mas o ministério da reconciliação. Jesus nos apela a não termos medo e o encontro pessoal com Ele nos liberta de todos os medos, apruma as vértebras e nos mantém de pé. É preciso aprender a ouvir o Bem Amado escondido na gruta secreta do nosso coração e pronto para se deixar transfigurar. Basta um olhar de ternura: este é o olhar que nos salva, pois é o olhar do Cristo na face de todos os viventes.


CONTEMPLAR

Folha em Ardósia, Jim Brandenburg (1945-), Minnesota, Estados Unidos. Acessado em http://www.jimbrandenburg.com/