terça-feira, 26 de junho de 2012

O Caminho da Beleza 32 - Solenidade de São Pedro e São Paulo

O Caminho da Beleza 32
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).



Solenidade de São Pedro e São Paulo                  01.07.2012
At 12, 1-11                2 Tm 4, 6-8.17-18             Mt 16, 13-19


ESCUTAR

“O anjo tocou o ombro de Pedro, acordou-o e disse: ‘Levanta-te depressa!’. As correntes caíram-lhe das mãos. O anjo continuou: ‘Coloca o cinto e calça tuas sandálias!’. Pedro obedeceu e o anjo lhe disse: ‘Põe tua capa e vem comigo!’ (At 12, 7-8).

“Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé. Agora está reservada para mim a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia” (2 Tm 4,6-8.17-18).

“Então Jesus lhes perguntou: ‘E vós, quem dizeis que eu sou?’. Simão Pedro respondeu: ‘Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo’ (Mt 16, 13-19).


MEDITAR

“Mais do que qualquer outro, aquele que está animado de verdadeiro amor é engenhoso em descobrir as causas de miséria, encontrar os meios de a combater e vencê-la resolutamente”(Paulo VI, Populorum Progressio 75).

“Ao longo da história dos homens, a boa criação de Deus foi coberta por um estrato maciço de escórias que torna, senão impossível, de qualquer maneira difícil reconhecer nela o reflexo do Criador. Quem, como cristão, crê no Espírito Criador, toma consciência do fato de que não podemos usar e abusar do mundo e da matéria como um simples objeto de nossa ação e da nossa vontade; que temos o dever de considerar a criação como um dom que nos foi confiado não para a destruição, mas para que se torne o jardim de Deus e assim um jardim do homem” (Bento XVI, Sermão de Pentecostes, 2006).


ORAR

A confissão de Pedro não exige nenhum cenário particular, nenhuma instituição e nenhum templo: ela se faz na precariedade e na urgência. Cesaréia está em todos os lugares em que a confissão se renova, muitas vezes até ao martírio e aí se encontra o lugar santo: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo!”. Jesus visita o mercado das nossas cristologias (e suas especulações) sempre nos confrontando com a mesma pergunta: “E vós, quem dizeis que Eu Sou?”. A cristologia de Cesaréia exige a teofania da Sarça Ardente: “Assim dirás aos israelitas: “Eu Sou” me envia a vós” (Ex 3, 14). E Jesus Eu Sou tem fome de recolher “o fruto de lábios que confessam o seu nome” (Hb 13, 15). Jesus Eu Sou não quer uma Igreja que apenas O recite, mas que O confesse com palavras sempre novas num testemunho claro e vivo deste acontecimento e encontro pessoal. A confissão de Pedro não é uma lição de catecismo, mas um grito inspirado pelo Espírito Santo: “Meu coração e minha carne são um grito para o Deus vivo” (Sl 83, 3). E Paulo reafirma: “Ninguém pode dizer: Senhor Jesus! Se não é movido pelo Espírito Santo” (1 Cor 12, 3). A pergunta de Jesus atravessa os séculos e nós temos que responder a ela, pois qualquer que seja a nossa reação ela desvelará nossas convicções, nossos critérios de valor, nossa esperança e o sentido que damos à nossa vida. As respostas são um eco do que somos, da nossa dinâmica existencial, da medida dos nossos sofrimentos e da intensidade das nossas esperas. Jesus rompe todas as regras e revela Deus como Nosso Pai: “Porque não foi a carne e sangue quem te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu”. Nós ainda estamos reproduzindo as regras de um jogo sócio-político-religioso que nos leva a perder de vista o Nosso Pai e a colocar no seu lugar Mamon, devorador e sedento de sangue: dinheiro e poder. Jesus não suporta nenhuma adesão à mentira deste mundo de aparências, daqueles que “gostam de passear com longas túnicas, que os saúdem pela rua, dos primeiros assentos nos templos e dos melhores lugares nos banquetes” (Mc 12, 39). Ele apela para que renunciemos a encerrar Deus num sistema de crenças e disputas para nos abrirmos à miséria dos que são tidos e tratados como pecadores. Jesus revela que o Amor é mais verdadeiro do que todos os poderes da Terra, pois liga inseparavelmente os homens, uns aos outros, e lhes concede a vida eterna. Nesta festa de hoje reconhecermos-nos católicos é vivermos o sentido literário de kath’holonuns com os outros – ou seja, a comunhão universal do Reino. Jesus de Nazaré ensina a viver na esperança de que, a todo momento, sob as suas mãos os olhos dos cegos e os ouvidos dos surdos se abrirão e os mudos começarão a falar para confessar, pelo Espírito, a glória do Pai, do Nosso Pai! Não temos o direito de construirmos, como cristãos, uma identidade a partir da negação e da exclusão dos outros, dos diferentes de nós, para que não sejamos uma barca destroçada e encalhada nas correntes de suas âncoras presa em si e por si mesma e com sua proa encravada e imóvel (At 27, 41).


CONTEMPLAR

São Pedro e São Paulo, ícone (detalhe), autor desconhecido.






quinta-feira, 21 de junho de 2012

O Caminho da Beleza 31 - Natividade de São João Batista

O Caminho da Beleza 31
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).



Natividade de São João Batista                   24.06.2012
Is 49, 1-6                 At 13, 22-26                       Lc 1, 57-66.80


ESCUTAR

“O Senhor chamou-me antes de eu nascer, desde o ventre de minha mãe ele tinha na mente o meu nome; fez de minha palavra uma espada afiada, protegeu-me à sombra de sua mão e fez de mim uma flecha aguçada, escondida em sua aljava” (Is 49, 1-3).

“Estando para terminar a sua missão, João declarou: ‘Eu não sou aquele que pensais que eu seja! Mas vede: depois de mim vem aquele, do qual nem mereço desamarrar as sandálias’” (At 13, 22-26).

“No oitavo dia, foram circuncidar o menino, e queriam dar-lhe o nome de seu pai, Zacarias. A mãe, porém, disse: ‘Não! Ele vai chamar-se João’. Os outros disseram: ‘Não existe nenhum parente teu com esse nome’. Então fizeram sinais ao pai, perguntando como ele queria que o menino se chamasse. Zacarias pediu uma tabuinha, e escreveu: ‘João é o seu nome’. E todos ficaram admirados” (Lc 1, 59-63).


MEDITAR

“Quem dá não deve nunca se lembrar. Quem recebe não deve jamais esquecer” (Provérbio hebreu).

“Se fossemos capazes de ver o Cristo em nosso próximo, não haveria necessidade de armas e generais. Frequentemente, nós cristãos, pregamos um Evangelho que não vivemos. Esta é a razão pela qual o mundo não crê” (Madre Teresa de Calcutá).


ORAR

A figura de João, o Batista, é uma das mais misteriosas na Bíblia, pois não somos capazes de compô-la com os fragmentos que dela temos. Ele próprio evitou uma clara definição de si mesmo com a sua tríplice negação: não era o Messias, nem Elias e muito menos o profeta, era apenas uma “voz que clama no deserto”. João estava numa linha de fronteira: era o maior dos nascidos de mulher e o menor no reino dos céus era maior do que ele. Era o enviado para endireitar as veredas e preparar o caminho para O que estava por vir e, no entanto, declarava-se indigno de ajoelhar-se para desatar as correias de Suas sandálias (Mc 1, 7). O evangelista Lucas desvela a fronteira: “A lei e os profetas duraram até João. A partir daí anuncia-se a boa nova do Reino de Deus” (Lc 16, 16). João, no seu esvaziamento pessoal, encaminha os seus discípulos ao seguimento de Jesus e se alegra ao ver que se aproximam mais pessoas de Jesus do que dele (Jo 3, 26ss). João declara na sua lucidez: “Nisso consiste a minha alegria completa. Ele deve crescer, eu diminuir” (Jo 3, 29-30). Por tudo isso, João atinge o seu verdadeiro estatuto: o de amigo do Noivo cuja alegria está em entregar-lhe a Noiva, prolongando a sua própria condição de converter-se em voz do noivo e não mais em uma voz do deserto. O nome de João é um nome programático: é o anúncio de um tempo de graças. Este nome indica a graça transformadora de Deus e o esplendor da criatura plenificada por esta graça. Toda vocação tem dois protagonistas que se entrelaçam: Deus e o homem. Se bloquearmos a irrupção da graça, o homem se extingue na mesquinhez e no egoísmo. Se bloquearmos a vontade humana, o dom de Deus cai no vazio. Nós, cristãos e cristãs, devemos aprender que a graça e a vontade são os dois polos da santidade. A vocação cristã é radical, nada é colocado entre parênteses, nada é inútil, pois tudo é precioso e santo. O Concílio Ecumênico Vaticano II afirmava: “Fique bem claro que todos os fiéis, qualquer que seja sua posição na Igreja ou na sociedade, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade. A santidade promove uma crescente humanização. Que todos, pois, se esforcem, na medida do dom de Cristo, para seguir seus passos, tornando-se conformes à sua imagem, obedecendo em tudo à vontade do Pai, consagrando-se de coração à glória de Deus e ao serviço do próximo” (Lumen Gentium 40). O Deus de Jesus Cristo não cai simplesmente do céu, mas se encarna concretamente numa história que é um caminho para ele. Um caminho em que é esperado e no qual a sua mensagem se torna perceptível. E nesta história concreta, João Batista é o último profeta e a última testemunha que precede a Jesus. Sejamos nas nossas comunidades como o precursor: puro passo e páscoa!


CONTEMPLAR

Seu Nome é João, Daniel Bonnell, óleo sobre tela, 36 x 38 pol., Georgia, Estados Unidos.




segunda-feira, 11 de junho de 2012

O Caminho da Beleza 30 - XI Domingo do Tempo Comum

O Caminho da Beleza 30
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).



XI Domingo do Tempo Comum                   17.06.2012
Ez 17, 22-24                       2 Cor 5, 6-10                      Mc 4, 26-34


ESCUTAR

“E todas as árvores do campo saberão que eu sou o Senhor, que abaixo a árvore alta e elevo a árvore baixa; faço secar a árvore verde e brotar a árvore seca. Eu, o Senhor, digo e faço” (Ez 17, 24).

“Estamos sempre cheios de confiança e bem lembrados de que, enquanto moramos no corpo, somos peregrinos longe do Senhor; pois caminhamos na fé e não na visão clara” (2 Cor 5, 6-7).

“O Reino de Deus é como quando alguém espalha a semente na terra. Ele vai dormir e acorda, noite e dia, e a semente vai germinando e crescendo, mas ele não sabe como isso acontece” (Mc 4, 26-27).


MEDITAR

“A pessoa verdadeiramente sábia se ajoelha aos pés de todas as criaturas e não teme suportar a zombaria dos outros” (Mechtild de Magdeburgo)

“As críticas não são outra coisa que o orgulho escondido. Uma alma sincera consigo mesma não se humilhará jamais com uma crítica. Se nos preocupamos muito conosco, não nos restará tempo para os outros”(Madre Teresa de Calcutá).


ORAR

As parábolas do Reino nos defrontam com uma expressão sobejamente utilizada e difundida hoje em nossa sociedade e igrejas: a irrupção do Reino de Deus como um acontecimento sensacionalista e espetacular. No entanto, quando o Reino de Deus “irrompe” na cena da libertação do Egito, inicia-se uma marcha pelo deserto que nada tem de triunfal. Quando o Cristo “irrompe” no meio dos homens, encontramos uma criança num estábulo. A parábola da semente que cresce por si mesma não sugere a imagem de uma “espetacular irrupção”, mas a de uma ação paciente e silenciosa. O Evangelho de hoje apresenta uma palavra-chave: “Ele [o que espalha a semente] não sabe como isto acontece”. Nós também nunca saberemos nada porque tudo pertence a Deus e ao seu amor e se Deus se torna frágil, o seu amor é o que existe de mais forte. Estamos acostumados ao estudo científico do possível e, no entanto, ao se tratar do amor de Deus jamais saberemos como ele age e atua no mais íntimo do nosso ser e coração. Jesus nos revela a fragilidade de Deus e nos apela a exercer o que há de maior e mais nobre em nós: a generosidade. A sociedade de hoje tudo mede e valoriza pelo critério de se “agregar valor de mercado”. Jesus, porém, ensina uma medida de valor inestimável: a grandeza da humildade. Uma humildade cuja fonte e o cerne são o próprio coração de Deus. A vitória da Palavra semeada é assegurada apesar da obscuridade aparente; basta cumprir o testemunho que nos cabe: “Levai à plenitude minha alegria, sentindo as mesmas coisas, com amor mútuo, concórdia e procurando as mesmas coisas. Nada façais por ambição ou vanglória, mas com humildade tende os outros como melhores. Ninguém procure o próprio interesse e sim o dos outros. Tende os mesmos sentimentos de Cristo Jesus” (Fl 2, 2b-4). Jesus lembra que o menor de todos, no Reino de Deus, converter-se-á em maior e devemos sempre nos colocar no último lugar numa profunda identidade com o Homem de Nazaré: “Eu vim para servir e não para ser servido e dar a minha vida como resgate por todos” (Mt 20, 28). Somos os lavradores que preparam a terra para que a semente germine. O Papa Bento XVI declara: “A justa ordem da sociedade e do Estado é dever central da política. Um Estado, que não se regesse segundo a justiça, reduzir-se-ia a um grande bando de ladrões” (Deus Caritas Est 28). Jesus, ao ser assassinado como o menor dos menores, na árvore/cruz, tornou-se, pela Ressurreição, a Árvore da Vida, a maior dentre as maiores. Despojemo-nos e sejamos confiantes no amor de Deus e em sua promessa: “Eu, o Senhor, falei e farei”. Caso contrário, seremos como “a maioria dos homens, fechados em seu corpo mortal como caramujos na sua concha, enrolados como ouriços nas suas obsessões, que modelam sobre si mesmos a sua ideia de um deus feliz” (Clemente de Alexandria).


CONTEMPLAR

A Semente de Mostarda, Jen Snyder, série “A Revelação”, tela sem moldura, 20 x 20 cm, Carolina do Norte, Estados Unidos.






segunda-feira, 4 de junho de 2012

O Caminho da Beleza 29 - X Domingo do Tempo Comum

O Caminho da Beleza 29
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).


X Domingo do Tempo Comum                     10.12.2012
Gn 3, 9-15               2 Cor 4, 13-18.5, 1                        Mc 3, 20-35


ESCUTAR

“Depois que o homem comeu da fruta da árvore, o Senhor Deus chamou Adão, dizendo: ‘Onde estás?’ E ele respondeu: ‘Ouvi tua voz no jardim, e fiquei com medo, porque estava nu; e me escondi’” (Gn 3, 9).

“Pois o que é visível é passageiro, mas o que é invisível é eterno. De fato, sabemos que, se a tenda em que moramos neste mundo for destruída, Deus nos dá uma outra moradia no céu que não é obra de mãos humanas, mas que é eterna” (2 Cor 4, 5).

“Naquele tempo: Jesus voltou para casa com seus discípulos. E de novo se reuniu tanta gente que eles nem sequer podiam comer. Quando souberam disso, os parentes de Jesus saíram para agarrá-lo, porque diziam que estava fora de si (Mc 3, 20-21).


MEDITAR

“Deus é louco por nós. Se não nos amasse, Ele não dava tudo que precisava a nós” (Madre Belém).

“É preciso nascer de novo e o que impede a imensa maioria de encontrar o verdadeiro Deus é que ela ainda não renasceu e, por isso, não chegou a si mesma e não saberia chegar até Deus. O momento em que nos encontrarmos a nós mesmos e o momento em que se encontra Deus é um só e o mesmo momento” (Maurice Zundel).


ORAR

Como Adão que colocou toda a culpa em Eva, estamos sempre prontos para apontar os culpados, pois na nossa covardia a culpa é, infalivelmente, dos outros. Diante de Deus devemos nos mostrar com toda a nossa verdade/nudez, sem subterfúgios e justificativas ridículas porque o Senhor é bondade e misericórdia e está sempre disposto a nos cobrir com o seu perdão. Deus sempre perguntará “Onde estás?” até que rompamos o medo de dizer a verdade. O Evangelho revela que todo aquele que é cheio de Deus – entusiasmado – é sempre chamado de louco, desequilibrado e embriagado. O Espírito nos arranca do próprio centro em que orbitamos para que o nosso novo centro esteja fora de nós e nos faça acolher o elemento novo, inesperado e que chega de “outra parte”. Somos educados a estar centrados em nós mesmos e, por esta razão, tornamo-nos a cada dia mais parecidos conosco mesmo, pois vivemos encerrados num mundo sem surpresas e que jamais irá além das restritas possibilidades da nossa marca individual feita de rigidez e esclerose. Jesus não estava fora de si, mas fora deles. Jesus não estava fora do mundo, mas no meio da vida, como a própria Vida. O cristão que está no meio da vida não é a cópia dos desejos alheios: ele tem gestos e não poses e por esta razão não se transforma num personagem pré-fabricado à la mode. O oposto do amor não é o ódio, mas um profundo instinto de manipular, controlar e programar os outros segundo os próprios sonhos e desejos. Não podemos amar como os parentes de Jesus que queriam “prendê-Lo” de volta à casa, ou seja, aos seus próprios critérios, interesses e preconceitos. Jesus não se deixou domesticar para atuar no grande circo religioso do seu tempo, mas pregou uma “loucura evangélica” como uma “enfermidade hereditária” da “nova família” do Cristo. A blasfêmia contra o Espírito – o pecado sem perdão – é a recusa consciente da luz e da “loucura evangélica” como essenciais para a santidade a que somos chamados: “A loucura de Deus é mais sábia do que os homens” (1 Cor 1, 25). A blasfêmia contra o Espírito Santo é a pretensão de seguir Jesus sem perder a cabeça e até a vida se preciso for. É não ser sinal de contradição como afirmou Simeão a respeito de Jesus. No início do cristianismo, o escolhido para uma missão especial era sempre alguém “pleno do Espírito Santo”. A “loucura” deveria ser o carisma essencial numa Igreja que pretende ser fiel ao paradoxo evangélico e não um clube de boas maneiras, pois sem a loucura e o entusiasmo o cristianismo se reduz a um moralismo piedoso sem nenhum compromisso social e político.  A escritora russa Tatiana Gariceva é enfática: “O trágico paradoxo do cristianismo está no fato de que saiu vitorioso da época das perseguições para terminar refém dos pequenos burgueses e se reduzir quase que exclusivamente à falsidade e à hipocrisia”. Paulo reitera que para ressuscitar com Cristo é necessário despojar-se das aparências, dos disfarces para que brote o homem interior que “vai-se renovando dia a dia”. Jesus passou por louco e praticante de magia: “Os mestres da Lei que tinham vindo de Jerusalém, diziam que ele estava possuído por Belzebu, e que pelo príncipe dos demônios ele expulsava os demônios”. Para Jesus, demoníacas eram a sociedade e a religião que não garantiam o espaço para as convicções verdadeiras, para as ideias originais e para as vivências pessoais. O reino destes “demônios” é o da multidão, da coletividade em que cada um chafurda para se subtrair de si mesmo, para escapar das próprias decisões e se furtar das suas responsabilidades existenciais. Jesus cria novos laços familiares. Laços fundados sobre a evidência do amor, da liberdade do espírito, da pureza de sentimento, da alegria em relação ao sagrado e dos elos e pactos tecidos pelas convicções comuns e depurados das angústias e dos medos. A única coisa que Jesus não admite é a apatia do coração que nos impede de decidir a vida e que nos torna incapazes para escolher entre a verdade e a rigidez; entre a liberdade criadora e a angústia instituída que, fatalmente, nos conduzirá ao fim dos sonhos e das esperanças.


CONTEMPLAR

O Louco, Pablo Picasso, 1904, aquarela sobre cartolina, 85 x 35 cm, Museu Picasso, Barcelona, Espanha.