O Caminho da Beleza 23
Leituras para a travessia da vida
“A
beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de
nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus
porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca
do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).
“Quando
recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha
íntima alegria” (Jr 15, 16).
“Não
deixe cair a profecia” (D.
Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).
IV Domingo da Páscoa 29.04.2012
At 4, 8-12 1 Jo 3, 1-2 Jo 10, 11-18
ESCUTAR
“Jesus é a pedra que vós, os
construtores, desprezastes e que se tornou a pedra angular” (At 4, 11).
“Amados, vede que grande presente
de amor o Pai nos deu: de sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos!” (1 Jo
3, 1-2).
“Eu dou a minha vida pelas
ovelhas” (Jo 10, 15).
MEDITAR
“Tudo o que é medíocre em nós,
pelo instinto de conservação e por meio de todos os tipos de mentiras, tenta
nos impedir de reconhecer que o que amamos perpetuamente, do primeiro ao último
instante da vida, não é outra coisa que o verdadeiro Deus. Desde que o
reconheçamos toda a mediocridade em nós está condenada à morte” (Simone Weil, Intuições pré-cristãs).
“Você tem que provar na sua vida
que você é filho de verdade e tem que amar sabe como? Totalmente!” (Madre
Belém, Testamento Espiritual).
ORAR
Muitas vezes,
nós pastores, obedecemos a lógica do mercenário quando cedemos ao prestígio
pessoal, ao êxito, à popularidade; quando camuflamos, pelo paternalismo, o
desejo de centralizar o poder; quando, ao invés de servir nos servimos das
pessoas e nos relacionamos com elas sob a ótica da utilidade. Não criamos uma
comunidade, mas uma corte de bajuladores que repartem entre si os cargos de
maior visibilidade na igreja. Jesus se apresenta como o Bom Pastor, mas também
como o Cordeiro (Jo 1, 29) e o cordeiro sempre nos invoca a imagem de debilidade
mais do que a de força; de vítima mais do que a de guerreiro e conquistador; de
modéstia mais do que a de arrogância. O evangelista João reafirma que o
Cordeiro de Deus não se afastou, nem discriminou os pecadores e doentes, mas se
tornou plenamente solidário com todos, sem exceção. Entre nós existe apenas uma
raça que não está comprometida pela ameaça da extinção: a dos lobos e
mercenários sem escrúpulos, que transitam livremente entre os rebanhos que
estão muitas vezes à mercê deles como “ovelhas sem pastor”. Apascentar
significa vigiar, nutrir, ensinar e sustentar. O bom pastor não apascenta a si
mesmo, caso contrário será um amor ladrão que toma posse do que pertence a Deus
e trai a confiança nele depositada; será ainda um amor feroz que usa da voracidade,
da violência e da chantagem afetiva para submeter o outro e negar-lhe o direito
à liberdade de amar. A comunidade criada pelo Cristo só a Ele pertence e não
está encerrada em nenhuma instituição e nem restrita a uma cultura específica.
O Cristo distribui os dons plurais e diversos para que nasçam comunidades
fraternas e amorosas espalhadas por estas veredas de Deus e que um dia serão um
único rebanho de um só pastor. Temos manipulado nossos jovens e nos servido
deles para preencher os ginásios, as praças e os campos de futebol a fim de ostentar,
com o poder dos números, a presença massiva em nossas igrejas. No entanto,
Pedro alerta: quando aparecer o pastor supremo (1 Pd 5, 4), Ele não nos pedirá
contas dos resultados faraônicos obtidos na colheita e no pastoreio, mas nos
questionará sobre a paciência amorosa com a qual nos revestimos para semear e
pastorear. O terreno do Juízo Final não será o ruidoso espaço das praças e ginásios,
mas o pedaço minúsculo do nosso coração. A Igreja de Jesus não está construída
sobre preciosos mármores ou cenários monumentais. A Igreja de Jesus está
alicerçada sobre “uma pedra desprezada pelos construtores”. Somos herdeiros de
Pedro, o pescador e não de Constantino, o imperador. A comunidade cristã se
nutre da disponibilidade de amar e de dar a vida uns pelos outros ainda que
seja por meio de orações e intercessões. Somos parte deste Corpo Místico do
Cristo em que o menor gesto ecoa e faz vibrar a totalidade deste mesmo Corpo.
Se as ovelhas não valem a nossa vida, erramos de redil e nos perdemos,
clamorosamente, nas estatísticas burocráticas de uma instituição eclesiástica.
O mistério pascal se expressa no ato de entregar a vida e no aceitar, se preciso
for, a morte. Jesus neste evangelho lança um desafio crucial: realizamos o
nosso serviço aos irmãos como funcionários/mercenários ou como pessoas
comprometidas com as comunidades que nos foram dadas por Deus? Se vingarmos a
nossa presença como mercenários e não como samaritanos, viveremos na angústia de
uma consciência infeliz que engana e, então, todos sairão perdendo: o pastor,
as ovelhas, mas, sobretudo, a Igreja de Jesus.
CONTEMPLAR
A ovelha reencontrada,
Arcabas (Jean-Marie Pirot), 1985, Église de Saint-Hugues-de-Chartreuse, Isère,
França.