segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O Caminho da Beleza 15 - II Domingo da Quaresma

O Caminho da Beleza 15
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



II Domingo da Quaresma                   04.03.2012
Gn 22, 1-2.9-13.15-18                 Rm 8, 31-34                       Mc 9, 2-10


ESCUTAR

“Chegados ao lugar indicado por Deus, Abraão ergueu um altar, colocou a lenha em cima, amarrou o filho e o pôs sobre a lenha em cima do altar. Depois, estendeu a mão, empunhando a faca para sacrificar o filho” (Gn 22, 9-10).

“Deus, que não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não nos daria tudo junto com ele?” (Rm 8, 32).

“E da nuvem saiu uma voz: ‘Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!’ E, de repente, olhando em volta, não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus com eles” (Mc 9, 7-8).


MEDITAR

“Não temos que perguntar como produzir o amor em nós. Ele está em nós, do nascimento à morte, imperioso como uma fome e nós devemos somente saber como conduzi-lo” (Simone Weil).

“Deus se apresenta como possibilidade de amor total e nós temos que nos deixar impregnar no Espírito desse amor total. E esse amor total exige de nós uma entrega absolutíssima!” (Madre Belém).


ORAR

É noite para Abraão: “Toma teu filho único...”. É noite para tantas pessoas que se sentem acusadas e difamadas: “Quem acusará os escolhidos de Deus?”. É noite, sobretudo para os discípulos que ouviram Jesus falar do caminho da cruz: “E começou a explicar-lhes que esse Homem devia padecer muito, ser reprovado pelos senadores, sumos sacerdotes e letrados, sofrer a morte e depois de três dias ressuscitar” (Mc 8, 31). Sempre, na nossa fragilidade, tentaremos saltar a travessia das trevas, mas devemos estar lúcidos de que, para quem confia no Senhor, a noite sempre contém indícios de luz: “Não estendas a mão contra o teu filho... Eu te abençoarei!”; “Se Deus é por nós, quem será contra nós?”; “Suas roupas ficaram brilhantes”. A experiência da fé é sempre perturbadora, pois Deus tranquiliza inquietando e, muitas vezes, nos faz pedidos inconcebíveis e inaceitáveis. Dietrich Bonhoeffer pregava num dos seus sermões em Londres: “Por que temos tanto medo de pensar na morte?... A morte só é assustadora para quem vive assustado e com medo dela... Se a nossa fé não a transformar a morte é o inferno, é a noite e o frio. Mas justamente isto que é maravilhoso, o fato de podermos transformar a morte”. Na transfiguração, a luz dura como um relâmpago e imediatamente começa a noite: “E, de repente, olhando em volta, não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus com eles”. E Jesus era, aos seus olhos, um homem como os demais: um condenado à morte que se encaminha ao seu patíbulo infamante. A luz se apagou e para Pedro, Tiago e João restara apenas uma palavra acesa: “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz!”. A partir deste instante, levam apenas, como todos nós, no mais fundo do ser, aquele raio de luz, mas acima de tudo, aquela palavra. Nosso caminho de luz se ilumina por uma palavra: “Luz para os meus passos é a tua palavra” (Sl 119, 105). A verdadeira fé cristã nasce de uma escuta e somente escutar Jesus pode nos curar das cegueiras seculares que sepultam nossos ouvidos numa surdez intransponível feita de regras, disciplinas, normas e intolerâncias. Pedro, Tiago e João eram os discípulos que ofereciam mais resistência a Jesus quando falava do seu destino doloroso de crucifixão. Deus corrige a todos: Jesus é o Filho Amado e não deve ser confundido nem com Elias e nem com Moisés. Devemos escutar Jesus também quando nos fala sobre carregar a cruz. O sucesso faz danos ao cristianismo e, tantas vezes, nos leva acreditar que é possível uma Igreja fiel a Jesus sem conflitos, proscrições e sem cruz. Ser cristão não é acreditar em coisas, mas construir a vida toda numa relação pessoal com Jesus e ser testemunha desta relação numa comunidade concreta de homens e mulheres. O evangelho revela que o importante não é crer em Moisés ou em Elias, mas escutar a Jesus e seguir os seus passos. Em Jesus, é impossível dissociar o amor de Deus e o amor ao mundo. Ele nunca fala de Deus sem preocupar-se com o mundo e não fala do mundo sem o horizonte em Deus. Bonhoeffer escrevia: “Só pode acreditar no reino de Deus quem ama a terra e Deus com o mesmo alento”. A cena da Transfiguração não tem ambiguidades: Cristo não leva o homem a uma fuga religiosa do mundo, mas o devolve à terra como seu filho fiel. Somente quem ama intensamente a Deus pode amar intensamente a terra. Somente quem se encontra com o Deus encarnado em Jesus pode sentir com mais força a injustiça, o desamparo e a destruição do homem. O papa Bento XVI nos fala do eros de Deus pelo homem (Deus Caritas Est, 10) e a transfiguração iluminada de Jesus nos revela a grandiosidade desta indivisível unidade da obediência do Filho, que se entrega à morte para a salvação de todos e da abnegação do Pai que tudo nos dá, sem nada poupar, mesmo que isto signifique a entrega do seu único Filho, pois não tem outro de reserva, para se converter de Deus Conosco em Deus para nós.


CONTEMPLAR

O Sacrifício de Isaac, Peter Bentley, s.d., óleo sobre tela, 48” x 60”, Seattle, Estados Unidos.




segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

O Caminho da Beleza 14 - I Domingo da Quaresma

O Caminho da Beleza 14
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



I Domingo da Quaresma                     26.02 2012
Gn 9, 8-15               1 Pd 3, 18-22                      Mc 1,12-15



ESCUTAR

“Este é o sinal da aliança que coloco entre mim e vós, e todos os seres vivos que estão convosco, por todas as gerações futuras: ponho meu arco nas nuvens como sinal da aliança entre mim e a terra” (Gn 9, 12-13).

“Cristo morreu, uma vez por todas, por causa dos pecados, o justo pelos injustos, a fim de nos conduzir a Deus. Sofreu a morte, na sua existência humana, mas recebeu nova vida pelo Espírito” (1 Pd 3, 18).

“O Espírito levou Jesus para o deserto. E ele ficou no deserto durante quarenta dias e aí foi tentado por satanás. Vivia entre os animais selvagens, e os anjos o serviam” (Mc 1,12).


MEDITAR

“Se sou eu quem determina onde Deus será encontrado, então irei sempre encontrar um Deus que corresponde a mim de algum modo, que me favorece, que se liga a minha própria natureza. Mas, se Deus determina onde ele será encontrado, então ele estará num lugar que não é agradável de imediato a minha natureza e que não é de todo conveniente para mim. Esse lugar é a cruz de Cristo” (Dietrich Bonhoeffer).

“Não é muito tarde. Tempo do quê? De vos converter; tempo de se tornar santos. É tempo de amar. Amar é um dever, uma tarefa, uma missão. Custa amar. É a mais heroica das missões. Custa amar: custa o preço de uma vida” (Cardeal Lustiger).


ORAR

Nesta quaresma, o deserto nos coloca diante de dois desafios: o da purificação e o da luta. O deserto é o lugar privilegiado do encontro com Deus. O verdadeiro deserto é a alma, no vazio que nos atemoriza, na depressão, no tédio, na ansiedade, no medo do futuro; em tudo isso o deserto pode se tornar o solo de acolhida da misericórdia de Deus. O deserto/quaresma é a amarga solidão que pode se tornar tão doce. É a voz misteriosa em nós e o murmúrio feito de pausas e suspiros que, num apelo ao Absoluto, aceita que o vento varra a areia das nossas inquietudes. No deserto podemos nos converter em paixão de Deus. Cristo é o nosso deserto, pois Nele superamos a prova das seduções tentadoras do poder, do status e da ganância. Para os árabes, o deserto é o jardim de Alá, pois dele o Senhor dos Fiéis tirou todo animal e todo ser humano supérfluo para que existisse um lugar onde Ele pudesse passear em paz. No deserto podemos retomar o diálogo interrompido no jardim do Éden, pois o Senhor, depois da partida de Adão não se resignou a ser apenas o Deus das flores, riachos e estrelas. É no deserto que Ele volta a ser o Deus do homem e da mulher. Os padres do deserto recordam que não existe vida cristã sem luta, empenho assíduo e esforço pessoal e que a conversão não é indolor, pois implica desprendimento, dilaceração e privação. O caminho do cristão não é uma impune excursão turística no território religioso. O caminho até a Páscoa passa pelo deserto e esta travessia não é um exercício piedoso, mas incômodo e, muitas vezes, agonizante. O tempo da quaresma é o tempo de deixarmos de olhar para os numerosos ídolos que nos seduzem e de voltarmos a face para o único Senhor. Jesus foi tentado e colocado, como nós, diante da sedutora possibilidade de escapar, pelo pecado, da comunhão com Deus e da solidariedade com os homens. Jesus será ainda submetido a uma última tentação: a de não ir até as últimas consequências no cumprimento do seu destino. Na cruz, esta tentação será gritada pela multidão: “Aquele que derruba o templo e o reconstrói em três dias, que se salve, descendo da cruz” (Mc 15, 30). Mas Ele se entrega livremente a uma morte violenta e injusta. Na solidão da nossa travessia, toda hora é hora de tentação e, como diz Guimarães Rosa: “O demônio esbarra manso mansinho, se fazendo de apeado, tanto risonho, e, o senhor pára próximo – aí então ele desanda em pulos e prazeres de dança, falando grosso, querendo abraçar e grossas caretas – boca alargada. Porque ele é – é doido sem cura”. Mas, a prática do amor fraterno, a reconciliação como pão da quaresma, mantém a luminosidade de todas as cores do Arco do Senhor e nos transforma em anunciadores da Boa Nova que resgata a unidade da Criação e o encantamento do Mundo e, como o Cristo, nos faz vencer o último inimigo: a Morte!


CONTEMPLAR

Jesus assistido pelos anjos, James Tissot, c. 1886-1894, aquarela sobre grafite em papel cinza, 17 x 24,8 cm, Brooklyn Museum, New York, Estados Unidos.





terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O Caminho da Beleza 13 - VII Domingo do Tempo Comum

O Caminho da Beleza 13
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).




VII Domingo do Tempo Comum                  19.02.2012
Is 43, 18-19.21-22.24.25                       2 Cor 1, 18-22                    Mc 2, 1-12



ESCUTAR

“Não relembreis coisas passadas, não olheis para fatos antigos. Eis que eu farei coisas novas, e que já estão surgindo: acaso não as reconheceis?” (Is 43, 18-19).

“Pois o Filho de Deus, Jesus Cristo [...], nunca foi ‘sim e não’, mas somente ‘sim’. Com efeito, é nele que todas as promessas de Deus têm o seu ‘sim’ garantido. Por isso também, é por ele que dizemos ‘amém’ a Deus, para a sua glória” (2 Cor 1, 19-20).

“Pois bem, para que saibais que o Filho do homem tem, na terra, poder de perdoar pecados – disse ele ao paralítico -, eu te ordeno: levanta-te, pega tua cama e vai para tua casa!” (Mc 2, 10-11).


MEDITAR

“Não, a vida não é um sonho nem um plano do homem; ela é um consentimento. Deus nos conduz pelos acontecimentos a dizer sim ou não. O absurdo absoluto para um homem é o de se encontrar vivendo sem razão de viver” (L’Abbé Pierre).

“Só há uma igualdade; aquela que é a suprema nobreza de cada um e que se abre a todos: a de escolher o Amor” (Maurice Zundel).


ORAR

O profeta revela que o próprio Deus se coloca como paradigma do esquecimento: “Já não me lembrarei dos teus pecados”, pois o Senhor oferece uma possibilidade nova e inaudita. “O que foi” se apaga diante “do que pode ser”. Mais do que ficar ruminando o pecado é oportuno recordar o perdão obtido, pois o perdão, mais do que pagar as dívidas passadas, abre uma conta de confiança hoje e um crédito de esperança para o futuro. No evangelho de Marcos surge o oponente mais contumaz de qualquer perdão e novidade: os escribas. A reação dos escribas é típica dos homens religiosos: não escutam jamais, não vivem na espera de uma palavra possível vinda de Deus porque acreditam possuí-la inteiramente. Até hoje, os escribas continuam mantendo a sua face clerical. Nas suas casas seguras e ordenadas não entram o imprevisto nem o inesperado, uma vez que eles nada esperam e apenas administram os bens que se acumulam, passo a passo. O escriba é o oposto do homem do desejo: ele planeja a esperança, corta as asas da fantasia, abole o risco, excomunga a dúvida e enjaula o Espírito da Liberdade. O escriba é o homem de um único e sólido princípio: o que reza que a verdade está sempre do seu lado. A contradição maior do escriba é a de que ele tem como ofício preparar os outros para acolher a novidade dos acontecimentos, mas quando esta chega ele está sentado e ruminando táticas para combatê-la: “Ora, alguns mestres da lei, que estavam ali sentados, refletiam em seus corações: ‘Como este homem pode falar assim? Ele está blasfemando: ninguém pode perdoar os pecados, a não ser Deus’”. Jesus revela que é o perdão que nos coloca em pé para nos abrirmos ao futuro com confiança e nova alegria. Não podemos seguir Jesus vivendo como “paralíticos”: imersos no imobilismo, na inercia e na passividade. Temos que estar atentos para não cairmos no ardil em que caíram os escribas ao não aceitarem que Jesus oferecesse o perdão de Deus. O Deus de Jesus Cristo é realmente um amor insondável, incompreensível, gratuito e incondicional. Todos nós temos experimentado que, num momento ou noutro, fazemos o que não deveríamos fazer; que nossas decisões nem sempre são honestas e que, outras vezes, agimos por motivos obscuros e razões inconfessadas. O apóstolo Paulo já prevenia: “Não faço o bem que quero, mas pratico o mal que não quero” (Rm 7, 19). Viver reconciliado consigo mesmo é uma das tarefas mais difíceis da vida. E viver reconciliado é saber nos olhar com a misericórdia e a generosidade com as quais Deus nos olha e nos acolhe. Jesus nos revela o rosto de Deus como um pai “cuja ira dura apenas um instante, mas o seu amor é para sempre” (Sl 30, 6). O perdão dos pecados é a ruptura da nossa paralisia espiritual e um apelo para que as nossas casas sejam calorosas e solidárias, plenas de alegria e esperança, de generosidade e misericórdia. Sempre prontas para acolher os que tropeçam no meio da travessia. Que o Senhor nos cure das nossas paralisias espirituais para que, na eternidade, o nosso amor não seja uma cama vazia numa varanda do céu e sejamos, desta maneira, condenados “às chamas que torturam” (Lc 16,24).


CONTEMPLAR

O paralítico baixado do telhado, Heinrich Füllmaurer, c. 1530-1570, painel do altar de Mömpelgard, Kunsthistorisches Museum, Viena, Áustria.




segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O Caminho da Beleza 12 - VI Domingo do Tempo Comum

O Caminho da Beleza 12
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



VI Domingo do Tempo Comum                   12.02.2012
Lv 13, 1-2, 44-46               1 Cor 10, 31-11, 1               Mc 1, 40-45



ESCUTAR

“Durante todo o tempo em que estiver leproso será impuro; e, sendo impuro, deve ficar isolado e morar fora do acampamento” (Lv 13, 46).

“Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus” (1 Cor 10, 31).

“Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele, e disse: ‘Eu quero: fica curado!’. No mesmo instante a lepra desapareceu e ele ficou curado” (Mc 1, 40-42).


MEDITAR

“O que importa é a nossa resposta ao que devemos ser, ao apelo interior à perfeição. Não se trata de qualquer perfeição, de uma perfeição no plano do conhecimento, do poder, das aparências, da realização, mas nesta perfeição que nos torna verdadeiramente homens, verdadeiramente cristãos” (Paulo VI).

“Sorrir para alguém que está triste; visitar, nem que seja por alguns minutos, uma pessoa isolada; cobrir com nosso guarda-chuva alguém que caminha sob a chuva; ler alguma coisa para um cego: tudo isto pode não passar de pequenas atenções, mas bastam para dar aos pobres uma expressão concreta do nosso amor de Deus” (Madre Teresa de Calcutá).


ORAR

Jó define a lepra como a “primogênita da morte” (Jó 18, 13). De fato, os leprosos eram considerados como mortos e a sua cura eventual suscitaria o mesmo efeito de uma ressurreição da morte. O corpo do leproso é intocável não só por questão de higiene, mas pela simples razão de que ele é um cadáver e tocá-lo desencadearia uma impureza que impediria a participação nos atos religiosos da comunidade. Neste evangelho, o leproso desafia todas as normas, transgride a lei, aproximando-se de Jesus, mas coloca-se de joelhos a sua frente. Jesus é movido pela compaixão até as entranhas e transborda de ternura. Jesus toca o leproso e reafirma a transgressão iniciada por ele. Ele quer limpar o mundo dos estigmas e das exclusões que atentam contra a compaixão do seu Pai. E paga caro por esta atitude: não pode entrar mais abertamente nas cidades, é forçado a ficar nos lugares desertos. Jesus viverá a situação que antes era a do leproso para cumprir a profecia: “E nós, nós o considerávamos como um leproso, ferido de Deus e afligido” (Is 53, 4b). Jesus se revela como a própria presença de Deus que destrói toda a falsa barreira legalista. É Aquele que rompe as fronteiras, derruba os muros seculares da separação, ultrapassa os preconceitos e aniquila as discriminações sociais e religiosas. A dor é o campo dramático em que se arrisca a fé: ou ela se cumpre ou se nega. Jesus está sempre presente nesta linha de fronteira da existência humana, nesta situação-limite em que a compaixão deve falar mais alto. Ele não conhece a hesitação dos puritanos nem o egoísmo dos bem situados e bem pensantes. Ele nos faz saber que onde está a dor devem estar presentes, sobretudo, os que O seguem. Nós, os cristãos, tantas vezes criamos “os leprosos”: os que não se comportam como as nossas idéias, os que nos incomodam e se tornam inoportunos. Quantos “leprosos” excluídos, escorraçados, ignorados, condenados ao isolamento no cenário teatral das nossas famílias, religiões e igrejas. A celebração litúrgica deve ser interrompida quando existir discriminações e exclusões nas nossas comunidades, caso contrário continuaremos a festa em honra ao Cristo enquanto Ele, mais uma vez, está condenado a morrer extra muros. Como o Jesus Leproso, devemos encarnar o Servo Sofredor e irradiarmos o Espírito de gratuidade e compaixão para sermos coparticipantes da Paixão e Ressurreição de Jesus “completando na nossa carne o que falta às tribulações de Cristo em favor do seu corpo que é a Igreja” (Cl 1, 24).


CONTEMPLAR

Cura do leproso, mosaico, século XIII, Catedral de Monreale, Palermo, Sicília, Itália.