segunda-feira, 28 de março de 2011

O Caminho da Beleza 21 - IV Domingo da Quaresma

O Caminho da Beleza 21
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



IV Domingo da Quaresma                                   03.04.2011
1 Sm 16, 1b.6-7.10-13a                  Ef 5, 8-14                     Jo 9, 1-41


ESCUTAR

“Não olhes para a sua aparência nem para a sua grande estatura, porque eu o rejeitei. Não julgo segundo os critérios do homem: o homem vê as aparências, mas o Senhor olha o coração” (1 Sm 16, 7).

“O que esta gente faz em segredo, tem vergonha até de dizê-lo. Mas tudo que é condenável torna-se manifesto pela luz; e tudo o que é manifesto é luz” (Ef 5, 12-13).

“Eu vim a este mundo para exercer um julgamento, a fim de que os que não vêem vejam e os que vêem se tornem cegos. Alguns fariseus, que estavam com ele, ouviram isso e lhe disseram: ‘Porventura também nós somos cegos?’. Respondeu-lhes Jesus: “Se fôsseis cegos, não teríeis culpa; mas, como dizeis ‘nós vemos’, o vosso pecado permanece”(Jo 9, 39-41).


MEDITAR

“Ele veio a este mundo para o julgamento, para que os cegos vejam e os que vêem fiquem cegos. Os que se reconhecem nas trevas do erro, recebam a luz eterna que os libertará da obscuridade de suas faltas. E os arrogantes que pretendem possuir em si mesmos a luz da justiça, fossem mergulhados com razão, nas suas próprias trevas: inchados com seu orgulho e seguros de sua justiça, não procurarem médico para os curar. Teriam acesso ao Pai por Jesus que se declarou a porta, mas insolentes se orgulharam de seus méritos e permaneceram na sua cegueira”(Prefácio Mozarábio).

“É o amor das riquezas que causa a cegueira, a loucura dos homens e a sua perversidade” (Thégnis de Megare).


ORAR

A unção de Davi se passa em Belém, o lugar onde mil anos mais tarde nascerá Jesus, um lugar insignificante entre os clãs de Judá. Davi, pastor, era o mais jovem dos filhos de Jessé. Foi o escolhido pelo Senhor, mesmo não sendo o primogênito conforme a lei. Toda eleição divina é sempre desconcertante, pois a sua dileção recai sobre os humildes e os pequenos. O Evangelho narra o episódio da cura do cego na maior festa judaica, a festa das Tendas, impregnada de uma espera impaciente e fervorosa do Messias. Os filhos das trevas não abrem nenhuma exceção, mas fazem todas as concessões uma vez que se consideram seus próprios salvadores. No entanto, o Cristo exige exceções para que possamos amar os outros. Jesus abre uma exceção na regra intransigente do sábado para curar o cego. Não concede uma polegada aos defensores aguerridos da Lei e testemunha que só os que decidem praticar o amor abrem e fazem exceções. O Evangelho de Jesus encontra o tom da verdade nos humilhados, nos machucados e nos que são considerados um nada pelos que só sabem calcular seus “custos e benefícios” e investem as suas vidas para “agregar valor” aos sistemas políticos e religiosos da exclusão. Curar um cego é um ato de Deus e esta crença está na raiz do mundo judeu que a sabia de cor! No livro do Êxodo, quando Moisés se inquieta da missão que Deus lhe confiava, disse: “Perdão, meu Senhor. Eu não tenho facilidade de falar, nem antes nem agora que falastes ao teu servo; tenho boca e língua travados. O Senhor replicou: ‘Quem dá a boca ao homem? Quem o torna mudo ou surdo? Quem faz o que vê ou o cego? Não sou eu, o Senhor?” (Ex 4, 10-11). O evangelista é incisivo: “Eu vim a este mundo para exercer um julgamento, a fim de que os que não vêem vejam e os que vêem se tornem cegos”. A cura da cegueira coincide com o nascimento da fé: “Eu creio, Senhor”, afirma o que agora vê. O que era cego sai, pouco a pouco, da sua noite enquanto os fariseus chafurdam nas trevas da inveja, da mentira, da contradição e fazem de Jesus, apesar das evidências, um possuído que não respeita o sábado e dissipa o mal pelo mal. Paulo reconhece esta cisão e exclama: “Somos o aroma de Cristo oferecido a Deus para os que se salvam e para os que se perdem. Para estes, cheiro de morte que mata; para aqueles, fragância de vida que vivifica” (2 C0r 2, 15). A declaração pública de Jesus: “Eu sou a Luz do Mundo” (Jo 8, 12) é uma declaração afrontosa aos filhos das trevas espalhados em todas as instituições políticas, sociais e religiosas que só se preocupam com o poder para serem servidos e dele se servir. Jesus veio para remover a cegueira dos homens e, sobretudo, a pior cegueira que é a do cego que vê. Os corações interesseiros são e serão sempre movidos pelo veneno da ingratidão e, revestidos da hipocrisia das belas almas, “participam nas obras estéreis das trevas”. Somos nós que nos julgamos diante da Palavra da Verdade: uns se enclausuram na revolta e na mentira e outros se abrem cada vez mais à vida, à verdade e à liberdade de amar. A Igreja de Jesus deve ser humilde para reconhecer, muitas vezes, a sua cegueira no meio do Povo de Deus que se sente perdido com tanta pompa e com tanta circunstância. Que o Santo Espírito nos alinhe entre os cegos, os surdos e os paralíticos, pois é a única condição para que sejamos renovados pela Páscoa do Senhor e, admiravelmente, recriados para a vida eterna.


CONTEMPLAR

O cego de Jericó, Macha Chmakoff, 92 cm x 73 cm, Diocese de Valence, França.


terça-feira, 22 de março de 2011

O Caminho da Beleza 20 - III Domingo da Quaresma

O Caminho da Beleza 20
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



III Domingo da Quaresma                            27.03.2011
Ex 17, 3-7                     Rm 5, 1-2.5-8                   Jo 4, 5-42


ESCUTAR

“Então o povo começou a disputar com Moisés, dizendo: “Dá-nos água para beber!”. Moisés respondeu-lhes: “Porque disputais comigo? Por que tentais o Senhor”. Mas o povo, sedento de água, murmurava contra Moisés e dizia: “Por que nos fizestes sair do Egito? Foi para nos fazer morrer de sede, a nós, nossos filhos e nosso gado” (Ex 17, 2-3).

“E a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. Com efeito, quando éramos ainda fracos, Cristo morreu pelos ímpios, no tempo marcado. Dificilmente alguém morrerá por um justo; por uma pessoa muito boa, talvez alguém se anime a morrer. Pois bem, a prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores” (Rm 5, 5-8).

“Mas quem beber da água que eu lhe darei, esse nunca mais terá sede. E a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte de água que jorra para a vida eterna... Mas está chegando a hora, e é agora, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade” (Jo 4, 14.23).


MEDITAR

“Nosso Senhor vem à fonte como um caçador; pediu água para poder dá-la. Pediu de beber como qualquer um que está sedento, para ter ocasião de aplacar a sede. Fez um pedido para a samaritana para poder ensinar-lhe e ela, por sua vez, lhes fez um pedido. Ainda que rico, não se envergonhou de mendigar como um indigente para ensinar a indigente a pedir. E, dominando o pudor, não temeu falar a uma mulher sozinha para ensiná-la que quem se mantém na verdade não pode ser perturbado. Pede água, porque promete água viva. Pede, mas depois parou de pedir, porque a mulher deixou o seu cântaro. Os pretextos haviam cessado, porque a verdade que se devia esperar estava já presente” (Efrén, Comentários sobre o Diatesaaran 12, 16).

“Morrer ou amar Deus: não tenho outro desejo. A morte ou o amor: pois viver sem amor é pior que a morte e isto me seria mais insuportável do que a vida presente” (Pe. Pio).


ORAR

Esta é a primeira cena de intimidade de Jesus com uma mulher; a outra é com Maria Madalena no jardim da Ressurreição. Jesus está só com estas mulheres e para elas revela o seu ser mais profundo. O evangelho acentua a insistência de Jesus sobre o dom, pois com o Deus de Amor tudo é entrega e compaixão. A samaritana, pouco virtuosa, simplesmente acolhe o dom e o perdão. Jesus ao falar da fonte transbordante quer dizer que a água que jorra dos corações, doravante, saciará a todos. A samaritana ao declarar que encontrou o Messias revela ao mundo que o Messias esperado é aquele que é capaz, sem nenhuma discriminação, do dom e do perdão. Jesus escolhe este momento de fragilidade para declarar o seu verdadeiro título e revelar a sua missão. Do presépio à cruz, passando por um pedaço de pão ázimo, Jesus desconcerta sempre e o ponto culminante disto é quando reconhece sua proclamação como rei, quando interrogado no cárcere: “És tu o rei dos judeus” e Jesus declara: “Tu o dizes” (Mt 27, 11). Jesus desvela para esta mulher a chave do mistério da existência: “Se tu conhecesses o dom de Deus”. Ele é o depositário do segredo que os homens não conhecem. Ele, fatigado, sedento, que solicita um pouco de água para se refrescar é o mesmo que oferece a água viva. O detalhe sutil sobre as bodas e o esposo pode nos passar desapercebido. Jesus pede que a samaritana chame o seu marido, pois um homem não podia prolongar uma conversa com uma mulher fora da presença do seu esposo. O evangelista acentua o significado profundo desta ausência do marido. Jesus, em Caná, assumiu o papel do esposo ao proporcionar aos convidados o vinho que faltara; João, o Batista, lhe confere o título de esposo e se auto-intitula “o amigo do Esposo”. Os tempos messiânicos são os tempos da renovação da Aliança esponsal de Deus com o seu povo. Jesus, na sua liberdade ousada, propõe uma Nova Aliança e a oferece a todos, sem discriminação: aos pecadores, aos excluídos da Sinagoga, aos proscritos da sociedade, aos não-judeus e aos samaritanos. A Samaria que fora desligada da Aliança vai, neste momento, realizá-la graças a esta mulher que anunciará a toda cidade que encontrara o “Salvador do Mundo”. É pela Samaria que se iniciará a evangelização fora da Palestina e será um sucesso (cf. At 8, 5). O evangelista encerra o seu relato evocando o título que os primeiros samaritanos convertidos dão a Jesus: Salvador do Mundo. Mais uma vez são os proscritos que nos revelam e anunciam a universalidade da salvação. A Igreja de Jesus deve saber que somente o transbordamento do amor – o servir a todos sem discriminação – rompe o círculo de uma comunidade limítrofe, medíocre e isolada que bebe de qualquer coisa para iludir a sua sede. Paulo nos reitera que “a esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado”. Nesta quaresma, somos chamados a manter viva a nossa esperança e a nossa sede de viver para proclamar como o poeta: “Cheio de Deus não temo o que virá, pois venha o que vier nunca será maior do que a minha alma” (Fernando Pessoa).


CONTEMPLAR

Da Mihi Bibere, Salvador Dalí, 1963-1964, guache, Coleção “Bíblia Sacra”.



segunda-feira, 14 de março de 2011

O Caminho da Beleza 19 - II Domingo da Quaresma

O Caminho da Beleza 19
Leituras para a travessia da vida

A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).




II Domigo da Quaresma                              20.02.2011
Gn 12, 1-4                  2 Tm 1, 8-10                     Mt 17, 1-9


ESCUTAR

“Sai da tua terra, da tua família e da casa do teu pai, e vai para a terra que eu te vou mostrar. Farei de ti um grande povo e te abençoarei: engrandecerei o teu nome, de modo que ele se torne uma benção. Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão abençoadas todas as famílias da terra!” (Gn 2, 1-3).

“Esta graça foi revelada agora, pela manifestação de nosso Salvador, Jesus Cristo. Ele não só destruiu a morte, como também fez brilhar a vida e a imortalidade por meio do Evangelho”(2 Tm, 10).

“Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão e os levou a um lugar à parte, sobre uma alta montanha. E foi transfigurado diante deles; o seu rosto brilhou como o sol e as suas roupas ficaram brancas como a luz” (Mt 17, 1-2).


MEDITAR

“Todos nós seríamos transformados se tivéssemos a coragem de ser o que somos” (Marguerite Yourcenar).

“A Palavra de Deus convida cada pessoa a viver totalmente. Com suas forças de ser. Com seus limites. E sem se sentir culpada de ser uma criatura inacabada e sacudida pelos seus desvios e suas contradições. Finalmente, a única indagação de Deus será talvez: ‘Você se tornou você mesma?” (Yvan Portras).


ORAR

Após a prova do deserto, o episódio da Transfiguração é a iluminação que desperta a esperança. O relato faz brilhar, por antecipação, a glória de Deus na paixão do Cristo. A nuvem luminosa que cobre a todos é a mesma que criou o mundo no primeiro dia do Gênesis e a que envolveu Maria na Anunciação. É o mesmo Espírito que consagra o pão e o vinho em Corpo e Sangue de Cristo para a vida do mundo. A Transfiguração é uma resposta à indignação de Pedro uns dias antes ao ouvir de Jesus o anúncio de sua Paixão: “Deus te livre, Senhor! Tal coisa não te acontecerá” (Mt 16, 22). Jesus recebe no monte Tabor a sustentação psicológica e espiritual mais significativa no decorrer do seu ministério. Jesus tem a garantia de que o doloroso caminho que vai percorrer O conduzirá à glória. A Transfiguração é a antítese do Calvário. Nela, Jesus, glorificado, está entre as duas mais ilustres personagens da história de Israel: Moisés que recebera a revelação de Deus e as tábuas da lei na sarça ardente; e Elias que a recebera na brisa leve e ligeira que o fazia vivenciar o Deus da Ternura. Apesar desta visão gloriosa, o chefe dos apóstolos e seus companheiros terão que pregar o Cristo Crucificado entre dois ladrões. Nesta antítese se edifica a solidez de uma fé na qual repousa toda a fé da Igreja de Jesus. Os apóstolos testemunharam a ressurreição da filha de Jairo e a transfiguração de Jesus para que proclamassem a ligação íntima entre Ressurreição e Transfiguração. Apesar de tudo, toda vocação autêntica é uma missão a serviço dos outros, anunciada e testemunhada em nossas vidas pela exclamação do salmista: “A terra está plena do seu amor e transborda em toda a terra a sua graça” (Sl 119, 64). O Papa Bento XVI nos exorta: “Somente quem se faz livre para Deus e suas exigências, abre-se ao outro que chama à porta do seu coração” (Sermão de Cinzas, 2008). A Transfiguração de Jesus antecipa a certeza da sua Ressurreição dentre os mortos, como será com cada um de nós pela graça e pelo amor de Deus ao se cumprir a profecia de Daniel: “Continuei olhando, e na visão noturna notei vir nas nuvens do céu uma figura humana, que se aproximou do ancião e foi apresentada diante dele. Deram-lhe poder real e domínio: todos os povos, nações e línguas o respeitarão. Seu domínio é eterno e não passa, seu reino não terá fim” (Dn 7, 13-14). Neste mundo e nestas igrejas comprometidas com uma moral do espetáculo, que estimula o ardor religioso individual sem nenhum compromisso comunitário, um Jesus Morto é absolutamente comum e sem atrativos de sedução. Para nós, além do Jesus da História, devemos estar intimamente ligados ao Cristo da Fé e Neste o que conta não é o fenômeno da luz, mas a humanidade de Jesus que durante a sua travessia testemunhou e praticou para todos e com todos, sem exceção ou discriminação, suas entranhas de misericórdia.


CONTEMPLAR

Transfiguração, Beato Angélico, 1440 circa, Convento de São Marcos, Florença, Itália.





terça-feira, 8 de março de 2011

O Caminho da Beleza 18 - I Domingo da Quaresma

O Caminho da Beleza 18
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



I Domingo da Quaresma                  13.03.2011
Gn 2, 7-9                          Rm 5, 12.17-19                         Mt 4, 1-11


ESCUTAR

“O Senhor Deus formou o homem do pó da terra, soprou-lhe nas narinas o sopro da vida e o homem tornou-se um ser vivente. Depois, o Senhor Deus plantou um jardim em Éden, ao oriente, e ali pôs o homem que havia formado” (Gn 2, 7-8).

“Por um só homem, pela falta de um só homem, a morte começou a reinar. Muito mais reinarão na vida, pela mediação de um só, Jesus Cristo, os que recebem o dom gratuito e superabundante da justiça” (Rm 5, 17).

“Naquele tempo: o Espírito conduziu Jesus ao deserto, para ser tentado pelo diabo. Jesus jejuou durante quarenta dias e quarenta noites, e, depois disso, teve fome... Então o diabo o deixou. E os anjos se aproximaram e serviram Jesus” (Mt 4, 1-2.11).


MEDITAR

“É melhor mal amar, amar a torto e a direito do que nunca amar, pois o que ama mal pode sempre aprender e descobrir como amar melhor, mas aquele que não ama está perdido” (Jean-Guy Saint-Arnaud).

“A alma que fica na superfície de si mesma, que não se habita a si mesma, torna-se estrangeira de si própria. A interioridade nos faz descobrir verdadeiramente a nós mesmos, Deus e os outros” (Maître Eckhart).


ORAR

Somos um misto frágil de pó da terra e de sopro divino. Por esta razão sempre sofremos a tentação de sucumbirmos ao pecado da vaidade. Jesus se retira sob o sol de Satanás e sofrerá um batismo de fogo após o seu batismo de água no Jordão. A sua tentação é proporcional à sua missão e como a nossa é expressa humanamente: a de ter seus desejos imediatamente satisfeitos e assegurar a sua sobrevivência; a de experimentar a sua onipotência e se tornar igual a Deus e, finalmente, a de dominar os homens e reinar sobre a Terra. O mesmo Espírito que conduz Jesus ao deserto permite reconhecer em nossos desertos a presença de Deus agindo do nosso lado nas provas e tentações cotidianas. A tentação não é um mistério de vitrine, mas um mistério de vertigem que cada um carrega em si, no seu próprio precipício possível. Na sua agonia, Jesus é abandonado pelos seus, na sua tentação é abandonado a si mesmo e se reencontra só com todos os possíveis da sua humanidade. O Enganador se engana: se somos filhos de Deus, é inútil transformar pedras em pão, pois o Pai dá naturalmente o pão a seus filhos (Mt 6, 11); se somos filhos de Deus é impossível se lançar abaixo, porque seguros nas mãos de Deus não teremos vertigens e se somos seus filhos será em vão fazer vilezas e vulgaridades para se ganhar todos os reinos do mundo, porque já somos herdeiros com o Filho do reino do Pai (Rm 8, 17). Este período de quaresma nos permite uma profunda revisão no nosso deserto interior para que possamos, como Jesus, permanecer nos desígnios do Pai. A nossa vitória está na conquista da lucidez de sermos filhos e filhas bem-amados. O evangelista nos remete à experiência humana mais profunda que acarreta apreensão e angústia por desfilar diante dos olhos as imagens mais sedutoras. Há um debate interior que une, na vida de Jesus, dois momentos cruciais: a solidão do deserto e a solidão do Jardim das Oliveiras. Jesus não escolhe os bens terrestres, mas a pobreza; não escolhe o prestígio, mas a humildade e as humilhações; não sucumbe à idolatria do poder político, mas prefere ser condenado injustamente como “rei dos judeus”. A tentação do deserto desvela a união diabólica e a natureza maléfica do poder político e da elite religiosa. A liderança política e religiosa é a forma institucional visível de uma realidade interna que resiste aos propósitos de Deus e se empenha em cumprir a sua agenda por meio da injustiça e do poder opressor. A Igreja de Jesus deve aprender com Ele a não sucumbir à tentação maior que é a de agir em benefício próprio. Como diz Paulo: “Conheceis a generosidade de nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, por vós se tornou pobre para vos enriquecer com a sua pobreza” (2 Cor 8, 9).


CONTEMPLAR

Jesus no deserto, Macha Chmakoff, Diocese de Valence, França.