quarta-feira, 26 de março de 2025

O Caminho da Beleza 19 - IV Domingo da Quaresma

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


IV Domingo da Quaresma     

Js 5, 9-12                 2 Cor 5, 17-21                    Lc 15, 1-3.11-32

 

ESCUTAR

“Hoje tirei de cima de vós o opróbio do Egito” (Js 5, 9).

Se alguém está em Cristo, é uma criatura nova. O mundo velho desapareceu. Tudo agora é novo (2 Cor 5, 17).

“‘Mas era preciso festejar e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado’” (Lc 15, 32).

 

MEDITAR

Somente graças a esse encontro – ou reencontro – com o amor de Deus, que se converte em amizade feliz, é que somos resgatados da nossa consciência isolada e da auto referencialidade. Chegamos a ser plenamente humanos, quando somos mais do que humanos, quando permitimos a Deus que nos conduza para além de nós mesmos a fim de alcançarmos o nosso ser verdadeiro.

(Papa Francisco)

Perdoar a uma cascavel: exercício de santidade.

(João Guimarães Rosa)

 

ORAR

A conversão não se reduz a um pequeno ajuste, a um retoque de fachada, a uma minúscula mudança que não incomoda demais, a uma modificação insignificante. A conversão implica uma transformação radical nos pensamentos, palavras, mas, sobretudo, nos atos. O tema da novidade radical, representada pela conversão, é destacada por Paulo: “Se alguém está em Cristo, é uma criatura nova. O mundo velho desapareceu. Tudo agora é novo”. Na parábola, o filho mais novo é um abusado e o mais velho, um insuportável possuidor de direitos, enjaulado nas leis e na estrita observância. Não cometeu faltas graves, mas vive sem amor e sua justiça o amargou. Necessita de proteção e se sente seguro ao cumprir os seus deveres sem jamais se arriscar. Tornou-se um calculista, um burocrata da virtude sem nenhum brilho de vida, de alegria ou espontaneidade. Há um abismo entre ele e o irmão mais novo, mas um abismo ainda maior entre ele e seu pai. Ele fala de novilhos, cabras, bois, justo e injusto; o pai fala de gente encontrada e ressuscitada. Ele fala a língua da lei, da intolerância e do castigo e o pai se exprime na língua do perdão, da ternura e da misericórdia. O pai se coloca numa dimensão de gratuidade e o filho mais velho permanece na trincheira de uma mentalidade de justiça distributiva. O filho mais velho, ao se julgar justo, se coloca distante do amor do pai a quem serve com um espírito de escravo e não com a gratidão e alegria de filho amado: “Filho, tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu”. Jesus narra esta parábola para os justos fariseus e não para os pecadores. Não há final feliz nela. Este final feliz só acontecerá quando o justo não excluir o irmão que mostre algum sinal de conversão. Na Boa Nova de Jesus, mais vale o risco da conversão do que a mesmice de uma vida certa, segura e débil. Quando o justo se abrir e se converter à misericórdia, descobrirá que a fidelidade não é simplesmente um permanecer irredutível, mas aceitar cotidianamente as novidades, a lógica paradoxal e as iniciativas desconcertantes de Deus. Como declara o Cristo: “Haverá mais alegria no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento” (Lc 15, 7).

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

O Pai que perdoa, 1998, Frank Wesley (1923-2002), pintura em bloco de madeira impressa em papel de seda, Índia.





quarta-feira, 19 de março de 2025

O Caminho da Beleza 18 - III Domingo da Quaresma

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

III Domingo da Quaresma                

Ex 3, 1-8.13-15                  1 Cor 10, 1-6.10.12                       Lc 13, 1-9

 

ESCUTAR

“Eu vi a aflição do meu povo que está no Egito e ouvi o clamor por causa da dureza de seus opressores. Sim, conheço os seus sofrimentos. Desci para libertá-los das mãos dos egípcios e fazê-los sair daquele país para uma terra boa e espaçosa, uma terra onde corre leite e mel” (Ex 3, 7-8).

“Não murmureis, como alguns deles murmuraram e, por isso, foram mortos pelo anjo exterminador. Portanto, quem julga estar de pé tome cuidado para não cair” (1 Cor 10, 10.12).

“Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha. Foi até ela procurar figos e não encontrou” (Lc 13, 6).

 

MEDITAR

O Reino une. A Igreja divide quando não coincide com o Reino.

(D. Pedro Casaldaliga)

 

ORAR

O Senhor se revela, sobretudo, nas ações realizadas em favor do seu povo e estas ações exigem, de nossa parte, uma resposta precisa. Não basta maravilhar-se apenas, é necessário corresponder a elas no dia a dia. Muitas vezes o orgulho habita as nossas práticas e deturpa o sentido real da vida cristã. Os sacramentos não são a garantia contra a tentação, o risco da concessão e o perigo da infidelidade. Eles não são o ponto definitivo da chegada, mas acompanham o largo caminho que devemos percorrer, passo a passo, na imperiosa busca de coerência e de verdade. Os que acreditam são itinerantes, peregrinos e permanecem firmes “como se vissem o Invisível” (Hb 11, 27). Nesta travessia, a existência cristã estará sempre ameaçada pela arrogância: “Portanto, quem julga estar de pé tome cuidado para não cair”. Devemos estar alertas para não seguirmos as trilhas de uma espiritualidade irresponsável, uma vez que, a esperança não dispensa a vigilância e a confiança não exclui os olhos abertos. O Senhor vê a aflição do seu povo e está presente no mundo se não estivermos ausentes; está perto dos homens se nos fizermos próximos. Quando o Senhor se revela não é para satisfazer a curiosidade nem para facilitar informações gratuitas, mas para que assumamos o que deve ser feito. Moisés se aproxima curioso: “Vou aproximar-me desta visão extraordinária para ver por que a sarça não se consome” e a sua curiosidade se converte em missão: recebe do Senhor a ordem de libertar o seu povo da escravidão. O Evangelho revela que nenhuma árvore plantada pelo Senhor é puro adorno. As figueiras e as vinhas para os israelitas eram o sinal de que um dia possuiriam a Terra Prometida e os fazia recordar o paraíso perdido. A vinha do Senhor é o povo eleito e contém algo de misterioso: ela só vale pelos frutos que produz e oferece. O Filho pede ao Pai um pouco de paciência para que o tempo do amor, que ainda será dedicado à figueira sem frutos, possa garantir a ela uma nova possibilidade. A figueira pode se tornar uma intrusa na vinha do Senhor caso não frutifique assim como a Sinagoga não criava comunidades de amor, mas relações mercantilizadas em que o dinheiro era o grande e o único ídolo. O Senhor é tão clemente que se compadece, quando nós, rompendo o orgulho, confessamos a nossa impossibilidade de dar frutos. Podemos ser atacados pelo fungo das boas intenções e pelo caruncho da acomodação que nos aprisionam num espiritualismo de fuga que confunde a vida espiritual – conduzida pela liberdade do Espírito – com uma vida interior presa dentro de si e para si. O Senhor pode até esperar que descubramos e abracemos a Cruz do Filho que é a única árvore que não trai as nossas esperanças. É a compaixão do Pai que nos permite o arrependimento e o recomeçar de cada novo dia, pois nenhuma instituição religiosa poderá colocar limites à misericórdia de Deus. Meditemos as palavras do dominicano Bruckberger: “O demônio é um puritano de finos tratos. Estou certo que o anticristo será semelhante a ele neste ponto: a sua corte será virtuosa no sentido mais vulgar e corrente do vocábulo; as esposas tricotarão para as suas obras de caridade e seus maridos beberão leite e não terão amantes, pois as verdadeiras cumplicidades com o demônio não estão no plano destes pecados ordinários”. Quem puder entender que entenda!

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

A Sarça Ardente, 1990, Shraga Weil (1918-2009), serigrafia n. 244/400, 107 cm x 76 cm, Israel.


 


quinta-feira, 13 de março de 2025

O Caminho da Beleza 17 - II Domingo da Quaresma

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

II Domingo da Quaresma

Gn 15, 5-12.17-18             Fl 3, 17- 4,1             Lc 9, 28-36

 

ESCUTAR

“Olha para o céu e conta as estrelas se fores capaz!” E acrescentou: “Assim será a tua descendência” (Gn 15, 5).

Há muitos por aí que se comportam como inimigos da cruz de Cristo. O fim deles é a perdição, o deus deles é o estômago, a glória deles está no que é vergonhoso e só pensam nas coisas terrenas (Fl 3, 18-19).

Enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência e sua roupa ficou muito branca e brilhante (Lc 9, 29).

 

MEDITAR

Devemos saber enfrentar o medo. Se paramos ou voltamos atrás estamos perdidos. Devemos discernir o momento em que contamos somente com as nossas próprias forças. Se esquecermos a confiança em Jesus estamos perdidos, assim como, se esquecermos a misteriosa atração que nos conduz a escolher um engajamento, uma pessoa, uma amizade ou quem motivou uma promessa. A vida se joga na confiança e o medo e a confiança não caminham juntos.

(Cardeal Martini)

 

ORAR

    A liturgia da Palavra nos faz uma tríplice revelação. A primeira, a de que Deus é um Deus fiel que mantém as suas promessas. A segunda, a da divindade de Jesus e do seu mistério Pascal: o Cristo transfigurado será, brevemente, um Cristo desfigurado. A terceira, a revelação do mistério do homem peregrino, cidadão do céu que vive na precariedade do corpo à espera da sua transfiguração num corpo glorioso. A dinâmica da vida cristã se apresenta numa dupla dimensão: provisoriedade e tensão até a morada definitiva. Abrão caminha às escuras e se contenta em olhar um céu estrelado. Para ele, a terra é somente uma promessa garantida pela Palavra de Deus. Desta futura realidade, Abrão não possui sequer uma pequena antecipação para sustentar a sua fé. Suas mãos seguem vazias como vazio está o ventre de Sara. A fé, quando autêntica, atravessa o áspero terreno da prova. O evangelho da Transfiguração revela que ninguém pode inventar para si mesmo um caminho privado que evite o caminho do Calvário. Jesus transfigurado será dentre em pouco o Cristo desfigurado da Paixão para ser, novamente, o Jesus transfigurado da Ressurreição. Uma Igreja que não aceita esta travessia – da transfiguração à desfiguração – para encontrar o Cristo Ressuscitado, será apenas uma Igreja deslumbrada com seu próprio estômago. Uma Igreja que fabrica e vende ilusões de que podemos participar do triunfo do Ressuscitado e que considera ultrapassada a realidade da Cruz. Uma Igreja centrada no legalismo como solução de facilidade e segurança mais do que nas ásperas exigências do Cristo de amar e de perdoar. Neste dia devemos perguntar no mais íntimo de nós: “Qual é o nosso Deus? A quem amamos e servimos?”, pois dependendo da resposta saberemos onde está o nosso tesouro, pois aí estará o nosso coração (Lc 12, 34).

(Manos da Terna Solidão/Pe. paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Transfiguração, 1824, Alexander Ivanov (1806-1858), Rússia.

 


quarta-feira, 5 de março de 2025

O Caminho da Beleza 16 - I Domingo da Quaresma

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

I Domingo da Quaresma                    

Dt 26, 4-10              Rm 10, 8-13           Lc 4, 1-13

 

ESCUTAR

“Meu pai era um arameu errante, que desceu ao Egito com um punhado de gente e ali viveu como estrangeiro” (Dt 26, 5).

“Essa é a palavra da fé que pregamos. Se, pois, com tua boca confessares que Jesus é Senhor e, no teu coração, creres que Deus o ressuscitou dos mortos, serás salvo” (Rm 10, 8-9).

“Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do rio Jordão e, no Espírito, era conduzido pelo deserto. Ali foi posto à prova pelo diabo, durante quarenta dias” (Lc 4, 1-2).

 

MEDITAR

Ser cristão é se reconhecer salvo por Jesus, vivendo uma aventura de amizade pessoal com ele, acolhendo o amor com que nos ama, a ponto de dar sua vida por nós, e nos empenhando pessoalmente em amá-lo, vivendo entre nós no amor uns dos outros, o mesmo amor com que Jesus nos ama.

(Francisco Catão)

Não nos transformamos de repente em corruptos; existe um longo caminho de declínio, para o qual se desliza... A corrupção não é um ato, mas uma condição, um estado pessoal e social, no qual a pessoa se habitua a viver.

(Papa Francisco)

 

ORAR

    As leituras desta liturgia oferecem as três bases necessárias para a quaresma: a ação de graças, a confissão de fé e a purificação por meio da Palavra. O sacerdote oferece o cesto com as primícias: uma pequena parte da colheita. Para o Senhor não importa a quantidade, mas o significado, pois a colheita dos campos, antes de ser fruto do trabalho do homem, é dom e bênção de Deus. Ao confessarmos que Jesus é o Senhor que morreu e ressuscitou, devemos fazê-lo com a boca e com o coração numa profunda adesão pessoal. O evangelista apresenta o relato das tentações a Jesus. Elas não são propriamente de ordem moral, mas propostas claras das maneiras falsas de se compreender e viver a missão: as tentações de um atalho, de um triunfo fácil e da popularidade pelos gestos espetaculares. Jesus rechaça todas as propostas do Divisor, citando as palavras da Escritura e ratificando a sua determinação de cumprir, unicamente, o desígnio do Pai. O tempo da Quaresma deve ser um tempo propício para avaliarmos e constatarmos se as nossas vidas correspondem aos desígnios do Senhor. É o tempo de purificarmos, por meio da Palavra de Deus, as superstições, os desvarios, as ostentações com as quais vestimos a nossa pretensa prática cristã. É o tempo para rechaçar os comprometimentos que traem a mensagem evangélica. É o tempo para recusar uma religiosidade construída à nossa medida e nos convertermos aos caminhos propostos por Jesus. É o tempo de elevarmos à consciência a nossa hipocrisia, que no sentido bíblico é a cegueira inconsciente sobre nós mesmos. Isto será possível se tivermos a coragem de nos confrontarmos com a Palavra de Deus. Na Quaresma, devemos ser capazes de um pouco de deserto, de um pouco de silêncio e de um mínimo de coragem para irmos às raízes mais profundas da fé e do amor. A conversão a que somos convidados não é outra coisa que dar as costas aos nossos medíocres projetos, às nossas míopes aspirações e voltarmos, de peito aberto e corpo inteiro, ao desígnio original do Senhor: amar! A penitência é a nostalgia da nossa autêntica grandeza. A Quaresma nos chama a abandonarmos todos os ídolos que se apresentam sob a aparência de objetos de adoração. Os ídolos são sempre novos, mas as raízes que os produzem são as tentações da riqueza, do poder e do orgulho. E elas, como o diabo, sempre retornam no tempo oportuno.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Argentina, Peninsula Valdes, 2001, Elliott Erwitt (1928-), Magnum Photos, franco-americano.




 

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

O Caminho da Beleza 15 - VIII Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

VIII Domingo do Tempo Comum   

Eclo 27, 5-8                        1 Cor 15, 54-58                 Lc 6, 39-45


ESCUTAR

Não elogies a ninguém antes de ouvi-lo falar, pois é no falar que o homem se revela (Eclo 27, 8).

Meus amados irmãos, sede firmes e inabaláveis, empenhando-vos, cada vez mais na obra do Senhor (1 Cor 15, 58).

“Por que vês tu o cisco no olho do teu irmão e não percebes a trave que há no teu próprio olho” (Lc 6, 41).

 

MEDITAR

Quem fala muito, dá bom dia a cavalo.

(João Guimarães Rosa)

 

ORAR

            A luta contra a hipocrisia e a recuperação da sinceridade do coração são indispensáveis para o cristão porque o orgulho é o pecado fundamental que cega e que bloqueia a porta para o Cristo. A correção fraterna é possível só depois de uma longa pedagogia que passa pelo confronto de si mesmo. “Não julgues e não sereis julgados”: esta norma ética proposta por Jesus é um convite ao respeito pelos outros e pela cautela em sermos juízes do nosso próximo. “Quem pode conhecer o coração?” pergunta-se Jeremias e em seguida responde: “Só Deus perscruta o coração e os rins” (Jr 17, 9-10). A ajuda para retirar o cisco do olho do nosso irmão deve ser oferecida somente depois que o nosso olho ficar bem claro. A liturgia de hoje é um contínuo convite a reentrar em si mesmo para enriquecer o próprio coração e transformá-lo em uma “árvore de bons frutos”. Muitos autores místicos disseram: “Entra em ti e lá encontrarás Deus, os anjos e o reino”. O hipócrita tem medo de olhar para si mesmo e buscar a narcose de seu orgulho. O homem para ser guia de um outro deve ter em si uma luz e uma riqueza, de outra forma está destinado a ser causa de ruína não apenas para si, mas também para os outros. O verdadeiro discípulo não se arrogará o direito de julgar os outros, mas se humilhará “até a condição de servo”, como o Cristo, para salvar o irmão. Não apelará à sua dignidade para ser servido, mas se apresentará para servir. Do tesouro do seu coração ele não tirará veneno, mas doçura e gentileza, da árvore de sua vida não extrairá essências ou frutos mortíferos, mas será aquele que dará comida e matará a sede, como fez o Cristo durante sua existência terrena. Dos seus lábios não sairão palavras que atacam e intimidam, mas palavras que são “espírito e vida”. É um canto de amor, mas também uma celebração da sinceridade do coração contra todo orgulho e hipocrisia.  Bonhoeffer, na sua Ética, recordava que “a bondade não é uma qualidade da vida, mas a própria vida e que ser bom significa viver”. É por isso que Jesus definiu os hipócritas como “sepulcros caiados”, cadáveres ambulantes: eles se iludem pensando que estão vivos e animados, mas na realidade, têm um coração impuro, estão sem vida, são cegos e obtusos.

(Giafranco Ravasi)

 

CONTEMPLAR

Close up de dois homens étnicos diferentes, s. d., autoria desconhecida, acessado em freepik, 27/02/2025.




 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

O Caminho da Beleza 14 - VII Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

VII Domingo do Tempo Comum                

1 Sm 26, 2.7-9.12-13.22-23                  1 Cor 15, 45-49                  Lc 6, 27-38

 

ESCUTAR

“O Senhor retribuirá a cada um conforme a sua justiça e a sua fidelidade” (1 Sm 26, 23).

Como foi o homem terrestre, assim são as pessoas terrestres; e como é o homem celeste, assim também vão ser as pessoas celestes (1 Cor 15, 48).

“Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6, 36).

 

MEDITAR

Não....

Permanecer e transcorrer

Não é perdurar, não é existir

E nem honrar a vida!

Há tantas maneiras de não ser

Tanta consciência sem saber, adormecida...

Merecer a vida, não é calar e consentir

Tantas injustiças repetidas...

É uma virtude, é uma dignidade

É a atitude de identidade mais definida!

Isto de durar e transcorrer não nos dá o direito

De presumir, porque não é o mesmo que viver

Honrar a vida.

 

Não....

Permanecer e transcorrer

Nem sempre quer sugerir

Honrar a vida!

Existe tanta pequena vaidade

Em nossa estúpida e cega humanidade.

Merecer a vida é erguer-se verticalmente,

Muito além do mal e das quedas...

É como dar à verdade e à nossa própria liberdade

As boas-vindas!

Isto de durar e transcorrer não nos dá o direito

De presumir, porque não é o mesmo que viver

Honrar a vida.

(Eladia Blazquez/Mercedes Sosa)

 

ORAR

            O Evangelho de hoje nos revela a condição do agir cristão: a generosidade. Ela é quem responde pela grandeza da alma e a nobreza do caráter. Jesus nos dá as referências de uma prática sem a qual seremos, como diz o Papa Francisco, cristãos hipócritas: “O que vós desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles(...) Sede misericordiosos como também o vosso Pai é misericordioso”. O Pai nos apela a sermos loucamente generosos com todos, pois esta é a forma de justiça que Ele quer. Vivemos num ciclo de violência, do familiar ao religioso, que só será rompido em seus grilhões de morte quando formos capazes de criar elos de amor gratuitos e sem medidas: “Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados”. Somos nós, os cristãos, os que rogamos pragas, uns contra os outros, e amargamos o coração com as palavras que dele saem. Jesus nos previne que esta atitude pode nos levar ao limite da intolerância: “Chegará um tempo quando quem vos matar pensará oferecer culto a Deus” (Jo 16, 2). É a louca generosidade, o amar com toda gratuidade da oblação, que nos faz ir além da monotonia da vida cotidiana, dos gestos repetidos, dos sorrisos formais na representação diária no cenário do mundo. As bem-aventuranças são a desmedida de todos os limites que nos impomos: “Dai e vos será dado. Uma boa medida, calcada, sacudida, transbordante, será colocada no vosso colo; porque, com a mesma medida com que medirdes os outros, vós também sereis medidos”. Temos que aniquilar as defesas que nos aprisionam na ilusória fortaleza da fé. A fé cristã é um espaço aberto e sem limites no qual vivemos sem nenhuma proteção.  O poeta dos tempos passados escreveu: “Quem passou pela vida em branca nuvem e em plácido repouso adormeceu (...) foi espectro de homem e não homem, só passou pela vida, não viveu” (Francisco Otaviano). Temos sido cristãos sem nervura e adormecidos como as igrejas que nos resguardam pela submissão e covardia. Somos chamados a ser cristãos com vértebras firmes e erguidas verticalmente; a darmos as boas-vindas à verdade e à própria liberdade. Somos cristãos para proclamar, profeticamente, que passar pela vida não é o mesmo que viver, pois além de estar vivo, é preciso, mais do que nunca, honrar a Vida.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Sem Título, sem data, autoria desconhecida, Pinterest, 2017.





quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

O Caminho da Beleza 13 - VI Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).

VI Domingo do Tempo Comum                   

Jr 17, 5-8                 1 Cor 15, 12.16-20            Lc 6, 17.20-26

 

ESCUTAR

“Maldito o homem que confia no homem e faz consistir sua força na carne humana, enquanto o seu coração se afasta do Senhor” (Jr 17, 5).

Se os mortos não ressuscitam, então Cristo também não ressuscitou. E se Cristo não ressuscitou, vã é vossa fé (1 Cor 15, 16).

“Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos insultarem e amaldiçoarem o vosso nome por causa do Filho do homem!” (Lc 6, 22).

 

MEDITAR

Alguns cristãos (...) acham que têm o dever moral de estar sempre a sorrir porque Jesus nos ama. Seamus Heaney chama-lhe ‘o sorriso fixo de um lugar pré-reservado no Paraíso’, e nada há mais deprimente.

(Timothy Radcliffe, 1945- , Reino Unido)

 

ORAR

            “Bem-aventurados os pobres”. No evangelho de hoje aparecem quatro bem-aventuranças (bendições) e quatro maldições. O que significa “bem-aventurado”? Certamente não é “feliz” no sentido que os homens dão a essa palavra. Não se trata de um convite para que cada qual marche por seu caminho com tranquilidade e bom humor. Não significa realmente nada que pertença ao homem, que o homem sinta e experimente, mas sim algo em Deus que concerne a este homem. Jesus falará neste contexto de “recompensa”, mesmo que isso, por sua vez, não seja mais do que uma imagem; trata-se do valor que este homem tem para Deus e em Deus, de algo intemporal em Deus que se manifestará ao homem em seu devido tempo. E analogamente para as maldições. Os pobres aos quais pertence o reino de Deus, quer dizer, os pobres de Yahweh, como os chamava a Antiga Aliança, mostram que à sua pobreza corresponde uma possessão de Deus: Deus os possui e, por isso mesmo, eles possuem a Deus. O mesmo pode se dizer dos que têm fome e dos que choram, e também dos que são odiados por causa de Cristo: estes são amados pelo Pai em Cristo, que também foi odiado e perseguido pelos homens por causa do Pai. Se os pobres devem ser considerados como pobres em Deus, então também os ricos devem ser considerados como ricos sem Deus, ricos para si mesmos, saciados e sorridentes, louvados pelos homens; estes não têm tesouro no céu e por isso tudo o quanto possuem não é mais do que aparência passageira. Os Salmos repetem isso continuamente, as parábolas de Jesus (do rico glutão e do pobre Lázaro, do trabalhador avarento) também. Os pobres são em última palavra realmente pobres, aqueles que não possuem nada, e não ricos às escondidas que acumulam um capital no céu. Deus não é um banco; o abandono nas mãos de Deus não é uma companhia de seguros. É no próprio abandono, na confiança da entrega, que se encontra a bem-aventurança.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)


CONTEMPLAR

Coletando água, 2015, Stone Town, Tanzânia, Rob ONeill, San Diego, Califórnia, Estados Unidos.