terça-feira, 11 de novembro de 2025

O Caminho da Beleza 04 - IV Domingo do Advento

Entristecidos mas sempre alegres, pobres mas enriquecendo a muitos, nada tendo mas possuindo tudo (2 Cor 6, 10).


IV Domingo do Advento         

Is 7, 10-14               Rm 1, 1-7                 Mt 1, 18-24

 

ESCUTAR

“Será que achais pouco incomodar os homens e passais a incomodar até o meu Deus?” (Is 7, 13).

“É por ele que recebemos a graça da vocação para o apostolado, a fim de podermos trazer à obediência da fé todos os povos pagãos, para a glória do seu nome” (Rm 1, 5).

“José, filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque ela concebeu pela ação do Espírito Santo” (Mt 1, 20).

 

MEDITAR

Havendo Deus de ter Mãe, não podia ser senão virgem, e havendo uma virgem de ter um Filho, não podia ser senão Deus.

(São Bernardo de Claraval)

Até que ponto São José penetrou na intimidade de Deus? Não o sabemos. São José, que tanto tem a dizer, não fala: guarda dentro de si as grandezas que contempla: dentro dele erguem-se montanhas sobre montanhas, e as montanhas são silenciosas.

(Ernest Hello)

 

ORAR

     Maria e José nos ensinam que uma fé se cumpre na obediência e sem nenhuma pressa, pois para Deus o tempo não existe: tudo acontece na eternidade. Sem pressa, Abraão e Sara são agraciados na velhice com Isaac, a gargalhada de Deus; sem pressa, Zacarias e Isabel se tornaram fecundos ao gerar João; sem pressa, Maria aceitou acolher, em seu ventre, o silencioso mistério que se revelava fecundo entre ela e a sombra do Espírito que pousara sobre seu corpo de mulher. Sem pressa, José assumiu a paternidade de uma criança que não era de sua semente e o fez antes mesmo que o Anjo lhe confirmasse que a criança no ventre de Maria era o da divina Promessa, o rebento de Davi esperado em Israel. Paulo nos exorta: “Ninguém vive nem morre só para si... mas, quer por nossa vida quer por nossa morte, pertencemos a Cristo” (Rm 14, 7-8). O Evangelho revela que o desígnio de Deus se realiza além da linhagem carnal. É por meio de Jesus, de Nazaré, que Deus se faz Emmanuel, mas para que isto se realizasse foi necessário que tanto José quanto Maria abrissem mão do seu projeto pessoal, do seu futuro familiar, para acolher, sem reservas, as promessas de Deus. Este Menino, que nos foi dado, tem a envergadura infinita de cada homem e cada mulher que vive sem pressa ao permitir que Deus seja uma manifestação luminosa em suas vidas por veredas que só Ele conhece. Esta manifestação se realiza no poder de servir e nunca nos que se servem do poder para cercear a liberdade e comprar as consciências. Assim devemos viver para a vida eterna na qual serão abolidas todas as urgências e as pressas. Como nos garante o teólogo do sertão, João Guimarães Rosa: “Deus é urgente sem pressa!”.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

O sonho de São José (detalhe), 1986, Arcabas (Jean-Marie Pirot) (1926-), acetato de polivinil, areia de silício, ouro batido 22 quilates sobre tela de linho, Igreja de Saint-Hugues-de-Chartreuse, França.





 

O Caminho da Beleza 03 - III Domingo do Advento

Entristecidos mas sempre alegres, pobres mas enriquecendo a muitos, nada tendo mas possuindo tudo (2 Cor 6, 10).


III Domingo do Advento                    

Is 35, 1-6.10                       Tg 5, 7-10                Mt 11, 2-11

 

ESCUTAR

“Fortalecei as mãos enfraquecidas e firmai os joelhos debilitados. Dizei às pessoas deprimidas: ‘Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus, é a vingança que vem, é a recompensa de Deus; é ele que vem para vos salvar’” (Is 35, 4).

“Também vós, ficai firmes e fortalecei vossos corações, porque a vinda do Senhor está próxima” (Tg 5, 8).

“O que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? O que fostes ver? Um homem vestido com roupas finas? Mas os que vestem roupas finas estão nos palácios dos reis” (Mt 11, 7-8).

 

MEDITAR

Nunca nos poderemos aproximar do mistério se não tivermos a lúdica liberdade dos filhos de Deus, se não fizermos experiências e errarmos e avançarmos às apalpadelas para a verdade (...) os cristãos deveriam ser aqueles que continuam a levantar questões, quando todos os outros pararam de o fazer.

(Timothy Radcliffe)

Senhor, eu te agradeço porque não sou uma engrenagem do poder. Eu te agradeço porque sou um daqueles que o poder esmaga.

(Rabindranath Tagore)

 

 ORAR

     As leituras de hoje convidam à paciência para fortalecer as mãos enfraquecidas e firmar os joelhos debilitados. Devemos permanecer firmes e com nossos corações reanimados. A paciência cristã é uma força ativa e nada tem a ver com a inércia, a indiferença e com uma postura derrotista. A paciência verdadeira nos coloca em pé e nos faz defender as convicções que moldam e determinam as vidas. O lavrador é paciente depois de haver trabalhado como era preciso e pode esperar o fruto após ter semeado. O cristão e os de boa vontade são pessoas talhadas na paciência: não se rendem e nem se dão por vencidos mesmo quando derrotados. Vivem as contradições e para eles nada é definitivo, pois aprendem a viver na provisoriedade das coisas. O Cristo nos ensina, paradoxalmente, que para ter paciência é necessário ter fogo dentro, um fogo permanente e não uma chama que dura um instante. O deserto floresce na paciência e cada um de nós é fruto da paciência de Deus. No Natal, Deus decide viver esta paciência amorosa de uma maneira mais próxima e mais impaciente. Ele quer se tornar companheiro de viagem e nesta viagem deseja que deixemos de ser mancos, de arrastar pesadamente os pés para que saltemos como um cervo. Quer que rompamos o selo de nossa boca para que desatada a língua, possamos gritar palavras de amor e liberdade. Os sinais estão nas entranhas da misericórdia dos que exercem a compaixão e a solidariedade. Para isto é necessário que abandonemos o palácio do rei e suas suntuosas vestes. Como afirma o Papa Francisco: “A cultura do bem estar, que nos leva a pensar em nós mesmos, nos faz insensíveis ao grito dos outros; nos faz viver em bolhas de sabão que são bonitas, mas não são nada. São a ilusão do fútil, do provisório que conduz à indiferença com os outros, ou melhor, leva a uma globalização da indiferença”. Se ainda tivermos dúvidas quanto a isto, é o momento de nos apresentarmos diante do Cristo, na fila dos surdos e dos cegos para que nos cure. É preciso, mais do que nunca, que perguntemos aos surdos e escutemos a explicação dos mudos.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

A decapitação de São João, o Batista, c. 1869, Pierre-Cécile Puvis de Chavannes (1824-1898), óleo sobre tela, 240 x 316 cm, National Gallery, Londres, Reino Unido.





 

O Caminho da Beleza 02 - II Domingo do Advento

Entristecidos mas sempre alegres, pobres mas enriquecendo a muitos, nada tendo mas possuindo tudo (2 Cor 6, 10).


II Domingo do Advento     

Is 11, 1-10                Rm 15, 4-9              Mt 3, 1-12

 

ESCUTAR

“Ele não julgará pelas aparências que vê nem decidirá somente por ouvir dizer; mas trará justiça para os humildes e uma ordem justa para os homens pacíficos; fustigará a terra com a força da sua palavra e destruirá o mau com o sopro dos lábios” (Is 11, 3-4).

“Assim, tendo como que um só coração e a uma só voz, glorificareis o Deus e Pai do Senhor nosso, Jesus Cristo. Por isso, acolhei-vos uns aos outros, como também Cristo vos acolheu, para a glória de Deus” (Rm 15, 6-7).

“‘Esta é a voz daquele que grita no deserto: preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas!’ (...) O machado já está na raiz das árvores, e toda árvore que não der bom fruto será cortada e jogada no fogo” (Mt 3, 3.10).

 

MEDITAR

“Eu sou a voz que grita no deserto”, diz João. João se declara a Voz. Ele é a Voz. E o que é o Cristo senão a Palavra? A voz deve primeiro se fazer ouvir para que, em seguida, a palavra seja compreendida... Todo homem que anuncia a Palavra é a voz da Palavra.

(Santo Agostinho)

Se eu vos amasse, Senhor, com todas as minhas forças, em virtude deste amor, amaria o meu próximo como a mim mesmo. Entretanto, sou tão indiferente aos males de meu irmão e tão sensível aos mínimos males meus! Frio na compaixão, lento em socorrê-lo e indolente em consolá-lo.

(Jacques-Bénigne Bossuet)

 

ORAR

Converter-se é dar uma meia-volta sobre nós mesmos e retomar o início do caminho. Para isto, é necessário que uma palavra nos seja dirigida por alguém, por um outro. Este acontecimento, de uma voz que “grita no deserto”, é o início de uma vinda que desvela que “o reino de Deus está próximo”. O próprio Deus faz a sua irrupção na história da Humanidade e nos abre um outro futuro para além do implacável ciclo da violência; suscita a esperança de que a vinda de um Deus que se faz misericórdia é, de agora em diante, mais forte do que a sabedoria dos poderosos. A Boa Nova é a de que se antes vivíamos “à sombra da morte” (Lc 1, 79), agora e para sempre sucede a Vida partilhada “em superabundância” (Jo 10, 10). A primeira vez que o Anúncio ecoou no mundo, fizemos tudo para abafá-lo: João foi decapitado na prisão e Jesus ultrajado e crucificado. Os tempos da Igreja, os nossos tempos, não serão diferentes, pois “o servo não é maior que o seu Senhor. Se me perseguiram, também a vós perseguirão” (Jo 15, 20). O deserto é o lugar em que pregamos para nada e que ninguém vem para ouvir. Entretanto, o deserto é também o lugar em que se reencontra Deus se nos dignarmos a ir até o “nosso deserto”, pois Deus só se deixa encontrar pelos que se despojam. O anúncio do Evangelho exige o grito e o sussurro: a palavra forte e a palavra íntima. O grito é o da cólera de Deus para nos lembrar do seu amor e nos abrir os céus. O grito de Deus é um sinal de urgência. A voz em sussurro é sempre pessoal e única. Ela nos lembra que devemos adequar as nossas vidas ao Evangelho e não o contrário. O Evangelho já decidiu por nós e basta apenas que anunciemos as palavras do Cristo com a nossa voz e com a nossa prática fraterna, pois Deus nos fala pelo testemunho de seu Filho e somente a palavra encarnada pode conferir veracidade ao que proclamamos. João Batista lembra que é por nossas palavras que o Verbo é anunciado: anunciamos o Cristo com Suas palavras colocadas em nossas palavras. Se falarmos o deserto florescerá; se calarmos continuará a secar e a se tornar mais árido. Basta uma voz e o deserto não será mais um deserto, pois o Senhor nos pede que Lhe emprestemos os nossos ouvidos, mas que também Lhe emprestemos as nossas vozes. Façamos nossa a oração de Charles de Foucauld: “Ó Jesus, fazer a vontade de vosso Pai, agir em vista dele foi o vosso alimento e do que vivestes. Seja este também o nosso pão e a nossa vida: agir continuamente para Vós, para Vós viver, para a Vossa vontade e para a Vossa glória. Eis a nossa vida, o nosso pão cotidiano e o nosso viver a cada instante que poderá ser o último, ó meu Senhor e meu Deus”.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Ícone com inscrições em árabe de João, o Batista, antes do séc. XIX, autor anônimo.




 

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

O Caminho da Beleza 01 - I Domingo do Advento

Entristecidos mas sempre alegres, pobres mas enriquecendo a muitos, nada tendo mas possuindo tudo (2 Cor 6, 10).


I Domingo do Advento

Is 2, 1-5                    Rm 13, 11-14                      Mt 24, 37-44

 

ESCUTAR

“Ele há de julgar as nações e arguir numerosos povos; estes transformarão suas espadas em arados e suas lanças em foices: não pegarão em armas uns contra os outros e não mais travarão combate” (Is 2, 4).

“A noite já vai adiantada, o dia vem chegando: despojemo-nos das ações das trevas e vistamos as armas da luz” (Rm 13, 12).

“Por isso, também vós ficais preparados! Porque, na hora em que menos pensais, o Filho do homem virá” (Mt 24, 44).

 

MEDITAR

Quando quer manifestar a sua vontade, Deus evita cuidadosamente as pessoas que pertencem ao mundo religioso, refratárias e hostis a qualquer novidade que venha perturbar as seguranças delas, e escolhe simplesmente ‘um homem’, sem qualquer outro título a não ser o de pertencer à humanidade.

(Alberto Maggi)

A espera do Senhor não é estática. Ela não é um repouso. Toda verdadeira espera do Senhor implica numa transformação. A espera do Senhor é um desenraizamento.

(Um monge da Igreja do Oriente)

 

ORAR

     Nestes tempos de Advento, somos chamados a despertar do sonambulismo, da indiferença e da insensibilidade. O papa Francisco nos questiona: “Onde estamos nós ancorados, cada um de nós? Estamos ancorados precisamente na margem daquele oceano tão distante ou estamos ancorados num lago artificial que nós construímos com as nossas regras, os nossos comportamentos, os nossos horários, os nossos clericalismos, as nossas atitudes eclesiásticas e não eclesiais? Estamos ancorados ali? Tudo cômodo, tudo seguro? Aquilo não é a esperança”. A enfermidade do sonambulismo e da indiferença, como uma epidemia, tem afetado as igrejas em todos os lugares e tempos. O Cristo está no meio de nós e, sem temor, devemos permanecer perto da sua vinda: “Não é necessário atravessar mares, penetrar nuvens ou transpor montanhas; não é um caminho muito longo que nos é proposto: basta entrarmos em nós mesmos para correr ao encontro do nosso Deus” (São Bernardo de Claraval). As igrejas devem se desinstalar, pois a espera do Senhor não é um plácido repouso, mas uma transformação. A espera do Senhor é um desenraizamento que nos faz ver mais longe e o horizonte para o qual avançamos é atual. O tempo do Advento se abre com a urgência de um despertar e de um colocar-se a caminho. Como no dilúvio, somos impotentes para ler os sinais dos tempos e nos aferramos ao ramerrão do cotidiano: “Pois, nos dias antes do dilúvio, todos comiam e bebiam, casavam-se e se davam em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca”. Temos nos condenado a um frenético ativismo e concentramos nossas forças para conquistar uma eficiência administrativa em que se entrelaçam negócios e apostolados, poder e religião, num escapismo que nos leva a não dar conta de nada. Tudo isto aponta para um estado de não vigilância que desemboca numa agitação mundana sinalizada pelo arrivismo, pelas disputas internas, pelas invejas e pelas mesquinharias. É o momento de nos darmos conta de que o tempo de Deus penetrou no tempo dos homens e que este instante é um instante eterno. E o que importa é o agora e a grande ocasião que não podemos perder é a de hoje. Meditemos o canto do salmista: “Pois EU SOU é o nosso Pastor. Nós somos as ovelhas do seu rebanho, as ovelhas que sua mão com amor conduz. EU SOU! Nós ouvimos a tua voz e viemos ao teu encontro” (Sl 95).

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

A ovelha reencontrada, Arcabas (Jean-Marie Pirot), 1985, Église de Saint-Hugues-de-Chartreuse, Isère, França.





terça-feira, 4 de novembro de 2025

O Caminho da Beleza 53 - Cristo, Rei do Universo

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


Cristo, Rei do Universo                       24.11.2013

2 Sm 5, 1-3              Cl 1, 12-20               Lc 23, 35-43

 

ESCUTAR

“Tu apascentarás o meu povo Israel e serás o seu chefe” (2 Sm 5, 2).

“Ele nos libertou do poder das trevas e nos recebeu no reino do seu Filho amado” (Cl 1, 13).

“Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado” (Lc 23, 42).

 

MEDITAR

Ninguém dá o que não tem. Se um homem não se aceita plena e verdadeiramente, tanto em sua inteireza como em sua fragilidade, ele tampouco pode se dar inteiramente a outra pessoa nem aceitar inteiramente a outra pessoa.

(Todd A. Salzman e Wichael G. Lawler)

Nessas andanças arriscadas podem cometer erros. Podem até receber uma carta da Congregação para a Doutrina da Fé recriminando suas atitudes. Não se preocupem! Expliquem e sigam adiante! Abram portas e façam algo, onde a vida clama! Prefiro uma Igreja que comete erros a uma Igreja que adoece por ficar fechada.

(Papa Francisco)

 

ORAR

    Davi tem uma investidura real plebiscitária: “Todas as tribos de Israel vieram encontrar com Davi em Hebron e disseram-lhe: ‘Aqui estamos. Somos teus ossos e tua carne’”. Jesus, o Cristo, da descendência de Davi, ao contrário, é contestado em sua realeza: o povo adota uma posição neutra e oportunista; os soldados o insultam e a inscrição colocada sobre a sua cabeça é uma zombaria. Somente um delinquente comum o reconhece como rei. Davi foi vitorioso com a força das armas nas suas batalhas; Jesus, ao contrário, aparece sobre a cruz como perdedor, pois são os seus inimigos que possuem as armas. Onde está a cruz, não há lugar para sinais de força. A tortura foi o seu manto, os espinhos a sua coroa, a proscrição o seu cetro, as provocações e os escárnios foram a sua aclamação. Cristo quer ser reconhecido como rei unicamente por meio de uma adesão livre, no amor, sem coação alguma e nenhuma imposição. Cristo é um Rei vencido pela força, mas vitorioso na fraqueza da ternura e jamais poderá aceitar a honra das armas nem que seja por puro adorno. No calvário, Cristo está coroando não uma conquista espetacular, mas uma obra de reconciliação e de paz. Cristo em seu “palácio” oferece asilo aos “malfeitores” que nele encontram um refúgio seguro e se cerca de súditos “pouco recomendáveis”. Um destes o reconhece explicitamente como rei e se converte no primeiro cidadão do seu Reino. O Reino do Cristo é o reino do Inocente condenado, da inocência achincalhada. É o Reino invisível Daquele que faz irromper no mundo a dimensão do perdão e o perdão para todos, inclusive para os que brilham por sua covardia, pois são os que sempre lavam as mãos. A Igreja de Jesus é sempre ameaçada pelo triunfalismo, em nome do Cristo Rei, para garantir um império como o dos ditadores e não perder o domínio e o privilégio de suas conquistas terrenas. O desafio está lançado no alto do Calvário: ou empenhamos nossas vidas para o serviço aos outros, ou procuraremos o poder e nos converteremos em seus escravos. O “bom ladrão” não obtém de Cristo a salvação física, como pretendia o seu parceiro, mas a salvação total. Jesus, o Rei e Messias crucificado, reúne todo o universo e nos revela, para todo o sempre, que a felicidade em Deus consiste em ser o dom de si mesmo.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

O Bom Ladrão, 1885, Joaquín Sorolla (1863-1923), óleo sobre tela, 217 x 105 cm, Espanha.




 

 

O Caminho da Beleza 52 - XXXIII Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XXXIII Domingo do Tempo Comum                    

Ml 3, 19-20             2 Ts 3, 7-12             Lc 21, 5-19

 

ESCUTAR

Eis que virá o dia, abrasador como fornalha, em que todos os soberbos e ímpios serão como palha (Ml 3, 19).

“Quem não quer trabalhar, também não deve comer” (2 Ts 3, 10).

“Cuidado para não serdes enganados, porque muitos virão em meu nome dizendo: ‘Sou eu!’ e ainda: ‘O tempo está próximo’. Não sigais essa gente” (Lc 21, 8).

 

MEDITAR

Crescemos na escola de Caifás, um professor que nos obrigou a copiar milhões de vezes no caderno de nossa existência que poder, riqueza e prestígio são os pilares de um mundo feliz. Frente a esta aprendizagem gravada a fogo na alma de nossa cultura, o caminho até a felicidade distópica do Reino – serviço, pobreza e humildade – exige uma conversão social e pessoal nada fácil e nem evidente.

(José Laguna)

Há que dizer a verdade, toda a verdade, nada mais que a verdade. Dizer cruamente a verdade crua, preocupadamente a verdade que causa dano, tristemente a verdade triste. Quem não proclama a verdade quando a conhece se torna cúmplice dos mentirosos e dos covardes.

(Charles Pèguy)

 

ORAR

    Teremos sempre que enfrentar a hora decisiva e a lucidez exige afrontar a soberba e a injustiça que tem raiz e ramos dentro de nós. Temos que atiçar o fogo ardente para queimar como palha tudo o que dentro de nós faz parte de um mundo decrépito e inaceitável aos olhos de Deus. Devemos aniquilar a astúcia humana que cultiva a ilusão de que pode possuir o segredo do momento e, por esta razão, tentamos o Senhor: “Mestre, quando vai ser isto? E qual será o sinal que tudo isto está para suceder?”. São sempre as mesmas e tediosas perguntas repetidas até a náusea – “quando?” e “como?” – para que possamos aniquilar o risco de sermos surpreendidos. Jesus nos apela à perseverança, pois “é preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim”, pois os dias dos homens, os dias do antes também são dias do Senhor, dias em que se desenvolve o juízo. O único tempo certo é o tempo da conversão. A existência do cristão encontra o seu ponto de equilíbrio no concreto do compromisso cotidiano sério e sereno, evitando os extremos opostos do fanatismo e da inércia. Paulo fez-se construtor de tendas para sobreviver do próprio trabalho e não onerar a comunidade eclesial e Jesus afirma que do templo não “ficará pedra sobre pedra”: “O Senhor repudiou o seu altar, desfez o seu santuário, afundou na terra as portas, quebrou os ferrolhos, estendeu o prumo e não retirou a mão que derrubava” (Lm 2, 5-9). No lugar do Templo, Deus oferece uma tenda que, em sua provisoriedade, é necessária como resguardo e lugar de encontro dos nômades. E ainda assim continuam a perguntar: “O fim do mundo é para amanhã?”. Jesus dá a resposta: “O Reino de Deus não vem ostensivamente. Nem se poderá dizer: ‘Está aqui, está ali, pois o Reino de Deus está no meio de nós’” (Lc 17, 20-21). E podemos responder tranquilamente: “Não, o fim anunciado é hoje” e por mais que na arrogância queiramos materializar os símbolos de proteção e poder em fortalezas, templos, palácios e igrejas de pedra, Aquele que nasceu numa manjedoura, que morreu suspenso numa cruz e saiu vivo e nu de um túmulo despojado, garante, para todo o sempre, que somos o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em nós (cf. 1 Cor 3, 16).

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Oscar Romero de El Salvador, ícone, anônimo.




 

 

O Caminho da Beleza 51 - Dedicação da Basílica de Latrão

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


Dedicação da Basílica de Latrão    

Ez 47, 1-2.8-9.12              1 Cor 3, 9-11.16-17                       Jo 2, 13-22

 

ESCUTAR

“Suas folhas não murcharão e seus frutos jamais se acabarão: cada mês darão novos frutos, pois as águas que banham as árvores saem do santuário” (Ez 47, 12).

“Vós sois lavoura de Deus, construção de Deus” (1 Cor 3, 9).

“Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio” (Jo 2, 16).

 

MEDITAR

Por que... nos acostumamos a ver como se destrói o trabalho digno, se despeja a tantas famílias, se expulsa os camponeses, se faz a guerra e se abusa da natureza? Porque neste sistema se retirou o homem, a pessoa humana, do centro, substituindo-o por outra coisa. Porque se rende um culto idolátrico ao dinheiro. Porque se globalizou a indiferença.

(Papa Francisco)

Uma má religião torna-nos insensíveis, incapazes de vida corporal. O culto do verdadeiro Deus faz-nos corporalmente vivos, apalpando, saboreando, cheirando, vendo e ouvindo. A realização plena de nosso ser, dom de Deus, significa aspirar à vitalidade em todos os nossos sentidos.

(Timothy Radcliffe)

 

ORAR

    A Basílica de Latrão, catedral da Igreja de Roma, é considerada a mãe de todas as igrejas. O palácio de Latrão, propriedade da família imperial, tornou-se, no século IV, a habitação particular do Papa. Constantino doou ao papa Melquiades (310-314) o palácio onde se encontrava a “Casa de Fausta”, a residência da mulher do Imperador na qual o Papa celebrou um Concílio. Foi a sede oficial do bispo de Roma do século IV ao XIV e por isso representa o ideal institucional da Igreja Romana que, saída da fase de perseguição e de martírio, fez sua entrada triunfal na sociedade imperial romana. Durante séculos, ela foi o emblema da liturgia pontifical que moldou o estilo de celebração de todas as igrejas do Ocidente. O Evangelho mostra Jesus enxotando os mercadores do Templo porque enganam os mais simples para acumular dinheiro e bens. Uma Igreja oficializada por um imperador, na Casa de Fausta, só poderia ter no seu DNA o germe e a voracidade de tudo o que é fausto e ostensivo. Jesus nos revela que o novo templo é o seu Corpo Ressuscitado, pois, com sua morte e ressurreição, destruiu todo o limite local e geográfico para a sua presença espiritual. Paulo clama em Atenas: “Deus não habita em templos feitos pelas mãos dos homens” (At 17, 24). Devemos estar atentos ao calor que conferimos aos templos, aos ritos e aos objetos sacros. Não podemos idolatrá-los e nem lhes conferir um valor mágico, pois o cristianismo é uma prática que brota do nosso encontro pessoal com Jesus, com a nossa consciência e com o Espírito que nos ilumina e conduz aos outros. Nossos templos não podem se tornar fetiches e nem marcos idolátricos para os cultos burocráticos em que os altos funcionários eclesiásticos oferecem os lugares de honra para os mais ricos e poderosos da sociedade. Nossos pastores parecem desdenhar do veredicto de Jesus: “Eu vos asseguro: um rico dificilmente entrará no reino de Deus. Eu vos repito: é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha que um rico entrar no reino de Deus” (Mt 19, 24). É chegado o momento em que a Casa de Fausta deve ser abandonada como o símbolo de uma época histórica em que Igreja e Império celebraram um casamento espúrio e perverso. É chegada a hora em que a Igreja de Jesus deve estar próxima dos mais necessitados, praticando-se como uma Igreja pobre entre os pobres. Tendo, com Ele, o “mesmo sentir e pensar” e oferecendo o testemunho da sua identidade com Cristo Jesus que “despojou-se, assumindo a forma de escravo e tornando-se igual ao ser humano e aparecendo como qualquer homem, humilhou-se, fazendo-se obediente até a morte – e morte de cruz!” (Fl 2, 7-8). É chegado o momento, e já quase passou, de cumprir o que proclamou o Papa João XXIII na abertura do Vaticano II: “Está na hora de abrir as janelas para limpar a poeira de Constantino grudada na cadeira de Pedro”.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Cristo purificando o Templo, c. 1655, Bernardino Mei (1612-1676), óleo sobre tela,  104,1 x 141 cm, Siena, Itália.