quinta-feira, 16 de outubro de 2025

O Caminho da Beleza 48 - XXIX Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XXIX Domingo do Tempo Comum                        

Ex 17, 8-13              2 Tm 3, 14-4, 2                 Lc 18, 1-8

 

ESCUTAR

“Assim as mãos ficaram firmes até o pôr do sol, e Josué derrotou Amalec e sua gente a fio de espada” (Ex 17, 12-13).

“Quanto a ti permanece firme naquilo que aprendestes e aceitaste como verdade” (2 Tm 3, 14).

“Mas o Filho do Homem, quando vier, será que vai encontrar fé sobre a terra?” (Lc 18, 8).

 

MEDITAR

Hein, jovens! Vocês, queridos jovens, possuem uma sensibilidade especial frente às injustiças, mas muitas vezes se desiludem com notícias que falam de corrupção, com pessoas que, em vez de buscar o bem comum, procuram o seu próprio benefício. Também para vocês e para todas as pessoas repito: nunca desanimem, não percam a confiança, não deixem que se apague a esperança.

(Papa Francisco)

Não desistais, pois, jamais de orar e de esperar despojados e vazios de tudo, porque se o fizerem, Deus não tardará a vir.

(São João da Cruz)

 

ORAR

     Paulo exorta a nos convertemos em pessoas que resistem: “permanece firme naquilo que aprendeste”. E a resistência implica numa obstinação: “insiste oportuna e ou importunamente”. A resistência não é uma postura passiva de defesa, mas se expressa num dinamismo de iniciativa permanente. A Palavra é servida numa tríplice dimensão: o anúncio, a exortação e a consolação. A resistência não se refere somente ao âmbito da fé e da fidelidade à Palavra, mas abarca toda a vida do crente. O cristão está sempre alinhado à resistência contínua e não é como aquele que reage somente em situações de emergência. O cristão é o que afronta e resiste a toda e qualquer ordem social injusta que nega a liberdade e ofende a dignidade das pessoas. O cristão luta e denuncia toda forma de servidão, de desumanização e de aviltamento. O verdadeiro discípulo de Cristo opõe resistência a todos os fanatismos, intolerâncias e sectarismos. O cristão resistente renuncia aos atrativos de posições tranquilas e privilegiadas, dos apoios importantes e das carreiras facilitadas. Aceita fazer parte de uma minoria que se opõe à estupidez geral, que vigia e desperta do sonho provocado por uma evangelização emocional e sentimentalista que contagia as massas. O cristão que resiste tem a lucidez de que a pedra que o sustenta é Cristo e que ela não pode ser usada para se sentar, mas para permanecer de pé. Jesus nos ensina a orar com a maior tenacidade possível por meio de pedidos concretos. A comunidade fraterna está sujeita a viver tribulações e injustiças; a experimentar tempos difíceis e de longa espera. Podemos e chegamos, muitas vezes, ao limite do desespero, mas devemos confiar que, apesar das aparências, o Senhor sempre chega antes e não deixa nada pela metade e nem pelo meio do caminho. O Senhor age por meio dos fatos e não adia a sua justiça, mas cumpre-a no aqui e agora das nossas vidas e testemunhos.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Anjo de Natal, 2010, Brandon Thibodeaux (1981-), Mond Bayou, Mississipi, Estados Unidos.


 


quarta-feira, 8 de outubro de 2025

O Caminho da Beleza 47 - Nossa Senhora Aparecida

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


Nossa Senhora Aparecida                 

Est 5, 1b-2; 7, 2b-3           Ap 12, 1-5                Jo 2, 1-11

 

ESCUTAR

“Concede-me a vida, eis o meu pedido, e a vida do meu povo, eis o meu desejo!” (Est 7, 3).

“Apareceu no céu um grande sinal” (Ap 12, 1).

“Eles não têm mais vinho” (Jo 2, 3).

 

MEDITAR

A mesa em comum com o hóspede é o espaço em que o alimento é compartilhado, e o comer se torna ‘convívio’, ocasião de comunhão vital: é à mesa, à mesa compartilhada, que o ser humano tem a oportunidade, todas as vezes renovada, de se libertar do seu ser ‘devorador’ – do alimento e do outro – e de se tornar mais uma vez, a cada dia, uma pessoa de comunhão.

 (Enzo Bianchi)


 ORAR

O tema das Bodas é marcante em toda a nossa tradição judaico-cristã. Ele realça a dimensão amorosa e terna da Aliança do Senhor com a abundância proclamada pelo profeta Joel: “Acontecerá naquele dia que as serras estarão suando vinho novo, os morros escorrendo leite (Jl 4, 18). O evangelista revela que todo rito legalista é estéril. A água só se converte em vinho depois de retirada das talhas, pois antes era apenas uma água que lavava o exterior das pessoas que cumpriam a norma rígida da Lei. Jesus nos faz saber que não podemos jamais nos fechar num ritualismo legalista que endurece os corações e entristece os espíritos. Agora a água, transformada em vinho, é oferecida aos borbotões para todos na festa nupcial. Este vinho representa o cumprimento da promessa de abundância: “Vinde comer meus manjares e beber o vinho que misturei” (Pr 9, 4-5) e “Vinde a mim vós que me amais, e saciai-vos de meus frutos; recordar-me é mais doce do que o mel, possuir-me é melhor que os favos” (Eclo 24, 20-21). O vinho é a alegria do homem reconciliado consigo mesmo, com seu próximo e com seu Deus. A festa de Caná é o momento de um novo parto tanto para Jesus como para Maria que auxilia o rito de passagem de seu Filho que sai do silêncio para o início da vida pública. Confiante que o Filho, embriagado pelo Espírito, estava cumprindo a vontade do Pai, Maria ordena sem hesitar: “Fazei tudo o que ele vos disser”. Como escreve a psicanalista Françoise Dolto: “Talvez, tenha sido nesse momento, nas bodas de Caná, que Maria se tornou a Mãe de Deus!”. A água convertida em vinho é, simbolicamente, o novo parto em que a Mãe – água e sangue – gera o Filho para o mundo e para a vida em abundância – pão e vinho – sendo Ele mesmo a Vinha da qual somos os ramos. A essência deste milagre está na revelação de que Jesus tem compaixão pela necessidade dos outros e que o amor fraterno é sempre estar pronto a responder a estas necessidades, sejam quais forem. Com Maria se antecipa o milagre da fé pascal e se antecipa para nós, seus filhos e filhas, a mesma fé para que ninguém duvide de que Jesus seja capaz de renascer e expandir a alegria das Bodas do Cordeiro para toda a humanidade convidada, agora e sempre, para o Seu banquete nupcial. O gesto de entrega de Jesus será glorificado na Cruz como uma exaltação embriagada de amor e de amar que foi iniciada em Caná.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Bodas em Caná, 2014, Katie Hoffman, óleo sobre tela, 18” x 18”, Denver, Colorado, Estados Unidos.




quarta-feira, 1 de outubro de 2025

O Caminho da Beleza 46 - XXVII Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XXVII Domingo do Tempo Comum                      

Hab 1, 2-3; 2, 2-4             2 Tm 1, 6-8.13-14             Lc 17, 5-10

 

ESCUTAR

“Quem não é correto vai morrer, mas o justo viverá por sua fé” (Hab 2, 4).

“Pois Deus não nos deu um espírito de covardia, mas de força, de amor e sobriedade” (2 Tm 1, 7).

“Assim também vós: quando tiverdes feito tudo o que vos mandaram, dizei: ‘Somos simples servos; fizemos o que devíamos fazer’” (Lc 17, 10).

 

MEDITAR

O Ocidental não aceita o ‘sofrimento’ como parte de sua vida e desse modo ele nunca pode retirar dele uma força positiva.

(Etty Hillesum)

Dai-me Senhor, a liberdade de aceitar as coisas que não posso mudar. Dai-me a coragem de mudar aquelas que posso mudar. Dai-me a sabedoria de distingui-las umas das outras.

(Friedrich Christoph Oetinger)

 

ORAR

     A fé cristã é um compromisso de transformação estrutural de um mundo marcado pela opressão. Esta revolução, pela fé, está simbolizada no Evangelho de hoje: “Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e planta-te no mar”. A mínima fé torna possível o impossível, pois “nada é impossível para Deus” (Lc 1, 37). A fé testemunhada por Jesus não se reduz a piedosos conselhos e, muito menos, a um programa de vida virtuoso. Essa foi a medida utilizada pelos apóstolos ao pedirem uma recompensa pela vida virtuosa que acreditavam levar: ao pedirem o aumento de sua fé, faltou-lhes a humildade. Jesus, o Cristo, dá-se a si mesmo, pois, para Deus, este dar-se gratuitamente, sem esperar recompensas, é a única medida que conta para a salvação dos homens e das mulheres. Jesus não manteve distâncias e, derrubando todas as barreiras, desprezou as fronteiras humanas fossem quais fossem. “Onan, quando se deitava com Tamar, derramava o seu sêmen na terra” (Gn 38, 9). O onanismo da fé nos condena a almejar certezas definitivas, a violar a ideia de comunhão e a ressaltar uma Igreja desencarnada que serve apenas para a salvação das almas. O onanismo da fé revela-se quando acreditamos e investimos no espetáculo público e televisivo de nós mesmos, expresso na manipulação, no utilitarismo e na exploração sentimentalista da fé, deitando por terra a potencialidade evangélica de honrar compromissos que valem mais do que uma vida. Nesta nossa travessia não podemos nos contentar com a autossatisfação de uma fé acomodada aos limites impostos por nós mesmos. O Evangelho de Jesus nos oferece o paradoxo do risco, pois confrontaremos o impossível e o inimaginável e, por esta razão, podemos dizer sem nenhum medo que nos esterilize e sem nenhuma expectativa de recompensa pelo que fizemos: “Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer”. Jesus nos garante que para Deus nada é impossível. Tenhamos, pois, a humildade de apresentar diante do seu altar a nossa fé e a fé das igrejas que, nestes tempos, em que se agiganta o onanismo intimista do fastio, tem sido menor, bem menor do que um grão de mostarda.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Jesus lavando os pés de Pedro, 1852-56, Ford Madox Brown (1821-1893), óleo sobre tela, 1168 x 1333 mm, Galeria Tate, Londres, Reino Unido.




 

 

terça-feira, 23 de setembro de 2025

O Caminho da Beleza 45 - XXVI Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XXVI Domingo do Tempo Comum            

Am 6, 1.4-7             1 Tm 6, 11-16                     Lc 16, 19-31

 

ESCUTAR

“Ai dos que vivem despreocupadamente em Sião, os que se sentem seguros nas alturas de Samaria!” (Am 6, 1).

“Tu que és um homem de Deus, foge das coisas perversas, procura a justiça, a piedade, a fé, o amor, a firmeza, a mansidão” (1 Tm 6, 11).

“Há um grande abismo entre nós: por mais que alguém desejasse, não poderia passar daqui para junto de vós, e nem os daí poderiam atravessar até nós” (Lc 16, 26).

 

MEDITAR

Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível e de repente estarás fazendo o impossível.

(São Francisco de Assis)

Somente quando não se poupam as mãos no serviço de amor e de misericórdia na disposição diária de ajudar, pode a boca anunciar com alegria e credibilidade a palavra do amor e da misericórdia de Deus.

(Dietrich Bonhoeffer)

 

ORAR

     Há um momento da vida que é preciso “acertar as contas” e na maioria das vezes o cenário é desagradável: uma existência fútil e inútil; uma ostentação descarada do luxo, um alarde das riquezas acumuladas por meios inconfessáveis. O profeta não poupa as palavras, a orgia dos dissolutos acabará de uma maneira trágica: “Eles irão agora para o desterro, na primeira fila, e o bando dos gozadores será desfeito”. Na parábola de Jesus, o rico não tem nome e nem o necessita, pois de todas as maneiras seria abusivo uma vez que a sua vida é vazia, fútil e se gasta unicamente em favor próprio. O mendigo não possui nada e nada recebe além da compaixão dos cachorros que vinham lamber as suas feridas. Mas, tem um nome importante – Lázaro – que significa Deus trouxe auxílio. A narrativa evangélica não pretende descrever o além-da-morte, nem nos informar sobre a decoração e a temperatura do inferno. Ela quer nos fazer entender a mudança radical das perspectivas no momento da morte, quando o teatro termina, as cortinas se fecham e as luzes se apagam. Em síntese, a parábola afirma que a Palavra de Deus basta e sobra!!! Não há aparições, nem de mortos ou fantasmas, que podem substitui-la e nem sinais extraordinários que sejam mais convincentes. Os mais pobres exigem que façamos justiça às suas vidas e que transformemos as estruturas sociais e religiosas que os condenam à mendicância. Neles, o Cristo mendiga a cada instante e deste Cristo encarnado nos pobres não podemos nos envergonhar, pois o evangelho de Jesus revela que quanto menor é o irmão tanto maior é nele a presença do Cristo: “Aquele que recebe um destes pequeninos é a mim que recebe” (Mc 9, 37). Ironicamente, o evangelista mostra que Lázaro não teve um funeral e, no entanto, “os anjos levaram-no para junto de Abraão”. E o rico anônimo acostumado às pompas foi, simplesmente, enterrado. Devemos ter a lucidez de que um Lázaro qualquer de nossas vidas, o menor entre os menores, é e sempre será o que poderá interceder por nós diante Daquele que vive e reina com o Pai, na unidade do Espírito Santo, por todos os séculos. Amém.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

S. Título, início da década de 1960, São Francisco, Estados Unidos, Nacio Jan Brown, Berkeley, Estados Unidos.

 




quinta-feira, 18 de setembro de 2025

O Caminho da Beleza 44 - XXV Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XXV Domingo do Tempo Comum              

Am 8, 4-7                1 Tm 2, 1-8             Lc 16, 1-13

 

ESCUTAR

“Ouvi isto, vós que maltratais os humildes e causais a prostração dos pobres da terra... ‘Nunca mais esquecerei o que eles fizeram’” (Am 8, 4.7).

“Quero, portanto, que em todo lugar os homens façam a oração, erguendo mãos santas, sem ira e sem discussões” (1 Tm 2, 8).

“Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Lc 16, 13).

 

MEDITAR

Sonhei que o papa enlouquecia. E ele mesmo ateava fogo ao Vaticano e à Basílica de São Pedro. Loucura sagrada, porque Deus atiçava o fogo que os bombeiros, em vão, tentavam extinguir. O papa, louco, saía pelas ruas de Roma, dizendo adeus aos embaixadores, credenciados junto a ele; e espalhando pelos pobres o dinheiro todo do Banco do Vaticano. Que vergonha para os cristãos! Para que um papa viva o Evangelho, temos que imaginá-lo em plena loucura.

(Dom Hélder Câmara)

 

ORAR

     A lição de hoje é de uma visibilidade inconfundível: não se pode misturar religião e injustiça; culto e fraude; glória de Deus e aviltamento do homem; louvor ao Pai e exploração do fraco. Deus esquece as nossas práticas religiosas ainda que as conciliemos com uma conduta desonesta, mas jamais esquece as práticas de trapaça enganosas: “Dominar os pobres com dinheiro e os humildes com um par de sandálias”. Os que governam e não conduzem o povo a uma vida digna são maus administradores e “filhos das trevas”. São os que idolatram o dinheiro e acumulam riquezas injustas porque não partilhadas. Os “filhos da luz” devem testemunhar um mundo totalmente diferente, um mundo em que os valores sejam os da acolhida, os da amizade e os da partilha. O gerente fraudulento acaba agindo de uma maneira sensata e toma uma decisão imediata: fazer amigos como um investimento para o futuro, pois considerou as relações humanas mais importantes do que o dinheiro injusto acumulado pelo patrão. Só devemos servir a Deus e devemos servi-Lo com mais astúcia, audácia, espírito inventivo, sendo generosos com os bens que nos foram confiados e não mais avarentos. Tudo nos foi dado por Deus para todos. O Senhor sente repugnância pelo avarento, mas ama receber das pessoas generosas que servem a Deus ao servir os seus irmãos. Meditemos as palavras de São Basílio: “Não és acaso um ladrão, tu que te apossas das riquezas cuja gestão recebestes? Ao faminto pertence o pão que guardas; ao homem nu, o manto que mantém guardado; ao descalço, os sapatos que estão estragando em tua casa; ao necessitado, o dinheiro que escondestes. Cometes assim tantas injustiças quantos são aqueles a quem poderias dar”. Nossas igrejas e comunidades estão sempre em julgamento, pois dizer e não fazer é uma impostura e com ela continuaremos a “diminuir medidas, aumentar pesos, adulterar balanças, maltratar os humildes e causar a prostração dos pobres da terra”. O Papa Paulo VI advertia: “Um cristão não pode sentir-se tranquilo enquanto houver um homem que sofre; que é tratado injustamente; que não tem o necessário para viver”.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Calçada na época do Natal, Atenas, 1980, Chris Steele-Perkins (1947-), Magnum Photos, Rangum, Myanmar.


 


 

 

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

O Caminho da Beleza 43 - Exaltação da Santa Cruz

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


Exaltação da Santa Cruz         

Nm 21, 4-9              Fl 2, 6-11                 Jo 3, 13-17

 

ESCUTAR

“Por que nos fizestes sair do Egito para morrermos no deserto? Não há pão, falta água e já estamos com nojo desse alimento miserável” (Nm 21, 5).

“Jesus Cristo, existindo em condição divina, não fez do ser igual a Deus uma usurpação” (Fl 2, 6).

“Deus não enviou o Seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele” (Jo 3, 17).

 

MEDITAR

O Deus meu e de todos,

Que tenho feito até hoje no mundo,

Senão te invocar para que surjas,

Senão me desesperar porque sou pó?

Dilata minha visão,

Dilata poderosamente minha alma,

Faze-me referir todas as coisas ao teu centro,

Faze-me apreciar formas vis e desprezíveis,

Faze-me amar o que não amo.

 

(Murilo Mendes)

 

Esse é justamente o tema maravilhoso da Bíblia que assusta a tantos: que o único sinal visível de Deus no mundo seja a cruz. Cristo não é arrebatado gloriosamente da terra para o céu, seu destino é a cruz. E precisamente lá onde está a cruz está próxima a ressurreição. Onde todos ficam desconsertados diante de Deus, onde todos se desesperam com Deus, é exatamente lá que Deus está bem perto e Cristo está vivamente presente.

(Dietrich Bonhoeffer)

 

ORAR

No mito africano-egípcio da origem da Vida, a serpente Atum será apresentada como o primeiro Deus que emergindo das águas primordiais cuspia outros deuses e toda a criação. Para os egípcios, no meio dos quais Moisés foi criado, a serpente representava a conservação da vida, a vida salvaguardada e reencontrada. A serpente colocada num lenho e levantada por Moisés era feita de uma liga trinitária de estanho, cobre e zinco e brilhava intensamente refletindo a luz do sol. É uma serpente dos ares e de luz e, segundo os mitos primevos africanos, carrega o vento e fogo e, por isso, neutraliza a doença e a morte. No Evangelho de João, a imagem reaparece com outra densidade simbólica: a de um Jesus Serpente que cura e regenera e que sintetiza toda a humanidade levantada e libertada. Levantado na Cruz, expira sobre o mundo todo o seu sopro de vida e o seu corpo é como o bronze brilhante – símbolo solar que reflete a luz divina do alto. De Jesus, levantado e ungido pelo sol, procede a vida e sua luz coloca às claras a bondade e a maldade do proceder de cada um de nós. O Filho da Luz irradia uma verdade que desarma todas as víboras da conspiração e da hipocrisia que nos espreitam. O Homem Levantado, este Jesus Serpente, é destinado a ser visto como presença salvadora do Pai e ponto de convergência do encontro divino/humano, de onde flui a Vida em abundância. No prólogo de João, a luz brilhava no meio das trevas e chegava até o mundo iluminando todo homem (Jo 1, 9). Antes, podíamos aceitar ou não a luz; agora podemos ou não praticar o amor, pois o Corpo Crucificado de Jesus ainda continua sofrendo nos corpos fustigados dos nossos irmãos e irmãs. O Cristo espera de nós que sejamos capazes de sujar de vida os olhos claros de morte que nos rodeiam e espreitam para que, ao expirarmos nosso sopro de vida, consumemos as obras de amor e justiça que conseguimos.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Pietá, c. 1592, El Greco (1541-1614), óleo sobre tela, 120 cm x 145 cm, Starvos Niarchos Collection, Paris, França.





quarta-feira, 3 de setembro de 2025

O Caminho da Beleza 42 - XXIII Domingo do Tempo Comum

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


XXIII Domingo do Tempo Comum           

Sb 9, 13-19              Fm 9-10.12-17                   Lc 14, 25-33

 

ESCUTAR

“Qual é o homem que pode conhecer os desígnios de Deus? Ou quem pode imaginar o desígnio do Senhor” (Sb 9, 13).

“Assim, se estás em comunhão de fé comigo, recebe-o como se fosse a mim mesmo” (Fm 9,17).

“Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 27).

 

MEDITAR

Deus é amor. Mas o amor pode também ser odiado, quando exige do homem que saia de si próprio para ir além de si mesmo. O amor não é um romântico sentimento de bem-estar. Redenção não é wellness, bem-estar, um mergulho na autocomplacência, mas uma libertação do auto-fechamento no próprio eu. 

(Bento XVI)

Deixamos pouco espaço para que esse poema que é Jesus Cristo se organize em nós e se torne verdadeiramente o canto de nossa vida.

(Maurice Zundel)

 

 ORAR

    As igrejas se exaurem cada vez mais pela quantidade de pessoas que alardeiam, com uma segurança assombrosa, conhecer a “vontade de Deus”. E a “vontade de Deus” sempre está de acordo com seus interesses, caprichos e atos duvidosos. Os dogmatismos mais vergonhosos celebram triunfos inenarráveis pelas suas intolerâncias e discriminações. O Papa Francisco denuncia que “a incoerência dos fiéis e dos pastores entre aquilo que dizem e o que fazem, entre a palavra e a maneira de viver mina a credibilidade da Igreja” (A Igreja da Misericórdia). Urge suplicar ao Senhor que nos envie um suplemento de sabedoria. Jesus ensina no seu Evangelho uma sabedoria que vai contra a corrente. Nenhuma decisão pode ser tomada às pressas e, num momento de euforia, é preciso ter uma disposição para enfrentar o cansaço, uma aceitação da cruz e uma determinação de ir até as últimas consequências. Jesus não legitima nenhuma comodidade. Ele propõe uma reviravolta na escala de valores: a renúncia de todos os bens, a disponibilidade para entrar na lógica louca do amor, da doação, no abandono dos cálculos egoístas e das reservas ditadas pelo desejo de “administrar” prudentemente a própria vida. A decisão fundamental de seguir a Cristo exclui as meias medidas, as cômodas desculpas e os caprichos pessoais. Jesus testemunha que a única eleição equivocada é a neutralidade, o único compromisso imperdoável é não se comprometer e a única posição intolerável é a indiferença.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Madre Teresa com uma criança do orfanato que ela dirige em Calcutá, Índia, 1974, Nik Wheeler (1939-), Reino Unido.