quarta-feira, 28 de maio de 2025

O Caminho da Beleza 28 - Ascensão do Senhor

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


Ascensão do Senhor                 

At 1, 1-11                  Ef 1, 17-23               Lc 24, 46-53

 

ESCUTAR

“Recebereis o poder do Espírito Santo, que descerá sobre vós para serdes minhas testemunhas” (At 1, 8).

Irmãos, o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai a quem pertence a glória, vos dê um espírito de sabedoria que vo-lo revele e faça verdadeiramente conhecer (Ef 1, 17).

“Eu enviarei sobre vós aquele que meu Pai prometeu (Lc 24, 49).

 

MEDITAR

Senhor Deus, Uno e Trino, comunidade estupenda de amor infinito, ensinai-nos a contemplar-Vos na beleza do universo, onde tudo nos fala de Vós. Despertai o nosso louvor e a nossa gratidão por cada ser que criastes. Dai-nos a graça de nos sentirmos intimamente unidos a tudo o que existe.

(Papa Francisco)

A espiritualidade não pode ser aprendida por uma fuga do mundo, fugindo-se das coisas ou se tornando solitário e afastando-se do mundo. Pelo contrário, nós devemos aprender uma solidão interior onde e com quem estivermos. Nós devemos aprender a penetrar nas coisas e achar Deus lá.

(Mestre Eckhart)

 

ORAR

           Com a ascensão de Jesus começa o tempo da Igreja, um tempo de testemunho público e corajoso que, progressivamente, alcançará todos os homens. A ascensão é a linha divisória entre a história de Jesus e a da comunidade pós-pascal. A comunidade eclesial pode iniciar o seu próprio caminho histórico sem nostalgias e sem fugas apocalípticas graças à força do Espírito prometido pelo Senhor. O banquete eucarístico, convivência íntima, é o lugar por excelência em que os amigos podem estar em comunhão com o Cristo. A Igreja surge como uma comunidade de oração para depois ser apostólica, quando a sua prática passa a ser animada pelo Espírito. A comunidade eclesial tem necessidade do sopro vital que lhe será dado pelo Espírito do Senhor, pois sem Ele não existe vida, nem força de expansão e nem capacidade de testemunho para a Igreja. Jesus se “separa” dos amigos com o sinal da benção e esta é a última imagem que fica: a do Cristo glorioso que abençoa. Os apóstolos saúdam a partida do Senhor não com prantos, mas com alegria ainda que devam afrontar um mundo hostil para levar a paz, o amor e o perdão. Não celebramos uma despedida, mas uma nova maneira de estar presente no mundo, pois a presença definitiva do Ressuscitado entre nós e na história da humanidade está assegurada pelo seu Espírito que conduz a comunidade eclesial até o fim dos tempos, por meio da concretização do amor fraterno, símbolo emblemático dos cristãos e dos homens e mulheres de boa vontade. Somos herdeiros de seu testemunho e neste seguimento devemos reinventá-lo a cada novo momento histórico, como pedia o Papa João XXIII, lendo e compreendendo os “sinais dos tempos”. A celebração da eucaristia anuncia e realiza a proibição de toda estatização da Igreja e de todo o clericalismo na política. A Igreja peregrina não funda a cidade terrena, mas a habita apontando para o futuro. Devemos nos guiar pela prática de Jesus: a sua maneira de acolher os pecadores – porque Deus não faz acepção de pessoas – de elevar os humildes, desnudar os orgulhosos e arrogantes. Devemos lembrar que a conversão proposta por Ele é a mudança radical nas nossas relações com Deus, com o próximo e, sobretudo, com o dinheiro. A novidade dos seus ensinamentos e do seu testemunho lhe valeu, como valerá para nós, a hostilidade dos governantes e do poder religioso, causa da sua condenação e assassinato. O evangelista enfatiza que são “fatos que nos aconteceram” (Lc 1, 1) e não qualquer mistificação maravilhosa inventada e difundida ao bel prazer de qualquer um. Meditemos as palavras de Bento XVI: “Nós devemos estar seguros de que, por mais pesadas e turbulentas as provas que nos esperam, não seremos jamais abandonados a nós mesmos. As mãos do Senhor não nos largarão, pois estas são mãos que nos criaram e que, todo o dia, nos acompanham no itinerário de nossas vidas”.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Ascensão, 1958,  Salvador Dali (1904-1989), óleo sobre tela 115 x 123 cm, Coleção Simon Perez, México.




quarta-feira, 21 de maio de 2025

O Caminho da Beleza 27 - VI Domingo da Páscoa

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


VI Domingo de Páscoa

At 15, 1-2.22-19                 Ap 21, 10-14.22-23                      Jo 14, 23-29                                  

 

ESCUTAR

“Ficamos sabendo que alguns dos nossos causaram perturbações com palavras que transtornaram vosso espírito” (At 15, 24).

“A cidade não precisa de sol nem de lua que a iluminem, pois a glória de Deus é a sua luz e a sua lâmpada é o Cordeiro” (Ap 21, 23).

“Não se perturbe nem se intimide o vosso coração” (Jo 14, 27).

 

MEDITAR


Onde falta o desejo de se encontrar com Deus, ali não há crentes e sim pobres caricaturas de pessoas que se dirigem a Deus por medo ou por interesse.

(Simone Weil)

O culto que pretende honrar o Senhor é necessário. Mas se é praticado para assegurar-se o favor de Deus sem se mudar a vida, torna-se uma farsa. O culto em si não tem consistência própria: é apenas a vida que lhe dá consistência.

(Bruno Maggioni)

 

ORAR

     A desgraça dos puristas de todos os tempos é a pretensão de impor cargas opressoras e inúteis. De acrescentar ao jugo libertador do Cristo, um jugo suplementar e opressor feito de bagatelas sufocantes, pois alguns indivíduos sentem um gosto sádico ao exigir sacrifícios absurdos e são refratários às ações inovadoras do Espírito. O livro do Apocalipse nos revela que Deus, por meio do Cordeiro, não reside em edificações, pois Ele é o próprio templo numa Igreja transfigurada. O novo santuário é o corpo ressuscitado de Jesus, o Cristo. Este mesmo Cristo será, ao mesmo tempo, ponto de conjunção da humanidade com Deus e ponto de união da humanidade inteira. A Igreja quando pretende exibir a própria luz e a própria glória, termina, inevitavelmente, obscurecendo a Fonte da luz e vende como esplendor celeste as luzes do êxito e do prestígio humano. A Igreja de Jesus Cristo há de ser fiel à sua dinamicidade que a impede de ser nostálgica; à sua fidelidade que a impede de desviar-se da sua razão de ser e à sua profecia que a faz compreender os sinais dos tempos. A Igreja deve cultivar a tolerância e o diálogo que a livram das enfermidades do poder e a esperança que a faz superar dúvidas e incertezas. A Cidade de Deus não é uma cristandade sociologicamente organizada, mas uma dinâmica do Espírito que age e transforma o mundo por meio de nós. Antes de ser uma estrutura, a Igreja é uma comunidade, fruto do acolhimento do Espírito no coração dos fiéis, pois “somente a recepção acolhedora da Palavra, no Espírito, é formadora da comunidade cristã” (Francisco Catão). Na Igreja, deve prevalecer a fé no Espírito, guia da Igreja, que deve desaparecer para brilhar a luz do Cristo. A fé e o compromisso com Jesus Cristo são um produto da ação do Espírito sobre nós, pois é este mesmo Espírito que nos ensina a reconhecer sua ação no mundo atual, na sociedade conflitiva em que vivemos e na realidade que nos rodeia.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Sem Título, Newcastle, 1999, Peter Marlow (1952-2016), Londres, Reino Unido.

 






quarta-feira, 14 de maio de 2025

O Caminho da Beleza 26 - V Domingo da Páscoa

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


V Domingo da Páscoa              

At 14, 21-27                        Ap 21, 1-5                Jo 13, 31-35

 

ESCUTAR

“Chegando ali, reuniram a comunidade. Contaram-lhe tudo o que Deus fizera por meio deles e como havia aberto a porta da fé para os pagãos” (At 14, 27).

“Eis que faço nova todas as coisas” (Ap 21, 5).

“Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13, 35).

 

MEDITAR

Deus saiu de si mesmo para vir ao meio de nós, armou a Sua tenda entre nós, para nos trazer a Sua misericórdia que salva e dá esperança... Recordai bem: sairmos de nós, como Jesus, como Deus saiu de si mesmo em Jesus, e Jesus saiu de si próprio por todos nós.

(Papa Francisco)

Acho a vida bela e me sinto livre. Os céus se estendem dentro de mim, assim como acima de mim. Acredito em Deus e nos homens, e ouso dizer isso sem falso pudor. Uma coisa é certa: deve-se contribuir para aumentar a reserva de amor sobre esta terra. Cada migalha de ódio que se acrescenta ao ódio exorbitante que já existe torna este mundo inóspito e inabitável.

(Etty Hillesum)

 

ORAR

    Os textos desta liturgia falam do amor fraterno que é o centro da vida da comunidade do Cristo. Este amor fraterno é um protesto da ternura do Senhor, pois o Senhor se faz presente por uma ternura acolhedora que, nos iluminando, faz nascer uma maior liberdade de ação frente às doutrinas e às normas caducas que nada têm a ver com a vida teologal – a vida de fé, esperança e amor – do povo de Deus. Desde os tempos de Jesus, os doutores da Lei não tinham autoridade, só tinham poder e com ele impunham a doutrina oficial. Temos que ter a lucidez de que nenhuma outra peculiaridade das igrejas poderá convencer o mundo da verdade e da necessidade da pessoa do Cristo e dos seus ensinamentos: o amor fraterno é o sinal indispensável do seguimento do Cristo. O eremita Ernesto Cardenal escreveu: “Estas bodas de amor serão as núpcias eternas de toda a Igreja com Cristo e de cada ser particular com Cristo, porque em cada ser está reunida toda a Igreja; como o corpo de Cristo está todo completo em cada hóstia e nos corpos de todos os homens e todas as mulheres”. É o amor fraterno que nos sustenta em todas as adversidades da travessia. E por este mesmo amor podemos converter a violência do mundo, como pregava João Crisóstomo: “Não teriam convertido o mundo se não tivessem amado tanto”. A nova aliança selada por Jesus com sua vida, morte e ressurreição contempla uma única cláusula e um único compromisso decisivo: o amar com um dinamismo expansivo de um amor universal cujas ondas e vibrações nos empurram cada vez mais para longe. Uma prática amorosa que não olha o mérito das pessoas; que se traduz em serviço; que valoriza a liberdade e aniquila qualquer discriminação. Um amor desarmado e desarmante, como afirma o papa Leão XIV, que se revela mais forte do que o ódio e um amor cuja visibilidade poderá ser reconhecida por qualquer pessoa que busque vibrar na mesma sintonia amorosa. Um amor alternativo às trevas e que nos revela que a utopia é o não-ainda possível: se Deus é Pai, os homens poderão se produzir como irmãos. “Vede como eles se amam”, afirmava Tertuliano. É este amor que derrotará o egoísmo e o ódio, forças de destruição, e este amor está à disposição de todo aquele que pretenda, desde agora, viver “neste novo céu e nesta nova terra”.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

        

CONTEMPLAR

A Ajuda do Padre, 1962, Puerto Cabello, Venezuela, Héctor Rondón Lovera (1933-), Venezuela.





quarta-feira, 7 de maio de 2025

O Caminho da Beleza 25 - IV Domingo da Páscoa

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


IV Domingo da Páscoa

At 13, 14.43-52                  Ap 7, 9.14b-17                    Jo 10, 27-30

 

ESCUTAR

“Eu te coloquei como luz para as nações, para que leves a salvação até os confins da terra” (At 13, 47).

“Esses são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro” (Ap 7, 14b).

“As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem (Jo 10, 27).

 

MEDITAR

Eu sou o Amor sem limites. Não conheço nenhum limite no tempo. Não conheço nenhum limite no espaço. Não há nenhum lugar em que eu não me encontre. Não há nenhum momento em que eu não exprima o que sou, quem eu sou. Eu sou a origem e a raiz mais profunda, e o impulso do que vós sois. Eu sou a vossa verdadeira vida.

(Um monge da igreja oriental)

Não me lembro de um só instante da minha vida em que tenha duvidado de Deus. Duvidei e duvido da possibilidade do pensamento humano conhecer e nomear adequadamente a sua existência, duvidei e duvido das pretensões das religiões de encerrá-lo nas suas doutrinas, duvidei e duvido de muitas outras coisas, mas de Deus e da possibilidade de participar no seu mistério de vida infinita que Jesus-Yeshua chamava ‘reino’ nunca duvidei e espero que nunca duvide até o último dos meus dias.

(Vito Mancuso)

 

ORAR

O Pastor conhece as suas ovelhas, não genericamente, mas pessoalmente, uma a uma. Cada um de nós, aos seus olhos, é um absoluto e não uma minúscula parte de um todo. “Escutar a voz” é uma ligação de pertença mútua numa atmosfera de liberdade e reciprocidade. Shemá Israel!. Mas esta voz não está fora de nós! A voz do Pastor não é algo estranho para nós. Nós nascemos nela. É preciso escutá-la nas entranhas. São Jerônimo, comentando a sabedoria do profeta Isaías, afirmava que “não era o ar movido pela voz que chegava aos ouvidos do profeta, mas Deus que falava em seu íntimo”. Devemos repousar em nós mesmos, escutar Deus/Amor em nosso íntimo, em nossa respiração, fazê-Lo brotar no sopro da nossa vida e expandi-Lo para o mundo. O Pastor não vem de fora. Não percorre um caminho paralelo ou justaposto, nem visita o seu rebanho de vez em quando, mas participa intimamente de sua vida. Ele compartilha a vida de todos. Ele é Pastor, mas também Ele é Cordeiro. Seu testemunho (de amor) será o nosso testemunho, sua proscrição (ante o poder) será a nossa proscrição, como foi a de Paulo e Barnabé e a de todos “os que lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro”. O povo de Deus não é poupado de nenhuma prova ou desafio. Não é privilegiado, mas amado. Só pode desfrutar da tenda aquele que sabe, por experiência, o que é o deserto. Jesus não se limita a proclamar a palavra do Pai, mas revela o Pai na sua própria pessoa e no seu modo de agir. Toda a prática do Cristo se faz revelação de Deus. Ao escutarmos a sua voz em nós e ao fazermos ressoá-la, alcançamos essa identitas christi. Eu e o Pai somos Um! Aprisionar o dinamismo vigoroso da Palavra em nossas igrejas exclusivistas faz com que ela abandone o nosso território. O Evangelho, quando aprisionado, caminhará em outra direção e deixará em nossa porta um montinho de pó como testemunho de que se cansou de nossa mesquinhez. Deixará os que se consideram “puros” na poeira de sua casa para se dirigir aos distantes, aos diferentes de nós, entre os quais armará a sua tenda. A voz de Deus em nós sempre nos empurrará para o mais-além-de-nós-mesmos. Como afirma o Papa Francisco: “A presença de Deus na nossa vida nunca nos deixa tranquilos, sempre nos impele a mover-nos. Quando Deus visita, sempre nos tira para fora de casa: visitados para visitar, encontrados para encontrar, amados para amar” (Homilia em Santiago de Cuba, 2015).

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Papa Francisco com um cordeiro sobre os ombros. AP Photo, Osservatore Romano, http://roma.repubblica.it, 01/06/2014.