Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).
Sagrada Família, Jesus, Maria e José
Eclo 3, 3-7.14-17 Cl 3, 12-21 Lc 2, 41-52
ESCUTAR
Quem respeita o seu pai, terá vida longa, e quem obedece ao pai é o consolo da sua mãe (Eclo 3, 7).
Vós sois amados por Deus, sois os seus santos eleitos. Por isso, revesti-vos de sincera misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se um tiver queixa contra o outro (Cl 3, 12-13).
Voltaram para Jerusalém à sua procura. Três dias depois, o encontraram no templo... “Meu filho, por que agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu estávamos angustiados à tua procura”. Jesus respondeu: “Por que me procuráveis? Não sabeis que devo estar na casa de meu Pai?”. Eles, porém, não compreenderam as palavras que lhes dissera (Lc 2, 46.48-49).
MEDITAR
Sim, tu me deste muito. Mas eu te peço muito mais. Não venho a ti só por um gole d’água. Quero a fonte. Não venho para que me levem apenas até a porta. Quero ir até a sala do Senhor. Não venho apenas para receber o dom do amor. Desejo o próprio Amante.
(Rabindranath Tagore)
Deus diz: “Eu sou a bondade soberana de todas as coisas. Eu sou o que faz você amar. Eu sou o que faz você durar e desejar. Eu sou isto – o cumprimento sem fim de todos os desejos”.
(Julian de Norwich)
ORAR
Na tradição do Antigo Testamento, a família era constituída para procriação e repousava sobre uma estrutura patriarcal de parentesco cujo principal cuidado era a perpetuação de uma linhagem. A família de Jesus é uma reviravolta nesta tradição. Maria, como rezava a tradição, havia sido “prometida a um homem chamado José, da família de Davi” (Lc 1, 27), mas o Arcanjo Gabriel lhe anuncia algo absolutamente revolucionário: a nova família será constituída a partir de afinidades eletivas e escolhas amorosas. José, em sonho, ouviu a palavra do anjo e a respondeu acolhendo a jovem e a criança que ela carregava no ventre, ainda que não fosse o autor desta gravidez e nem o genitor deste filho. José confia e se coloca disponível: "José não tenhas medo de acolher Maria como tua esposa, pois o que ela concebeu é obra do Espírito Santo”. Uma mulher plena do Espírito de Deus não pode e nunca poderá ser submissa. Maria, em vigília, ouve a palavra do anjo e, apesar de temerosa e perturbada confia e se coloca à disposição do desígnio de Deus. Ouvir a palavra, responder com um sim incondicional e estar absolutamente disponível são os novos pilares desta nova estrutura familiar na qual o amor recíproco e o crer sustentam a comunidade cristã e cada família nas suas plurais formas de existir. José e Maria ensinam – ele em estado de sono e ela em estado vigília – que devemos estar sempre, consciente ou inconscientemente, disponíveis para escutar e acolher a palavra de Deus. Não podemos nos confundir: existe um abismo entre sermos pais e genitores. Um homem e uma mulher precisam de alguns segundos para se tornar genitores e são estes que veem seus filhos como propriedade particular, preocupados em fazer crescer o patrimônio familiar e em continuar o sobrenome da família. Na família de Deus, gerada a partir de Maria, José e Jesus, ser pai, mãe e filho é uma aventura de outra natureza. É uma escolha amorosa, uma afinidade eletiva e um compromisso de entrega para educar e conduzir os seus filhos e filhas para opções de liberdade que poderão gerar mais vida e mais desejos. Para a mentalidade retrógada dos que se reduziram à família nuclear burguesa tudo escandaliza nesta Santa Família. A família de Deus se concretiza de uma forma extraordinária aos padrões convencionais sacralizados: José, um homem sem mulher; Maria, uma virgem sem esposo e Jesus, uma criança sem pai. Deus revela, para todo o sempre, que o mais importante é a adoção pelo coração, o centro da vida. A revelação perturbadora é a de que só existem pais adotivos que superam a sua condição de genitores biológicos quando há a atitude radical da disponibilidade de dar a sua vida pelos que amam. Esta, segundo Jesus, é a maior prova de amor. Cada filho é portador de um mistério. Existe nele uma vocação pessoal, única, que nunca se repete e que jamais poderá ser sacrificada aos nossos projetos egoístas, às nossas ambições utilitaristas. Cada componente da família representa uma realidade consagrada que deve ser respeitada e valorizada. Nenhuma postura arbitrária contrária à dignidade e à liberdade deve profanar essa sacralidade que é própria da pessoa. A Sagrada Família nos ensina que devemos viver e preparar os nossos filhos para a imprevisibilidade de Deus. Somente o exercício da oração e do silêncio poderá trazer, como trouxe aos pais de Jesus, a inteligência da carne, do coração e do espírito. E, neste silêncio, poderemos descobrir, como afirma Paulo, que “somos cidadãos do céu” (Fl 3, 20). A família de Deus é cósmica e nela se cumpre a Sua promessa: “Eis que farei novas todas as coisas e renovarei o universo!” (Ap 21, 5).
(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)
CONTEMPLAR
A Virgem corrigindo o Menino Jesus diante de três testemunhas: André Breton, Paul Éluard e o pintor, 1926, Max Ernst (1891-1976), óleo sobre tela, 196 cm x 132 cm, Museu Ludwig, Colônia, Alemanha.