sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

O Caminho da Beleza 06 - Sagrada Família, Jesus, Maria e José

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


Sagrada Família, Jesus, Maria e José                   

Eclo 3, 3-7.14-17               Cl 3, 12-21               Lc 2, 41-52

 

 

ESCUTAR

 

Quem respeita o seu pai, terá vida longa, e quem obedece ao pai é o consolo da sua mãe (Eclo 3, 7).

 

Vós sois amados por Deus, sois os seus santos eleitos. Por isso, revesti-vos de sincera misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se um tiver queixa contra o outro (Cl 3, 12-13).

 

Voltaram para Jerusalém à sua procura. Três dias depois, o encontraram no templo... “Meu filho, por que agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu estávamos angustiados à tua procura”. Jesus respondeu: “Por que me procuráveis? Não sabeis que devo estar na casa de meu Pai?”. Eles, porém, não compreenderam as palavras que lhes dissera (Lc 2, 46.48-49).

 

 

MEDITAR

 

Sim, tu me deste muito. Mas eu te peço muito mais. Não venho a ti só por um gole d’água. Quero a fonte. Não venho para que me levem apenas até a porta. Quero ir até a sala do Senhor. Não venho apenas para receber o dom do amor. Desejo o próprio Amante.

 

(Rabindranath Tagore)

 

Deus diz: “Eu sou a bondade soberana de todas as coisas. Eu sou o que faz você amar. Eu sou o que faz você durar e desejar. Eu sou isto – o cumprimento sem fim de todos os desejos”.

 

(Julian de Norwich)

 

 

ORAR

 

Na tradição do Antigo Testamento, a família era constituída para procriação e repousava sobre uma estrutura patriarcal de parentesco cujo principal cuidado era a perpetuação de uma linhagem. A família de Jesus é uma reviravolta nesta tradição. Maria, como rezava a tradição, havia sido “prometida a um homem chamado José, da família de Davi” (Lc 1, 27), mas o Arcanjo Gabriel lhe anuncia algo absolutamente revolucionário: a nova família será constituída a partir de afinidades eletivas e escolhas amorosas. José, em sonho, ouviu a palavra do anjo e a respondeu acolhendo a jovem e a criança que ela carregava no ventre, ainda que não fosse o autor desta gravidez e nem o genitor deste filho. José confia e se coloca disponível: "José não tenhas medo de acolher Maria como tua esposa, pois o que ela concebeu é obra do Espírito Santo”. Uma mulher plena do Espírito de Deus não pode e nunca poderá ser submissa. Maria, em vigília, ouve a palavra do anjo e, apesar de temerosa e perturbada confia e se coloca à disposição do desígnio de Deus. Ouvir a palavra, responder com um sim incondicional e estar absolutamente disponível são os novos pilares desta nova estrutura familiar na qual o amor recíproco e o crer sustentam a comunidade cristã e cada família nas suas plurais formas de existir. José e Maria ensinam – ele em estado de sono e ela em estado vigília – que devemos estar sempre, consciente ou inconscientemente, disponíveis para escutar e acolher a palavra de Deus. Não podemos nos confundir: existe um abismo entre sermos pais e genitores. Um homem e uma mulher precisam de alguns segundos para se tornar genitores e são estes que veem seus filhos como propriedade particular, preocupados em fazer crescer o patrimônio familiar e em continuar o sobrenome da família. Na família de Deus, gerada a partir de Maria, José e Jesus, ser pai, mãe e filho é uma aventura de outra natureza. É uma escolha amorosa, uma afinidade eletiva e um compromisso de entrega para educar e conduzir os seus filhos e filhas para opções de liberdade que poderão gerar mais vida e mais desejos. Para a mentalidade retrógada dos que se reduziram à família nuclear burguesa tudo escandaliza nesta Santa Família. A família de Deus se concretiza de uma forma extraordinária aos padrões convencionais sacralizados: José, um homem sem mulher; Maria, uma virgem sem esposo e Jesus, uma criança sem pai. Deus revela, para todo o sempre, que o mais importante é a adoção pelo coração, o centro da vida. A revelação perturbadora é a de que só existem pais adotivos que superam a sua condição de genitores biológicos quando há a atitude radical da disponibilidade de dar a sua vida pelos que amam. Esta, segundo Jesus, é a maior prova de amor. Cada filho é portador de um mistério. Existe nele uma vocação pessoal, única, que nunca se repete e que jamais poderá ser sacrificada aos nossos projetos egoístas, às nossas ambições utilitaristas. Cada componente da família representa uma realidade consagrada que deve ser respeitada e valorizada. Nenhuma postura arbitrária contrária à dignidade e à liberdade deve profanar essa sacralidade que é própria da pessoa. A Sagrada Família nos ensina que devemos viver e preparar os nossos filhos para a imprevisibilidade de Deus. Somente o exercício da oração e do silêncio poderá trazer, como trouxe aos pais de Jesus, a inteligência da carne, do coração e do espírito. E, neste silêncio, poderemos descobrir, como afirma Paulo, que “somos cidadãos do céu” (Fl 3, 20). A família de Deus é cósmica e nela se cumpre a Sua promessa: “Eis que farei novas todas as coisas e renovarei o universo!” (Ap 21, 5).

 

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

 

CONTEMPLAR

 

A Virgem corrigindo o Menino Jesus diante de três testemunhas: André Breton, Paul Éluard e o pintor, 1926, Max Ernst (1891-1976), óleo sobre tela, 196 cm x 132 cm, Museu Ludwig, Colônia, Alemanha.




quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

O Caminho da Beleza 05 - Santo Estêvão, Diácono e Protomártir

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


Santo Estêvão, Diácono e Protomártir

At 6, 8-10; 7, 54-59                     Mt 10, 17-22

 

 

ESCUTAR

 

Enquanto o apedrejavam, Estêvão clamou, dizendo: “Senhor Jesus, acolhe o meu espírito” (At 7, 59).

 

“Cuidado com os homens, porque eles vos entregarão aos tribunais e vos açoitarão nas suas sinagogas” (Mt 10, 17).

 

 

MEDITAR

 

Quando Deus chama um homem para ser profeta, ordena-lhe que vá e morra! 

 

(Dietrich Bonhöeffer)

 

 

ORAR

 

Neste dia seguinte do nascimento de Emannuel, a liturgia da Igreja nos coloca diante da única certeza que temos: a de que o verdadeiro seguimento do Cristo nos conduzirá inevitavelmente ao martírio, pois o “o discípulo não está acima do mestre nem o servo é maior que o seu Senhor” (Mt 10, 24). Estevão denunciava no Templo e diante do Sumo sacerdote: “Duros de cabeça, incircuncisos de coração e ouvidos, resistindo sempre ao Espírito! Sois como vossos pais. A qual dos profetas vossos pais não perseguiram? Mataram os que profetizavam a vinda do Justo, esse mesmo que agora traístes e assassinastes! Vós, que recebestes a lei por ministério de anjos, e não a observastes” (At 7, 51). O contraponto desfila ante os nossos olhos. Estevão, pleno do Espírito Santo, tem a visão do céu aberto e o seu corpo nu, “templo do Espírito Santo”, é apedrejado com as pedras caídas no entorno do Templo. As vestes de Estevão são deixadas aos pés de Saulo, raízes de ódio e intolerância, que com seus olhos, voltados para o chão, rastreiam os discípulos do Ressuscitado. Devemos responder ao questionamento sob quais poderes colocaremos nossas vidas. Sob o poder do amor, que nos leva a reconhecer no outro amado um ser divino? Ou sob o poder do medo que nos faz erigir o outro em Deus? Esta escolha decidirá sobre o céu ou o inferno em que vamos mergulhar as nossas existências e travessias. Todo elo de amor possui a força de libertar, confirmar, expandir, tanto nós quanto os outros. Ao contrário, todo grilhão de medo, humilha, diminui e reduz à servidão os que se aproximam de nós. O amor enriquece, o medo devasta. O primeiro desmoronamento das nossas certezas é aquele da religião oficial. Os discípulos de Jesus se extasiavam diante do Templo: “Mestre, olha que pedras e que construções!” (Mc 13, 1) assim como nós nos deslumbramos diante dos nossos monumentos, da organização institucional e do tesouro cultural acumulado pelas igrejas no decorrer dos séculos. Bastaria, no entanto, um pouco de atenção para descobrir a fragilidade e a caduquice de toda esta petrificação da vida religiosa. Por mais poderosas que possam ser as escarpas e as muralhas erguidas pelo medo, pela mentira e pela hipocrisia, será impossível fazer escoar nelas a fé, pois o Deus de Jesus Cristo não arquiteta o seu poder pelo aviltamento dos outros. O Evangelho de hoje nos garante outra certeza: quando estivermos numa situação-limite e totalmente atônitos, o Espírito de Deus falará sempre através do nosso ser mais íntimo, pois somos os seus indestrutíveis templos espirituais. A identidade entre Jesus e Estevão se perpetua no momento extremo da entrega: “Pai, em tuas mãos entrego o meu Espírito” (Lc 23, 46) e “Senhor Jesus, acolhe o meu espírito”. Restar-nos-á a justiça das palavras de Jesus: “Vês esses grandes edifícios? Pois desmoronarão, sem que fique pedra sobre pedra” (Mc 13, 2).

 

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

 

CONTEMPLAR

 

O corpo ensanguentado de Dom Oscar Romero jaz no solo da capela assistido por monjas do hospital, 24 de março de 1980, autor da foto não identificado, San Salvador, El Salvador.












quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

O Caminho da Beleza 04 - IV Domingo do Advento

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


IV Domingo do Advento           

Mq 5, 1-4                 Hb 10, 5-10            Lc 1, 39-45

 

 

ESCUTAR

 

“Ele não recuará, apascentará com a força do Senhor e com a majestade do nome do Senhor seu Deus: os homens viverão em paz, pois ele agora estenderá o poder até aos confins da terra, e ele mesmo será a Paz” (Mq 5, 3-4).

 

“‘Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade’” (Hb 10, 7).

 

“Bendita é tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!” (Lc 1, 42)

 

 

MEDITAR

 

Sem o amor, tão difícil de praticar, a vida se reduz a um combate incessante para possuir e se defender dos outros.


(Anthony Burgess)

 

O grande inimigo, o inimigo número 1 do mundo moderno, é o tédio.


(Teilhard de Chardin)

 

 

ORAR

 

            A pequena aldeia de Belém significava pouco entre as cidades da Judéia e, no entanto, Deus colocou seu olhar precisamente neste lugar insignificante para nele realizar um acontecimento decisivo. As escolhas de Deus jamais estão determinadas por critérios de grandeza e de importância mundanas. A pequenez constitui o terreno fértil em que germina e se desenvolve a obra divina. As coisas sem importância chamam a atenção do Senhor. O evangelista nos apresenta o encontro de Maria e Isabel. Maria é apresentada numa postura dinâmica: de caminhar, de encontrar e de louvar a Deus. Ela simboliza uma Igreja que jamais poderá ser fixada numa imagem estática. A Igreja deve estar em marcha pelos caminhos dos homens para levar Alguém e não deve falar de si mesma, mas do Outro. O Cristo começou a ser itinerante desde o ventre materno e graças aos passos de sua mãe caminha pelas veredas do mundo. No encontro entre Isabel, anciã estéril, e Maria, jovem virgem, existirá um pacto das entranhas que nos revela que “nada é impossível para Deus” (Lc 1, 37). A visitação se liga intimamente à anunciação. A visitação é a epifania, a manifestação do sinal anunciado de que se acabara o tempo das preparações e das esperas, de que se cumprira a promessa e de que o Senhor visitará o seu povo. A visitação é o abraço amoroso, o encontro e o cumprimento pleno de duas histórias: a de Isabel que se completa e a de Maria que se inicia. O pacto de Deus está vingado em Jesus, pois as entranhas da sua mãe são a Arca da Aliança, tecendo o Salvador, agora e sempre, para todos os habitantes da Terra. O que do ponto de vista humano é limitação, impedimento, se converte em possibilidade quando intervém Deus, Senhor do Impossível. Neste encontro se realiza o que o anjo anunciara a Zacarias a respeito de João: “Ficará cheio do Espírito Santo desde o seio de sua mãe” (Lc 1, 15). No encontro destas duas mulheres grávidas a profecia é vingada: João dança de alegria no ventre de Isabel e Maria será chamada de Bem-Aventurada porque acreditou que a Palavra do Senhor seria cumprida. Maria não é apenas uma mulher que sabe, mas uma mulher que crê. O Natal, no fundo, é um Deus que mantém a palavra e busca gente corajosa, como Maria, que se agarre a esta Palavra. No Natal, Deus diz: “Aqui estou!” e seria estranho que o homem não se deixasse encontrar. E, finalmente, Maria “recebendo aos pés da cruz o testamento do amor divino assumiu todos os seres humanos, como filhos e filhas, renascidos para a vida eterna, pela morte do Cristo” (Prefácio de Nossa Senhora). 


(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

 

CONTEMPLAR

 

Sem títuloc. 2013, Elli Cassidy, Galeria da Maternidade, Louth, Lincolnshire, Inglaterra, Reino Unido.

 



quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

O Caminho da Beleza 03 - III Domingo do Advento

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


III Domingo do Advento                

Sf 3, 14-18               Fl 4, 4-7              Lc 3, 10-18

 

 

ESCUTAR

 

O Senhor, teu Deus, está no meio de ti, o valente guerreiro que te salva; ele exultará de alegria por ti, movido por amor; exultará por ti, entre louvores, como nos dias de festa (Sf 3, 17-18).

 

Alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito, alegrai-vos. Que a vossa bondade seja conhecida de todos os homens! O Senhor está próximo! (Fl 4, 4).

 

“Eu vos batizo com água, mas virá aquele que é mais forte do que eu. Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias. Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo” (Lc 3, 16).

 

 

MEDITAR

 

O Evangelho convida-nos sempre a abraçar o risco do encontro com o rosto do outro, com a sua presença física que interpela, com os seus sofrimentos e suas reivindicações, com a sua alegria contagiosa permanecendo lado a lado. A verdadeira fé no Filho de Deus feito carne é inseparável do dom de si mesmo, da pertença à comunidade, do serviço, da reconciliação com a carne dos outros. Na sua encarnação, o Filho de Deus convidou-nos à revolução da ternura.


(Francisco, Evangelii Gaudium)

 

 

 ORAR

 

            A dinâmica da vida cristã se realiza na resposta a uma tríplice vocação: a da esperança, a da conversão do olhar e a da alegria. Temos uma vocação à alegria ainda que tentem nos incutir que a felicidade está proibida e que devemos suportar, nesta terra, um “vale de lágrimas”. A alegria da comunidade eclesial é a melhor prova da existência de Deus. O cristão deve aprender a praticar a ascese da felicidade, a penitência do sorriso e o cilício da serenidade. Esta alegria é conquistada quando saímos de nós mesmos, do nosso egoísmo e nos abrimos a Deus para acolher os seus desígnios em nossa vida. E esta acolhida não implica numa dimensão intimista, mas numa abertura ao mundo inteiro. Quando o “valente guerreiro que te salva” (Sf 3, 17) está no meio de nós, podemos começar do zero e inventar outra história: dizer sim a Deus e ao próximo. João, o Batista, revela que o sinal da descoberta da presença do próximo está na nossa capacidade de partilhar: “Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo!”. A regra de ouro dos sinais do Reino está na justiça e não na extorsão; na recusa da violência, da mentira e da busca insana do proveito próprio com o prejuízo dos outros. João proclama a conversão como descoberta do próximo e esta descoberta como elemento essencial da nossa alegria. O Cristo reitera que só sendo um ser-em-comunhão é que poderemos atingir a felicidade. A alegria cristã é marcada pela afabilidade, esta capacidade de não fazer dramas por ninharias; de aniquilar toda a ansiedade e inquietude e de exorcizar toda a angústia: “Não vos preocupeis!”. A alegria é a nossa capacidade de dar graças e para o cristão ser significa ser na alegria. Temos que ser sinais de alegria neste mundo necessitado de tréguas e de repouso; neste mundo em desânimo e depressivo onde o acumular é a chave mestra do viver e os caminhos se tornaram tortuosos pela cobiça e pela ambição. Este Menino é a luz do mundo e temos que resplandecer esta luz para que não seja apagada pelos ventos do orgulho e da soberba, que carregam consigo a calúnia e a difamação. É a humildade profética que nos liberta para o anúncio de Cristo a todos os povos e nações: “Eu não sou digno de desamarrar a correia de suas sandálias”. A manjedoura desvela que a casa do Senhor é o lugar dos abraços, da partilha e da comunhão. É o lugar onde todos, sem discriminação, podem e devem saciar-se da ternura do Pai. E nela somos convidados a entrar em todas as horas do dia e todos os dias do ano, dizendo: “Alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito, alegrai-vos”.

 

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

 

CONTEMPLAR

 

Uma Vida na Morte, 2013, Nancy Borowick (1985-), World Press Photo, Associated Press Photo, Chappaqua, Nova Iorque, Estados Unidos.




 

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

O Caminho da Beleza 02 - Imaculada Conceição de Maria

Como se visse o Invisível, mantinha-se firme (Hb 11, 27).


Imaculada Conceição de Maria                   

Gn 3, 9-15.20                    Ef 1, 3-6.11-12                    Lc 1, 26-38

 

ESCUTAR

O Senhor Deus chamou Adão, dizendo: “Onde estás?” (Gn 3, 9).

Nós fomos predestinados a ser, para o louvor de sua glória, os que de antemão colocaram a sua esperança em Cristo (Ef 1, 11-12).

“Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!” (Lc 1, 28).

 

MEDITAR

Maria sente que Jesus é seu filho, inteiramente seu, e que ele é Deus. Ela contempla e medita: “Este Deus é meu filho. Esta carne divina é minha carne. Ele é feito de mim, tem meus olhos, e essa forma da sua boca é a forma da minha. Ele se assemelha a mim. É Deus, mas semelhante a mim”. Nenhuma mulher teve, assim, seu Deus só para si. Um Deus muito pequenino, que se pode tomar nos braços e cobrir de beijos, um Deus bem quentinho, que sorri e respira. Um Deus que se pode tocar e está vivo. É por isso mesmo, por ter sido ela a única a quem Deus se entregou tão completamente, deixando-a vê-Lo assim tão absolutamente tal qual Ele é, que nós dizemos que ela é cheia de graça e bendita entre as mulheres.

(Jean-Paul Sartre)

 

ORAR

       A primeira palavra da parte de Deus a seus filhos, quando o Salvador se aproxima do mundo, é um convite à alegria. É o que escuta Maria: “Alegra-te”. Jürgen Moltmann, o grande teólogo da esperança, a expressou assim: “A palavra última e primeira da grande libertação que vem de Deus não é ódio e sim alegria; não é condenação e sim absolvição. Cristo nasce da alegria de Deus e morre e ressuscita para trazer sua alegria a este mundo contraditório e absurdo”. Porém, a alegria não é fácil. A ninguém se pode forçar que fique alegre; não se pode impor desde fora a alegria. O verdadeiro gozo deve nascer no mais fundo de nós mesmos. Do contrário, será riso exterior, gargalhada vazia, euforia passageira, mas a alegria permanecerá fora, à porta de nosso coração. O novelista alemão Hermann Hesse diz que os rostos atormentados, nervosos e tristes de tantos homens e mulheres se devem a que “a felicidade só a alma pode senti-la, não a razão, nem o ventre, nem a cabeça, nem o bolso”. Mas há algo mais. Como se pode ser feliz quando há tantos sofrimentos sobre a terra? Como se pode rir quando ainda não estão secas todas as lágrimas e brotam diariamente outras novas? Como gozar quando duas terças partes da humanidade se encontram afundadas na fome, na miséria ou na guerra. A alegria de Maria é o gozo de uma mulher crente que se alegra em Deus salvador, a que levanta os humilhados e dispersa os soberbos, a que cumula de bens os famintos e despede vazios os ricos. A alegria verdadeira só é possível no coração daquela que anseia e busca justiça, liberdade e fraternidade para todos. Maria se alegra em Deus porque vem consumar a esperança dos abandonados. Só se pode ser alegre em comunhão com os que sofrem e em solidariedade com os que choram. Só tem direito à alegria quem luta por fazê-la possível entre os humilhados. Só pode ser feliz quem se esforça por fazer felizes aos demais. Só pode celebrar o Natal quem busca sinceramente o nascimento de um homem novo entre nós.

(José Antonio Pagola)

 

CONTEMPLAR

Imigrantes nigerianas choram e se abraçam num centro de detenção para refugiados na Líbia, 2016, Daniel Etter (1980-), World Press Photo Contest 2017, Alemanha.