sexta-feira, 26 de julho de 2024

O Caminho da Beleza 36 - XVII Domingo do Tempo Comum

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).

XVII Domingo do Tempo Comum              

2 Rs 4, 42-44                     Ef 4, 1-6                   Jo 6, 1-15

 

 

ESCUTAR

 

“E Eliseu disse: ‘Dá ao povo para que coma’. Mas o seu servo respondeu-lhe: ‘Como vou distribuir tão pouco para cem pessoas?’. Eliseu disse outra vez: ‘Dá ao povo para que coma; pois assim diz o Senhor: ‘Comerão e ainda sobrará’” (2 Rs 4, 43).

 

“Eu, prisioneiro no Senhor, vos exorto a caminhardes de acordo com a vocação que recebestes: com toda a humildade e mansidão, suportai-vos uns aos outros com paciência, no amor” (Ef 4, 1-2).

 

“André, o irmão de Simão Pedro, disse: ‘Está aqui um menino com cinco pães de cevada e dois peixes. Mas o que é isso para tanta gente?’” (Jo 6, 8).

 

 

MEDITAR

 

No ventre em que o ódio se instalou primeiro, o amor não encontra lugar.

 

(Provérbio da Costa do Marfim)

 

O contrário da felicidade não é a tristeza, mas um coração endurecido. É recusar se deixar tocar pelos outros, colocar uma barreira para impedir o coração de se comover. Se quisermos ser felizes é preciso sair de nós mesmos e sermos vulneráveis.

 

(Timothy Radcliffe)

 

 

ORAR

 

Jesus testemunha que a humildade, a mansidão, e a paciência devem caminhar juntas com a justiça. Não podemos nos contentar com apenas deixar cair migalhas da nossa mesa; nem entregar aos milhares de Lázaros, que batem à nossa porta, as sobras das nossas farturas. Não se distribuem as sobras antes do banquete e o Senhor nos convida para o banquete que nos sacia em plenitude e não para matar a fome com o que dele sobra. A eucaristia é a celebração da abundância e não uma mera lembrança facultativa dos pobres e famintos. Jesus impede que a comunidade dos que O seguem se feche sobre si mesma e nos ensina que somente uma igreja disposta a “perder” pode representar uma esperança concreta no deserto do mundo. O Cristo exige de nós a pobreza e o serviço, pois a pobreza coloca o mínimo à disposição de todos e o serviço exige que a Igreja de Jesus seja uma igreja despojada, modesta e sem importância aos olhos dos poderosos e abastados. Jesus testemunha que a desproporção das medidas se anula quando o pouco que se tem e o nada que se é se convertem no tudo que se dá e se dispõe. Ter fé não é acreditar em milagres, mas acreditar que o Cristo para fazer um milagre necessita do pouco que temos e oferecemos gratuitamente. Ter fé significa aceitar que Ele transforme nosso coração de pedra acostumado aos cálculos exatos em corações de carne capazes de saciar as pessoas em meio à irracionalidade das carências e das perdas. O evangelista nos coloca diante da pobreza simbolizada por cinco pães e dois peixes com os quais é impossível alimentar uma multidão. O menino frágil entrega tudo o que tinha para se alimentar e, na generosidade do seu coração, o mínimo se torna o ponto de partida para o máximo: um mínimo multiplicado. Jesus transmuta a pobreza e revela que somos infinitamente ricos quando, mesmo com as mãos vazias, as temos plenas de dons da compaixão. Jesus ensina que não há vida humana que, apesar de sua pequenez, não possa se transformar em riqueza divina e que esta bênção preenche o coração de felicidade. No “milagre da multiplicação” não há lugar para nenhum cálculo e, no entanto, tudo parece mais rico, mais bonito, mais frutuoso e mais transbordante do que antes. Os sete pães e os dois peixes restam como são e não mudam de forma e consistência e, no entanto, é nesta aparência exterior que Deus vem às nossas vidas. Somos convidados a comer todos juntos e nos fartar dos dons oferecidos pela fecundidade da vida, pois “há um só Deus Pai de todos, que reina sobre todos, age por meio de todos e permanece em todos”. Jesus pede ao Pai que alimente a multidão assim como a comunidade eclesial pede ao Espírito Santo que transforme o pão e o vinho em Corpo e Sangue de Cristo que nos alimenta, salva e nos dá coragem. A eucaristia entrega, de mão em mão, o Corpo e o Sangue do Cristo e nos torna lúcidos para que saibamos que jamais O possuiremos como uma coisa agregada de valor sagrado, mas que O encontraremos como Pessoa elevando a nossa dignidade humana como um dom e uma bênção. Não podemos esquecer que a eucaristia é a proclamação de que a morte foi aniquilada e que Jesus revela que o amor pode ser multiplicado ainda que seja pouco o que ousamos dar de ternura e compaixão uns aos outros.

 

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

 

CONTEMPLAR

 

A Santa Ceia (detalhe), 2003, Arcabas (Jean-Marie Pirot) (1926-), óleo sobre tela, 0,81 m x 0,65 m, Saint-Pierre-de-Chartreuse, França.




































quarta-feira, 17 de julho de 2024

O Caminho da Beleza 35 - XVI Domingo do Tempo Comum

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).

XVI Domingo do Tempo Comum                

Jr 23, 1-6                Ef 2, 13-18              Mc 6, 30-34

 

ESCUTAR

“Suscitarei para elas novos pastores que as apascentem; não sofrerão mais o medo e a angústia, nenhuma delas se perderá” (Jr 23, 4).

Ele, de fato, é a nossa paz: do que era dividido, ele fez uma unidade. Em sua carne destruiu o mundo de separação: a inimizade (Ef 2, 14).

Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor (Mc 6, 34).

 

MEDITAR

Se a Igreja for se apresentar como instituição de poder, ou sistema ideológico ou simples tradição religiosa, as pessoas não encontrarão mais nela as respostas para as suas verdadeiras ou mais profundas perguntas. Esta é uma das razões decisivas para o abandono do Cristianismo: seu modelo de vida, como parece claro, não convence. Parece limitar o homem em tudo, estragar a sua alegria de viver, limitar a sua liberdade tão preciosa e conduzi-lo não ao mar aberto, mas à angústia e ao sufocamento.

 

(Papa Bento XVI)

 

 

ORAR

O risco mais fundamental que perpassa a história do cristianismo é o descuidar das pessoas. Ocupamo-nos e nos preocupamos com tantas coisas que esquecemos a ocupação principal: deixarmo-nos encontrar para cuidarmos uns dos outros. O Cristo derruba os muros para aniquilar o ódio e a intolerância que separam as pessoas da vivência do amor. Cristo é Aquele que une, que reconcilia e que não aceita a existência de povos divididos. Pelo seu sangue derramado nos torna próximos de Deus e próximos uns dos outros. Por esta razão, não tem sentido algum um muro de defesa e uma linha de exclusão. O profeta exclamava: “Não temos um só Pai? Não nos criou um mesmo Deus? Por que trabalhamos tão perfidamente uns contra os outros?” (Ml 2, 10).  O papa Francisco preocupa-se em destruir a inimizade cujo vírus se aninha no coração de cada um para criar uma mentalidade de paz que promova a unidade, o respeito, a tolerância e a confiança. O cristianismo, comprometido com o amor, exclui todo recurso a qualquer forma de domínio, de poder, de arbitrariedade e discriminação. O amor responde pelas convicções profundas e liberta nossos espíritos da dependência cega e de fanatismos vários. Quem despertará entre nós a compaixão? Quem dará às igrejas um rosto mais parecido com o de Jesus? Quem nos ensinará a olhar como Ele olhava? Há tempos em que aquele que não é capaz de guiar está condenado a perseguir. Onde o Evangelho abre caminho, sofre-se mais. O tempo da vida bela, boa e abençoada é o do Reino que vem, quando desaparecerão as instituições eclesiásticas, porque a esposa do Senhor será a humanidade redimida. 

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Casta Meretrix, 1987, Jim (José Inácio Marim/ 1946-), desenho a nanquim, 40 cm x 65 cm, São Paulo, Brasil.




 

sexta-feira, 12 de julho de 2024

O Caminho da Beleza 34 - XV Domingo do Tempo Comum

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).

XV Domingo do Tempo Comum                  

Am 7, 12-15                        Ef 1, 3-14                 Mc 6, 7-13

 

ESCUTAR

“Não sou profeta nem sou filho de profeta; sou pastor de gado e cultivo sicômoros” (Am 7, 14).

“Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Ele nos abençoou com toda a bênção do seu Espírito em virtude de nossa união com Cristo, no céu” (Ef 1, 3).

“Se em algum lugar não vos receberem nem quiserem vos escutar, quando sairdes, sacudi a poeira dos pés, como testemunho contra eles!” (Mc 6, 11).

 

 

MEDITAR

 

Um grão amontoado apodrece, espalhado frutifica.

 

(São Domingos de Gusmão)

 

O preço do sofrimento depende da resposta que lhe dá o homem: suportado e aturado, não chega a produzir senão medíocres e deformados; assumido, é um meio poderoso de elevação, um apelo a um mais-ser. Nossa vida profunda só se mantém por um vaivém contínuo do rebaixamento ao afrontamento.

 

(Emmanuel Mounier)

 

 

ORAR

O profeta recebe um encargo que o leva a invadir, com certa ingenuidade, espaços rigorosamente protegidos. As bênçãos de Deus nem sempre são carícias e seus dons podem ser pedras toscas lançadas pelas mãos e bocas dos profetas contra as consciências adormecidas. O profeta será sempre um intruso em nossas vidas e instituições ajustadas e conformadas. A missão confiada por Cristo é se arriscar na pobreza, para que o caminho não se torne um fardo que estorve a força do Evangelho. O tom maior é mais sobre o levar do que o possuir. O Evangelho de Jesus Cristo não necessita de meios tecnológicos adequados e de ponta. A sua força e expansão estão nos encontros pessoais e amorosos e não nas parafernálias usadas que mais fazem desaparecer a Boa Nova do que torná-la visível. Devemos estar sempre a caminho e nunca instalados. O báculo para Jesus não servia para mandar, mas para caminhar. Jesus não pensa no que devemos levar para sermos eficazes, mas no que não devemos levar para não vivermos encerrados no nosso bem-estar. A Igreja de Jesus deve reaprender a viver em minoria no meio de uma sociedade secularizada e consumista. Depois de ser a religião oficial do Império Romano; de ter exercido durante séculos um poder hegemônico, as igrejas não conseguem caminhar sem o apoio de algum poder que lhes garanta atuar com privilégios e superioridade. O Evangelho é anunciado por aqueles que sabem viver com simplicidade, homens e mulheres livres que conhecem o prazer de caminhar pela vida, sem sentir-se escravos das coisas. Para o cristão, basta um amigo, uma amiga, um bastão e poucas sandálias para adentrar pelas veredas da Vida.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

O Caminho para Emaús, Daniel Bonnell, óleo sobre tela, Georgia, Estados Unidos.





 





 

quinta-feira, 4 de julho de 2024

O Caminho da Beleza 33 - XIV Domingo do Tempo Comum

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).

XIV Domingo do Tempo Comum                

Ez 2, 2-5                  2 Cor 12, 7-10                    Mc 6, 1-6

 

 

ESCUTAR

 

“Assim diz o Senhor Deus: Quer te escutem, quer não – pois são um bando de rebeldes – ficarão sabendo que houve entre eles um profeta” (Ez 2, 4-5).

 

“Irmãos: para que a extraordinária grandeza das revelações não me ensoberbecesse, foi espetado na minha carne um espinho, que é como um anjo de Satanás a esbofetear-me, a fim de que eu não me exalte demais (...). Pois, quando eu me sinto fraco, é então que sou forte” (2 Cor 12, 7.10).

 

“Jesus lhes dizia: Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares” (Mc 6, 4).

 

 

MEDITAR

 

É preciso começar deixando de concentrar a atenção sobre nós mesmos, para nos perguntarmos o que Ele quer de nós. É preciso começar aprendendo a amar, isto é, a desviar o olhar de nós mesmos para olhar para Ele. Se, nessa perspectiva, cessarmos de nos perguntar o que podemos obter, nos deixando simplesmente guiar por Ele, nos perdemos em Cristo, nos deixando levar, esquecendo de nós mesmos; então ficará claro como nossa vida coloca-se novamente nos trilhos, porque superamos a restrição egoística, a qual até então nos levava a nos concentrar sobre nossa pessoa. Quando, por assim dizer, saímos do aperto, só então começamos a perceber a grandiosidade da existência.

(Bento XVI)

 

ORAR

 

Os textos das Escrituras deste Domingo nos conduzem a fazer um elogio da fraqueza: Ezequiel deve afrontar um povo rebelde; Paulo se debate com um espinho na carne e Jesus é desprezado e proscrito, em Nazaré, a sua própria terra. O profeta Ezequiel é incisivo: “E tu, filho de Adão, não tenhas medo deles, não tenhas medo do que disserem, mesmo quando te rodearem espinhos e te sentares sobre escorpiões” (Ez 2, 6). O Senhor não garante nenhum êxito, mas exige que se pronuncie a palavra, pois o seu resultado não depende da competência do profeta. A palavra do Senhor deve semear inquietudes e nenhum profeta pode reduzir a Palavra ao que as pessoas gostam de ouvir, pois a palavra profética é imperiosa, confrontadora e, na maioria das vezes, a sua glória vem da sua derrota. Jesus se depara com a mentalidade mais estreita, com a mesquinharia e com os preconceitos, mas sem se deixar bloquear ou paralisar por eles, “percorre os povoados da redondeza, ensinando”. Jesus dá o testemunho de que devemos nos libertar do entorno sufocante dos mesquinhos e semear a palavra em outra parte, em campos abertos onde sopra o vento que renova sempre o ar. Jesus testemunha ainda que o maior escândalo é o profeta perseguido na sua própria terra, difamado pelos seus e proscrito pelos que O conheceram desde que nasceu: “Este homem não é o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? Suas irmãs não moram aqui conosco?”. É mais fácil acolher a Palavra de Deus quando ela aparece de uma maneira prodigiosa; é muito mais difícil reconhecê-la na fragilidade e fraqueza de um homem. A palavra profética torna-se perigosa quando ameaça a estabilidade, a ordem existente e os equilíbrios enganosos. O profeta não teme a solidão e continuará a proclamar em alta voz, quase aos gritos, a Palavra. Ele assim o fará para que não ceda ao cansaço e ao desânimo; para que ele mesmo se converta sempre cada vez que a ouve sair da sua garganta, comprometendo a sua vida e existência. O verdadeiro profeta não se preocupa quando os ouvintes se afastam e, mesmo que não sobre ninguém, continuará a proclamar a Palavra. Deixemos gravado em nosso coração o poema de Drummond: “Eu preparo uma canção que faça acordar os homens e adormecer as crianças”. 

 

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

 

CONTEMPLAR

 

Lamentação sobre o Cristo (detalhe), 1436-1441, Fra Angelico (c. 1390/5-1455), têmpera e ouro sobre painel, 109 x 166 cm, Museu de São Marco, Florença, Itália.