quarta-feira, 26 de junho de 2024

O Caminho da Beleza 32 - São Pedro e São Paulo

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).

São Pedro e São Paulo  

At 12, 1-11               2 Tm 4, 6-8.17-18            Mt 16, 13-19

 

ESCUTAR

“O anjo tocou o ombro de Pedro, acordou-o e disse: ‘Levanta-te depressa!’” (At 12, 7).

“Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé” (2 Tm 4, 7).

“Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16).

 

MEDITAR

Daí, de haver-te alguém querido um dia,

sei que também temos o direito de querer-te.

Mesmo que toda profundeza rejeitássemos:

se uma montanha tem ouro,

e ninguém mais quer explorá-lo,

um dia há de trazê-lo à tona o rio

que em pesado silêncio vai trabalhando 

as pedras.

 

Ainda que não queiramos:

Deus amadurece.

 

(Rainer Maria Rilke)

 

 

ORAR

A Igreja de Jesus, pobre e hospitaleira, nunca poderá estar aprisionada aos grilhões do poder, sejam os da perseguição ou os dos privilégios. Os mistérios foram e são revelados pelo Pai aos pequenos e não aos eruditos ou astutos. Pedro pertence à categoria dos simples seguidores que vivem com o coração aberto. É Jesus quem constrói a Igreja. Ela é sua e Jesus não a constrói sobre a areia. Pedro, como nós, será uma pedra nesta Igreja não por ter a solidez e a firmeza de temperamento. Pedro, honesto e apaixonado, é também inconstante e inconsistente. Seu poder repousa, simplesmente, sobre a sua fé em Cristo. Pedro é libertado da boca do leão, os dois sustentáculos do poder utilizados, em todo tempo, para a submissão de todos: o Estado e a Religião. Pedro exclama: “Agora eu sei, de fato, que o Senhor enviou o seu anjo para me libertar do poder de Herodes e de tudo o que o povo judeu esperava”. A Igreja de Jesus vive da sua dimensão peregrina, diversa e plural. Uma Igreja que durante a sua existência enfrentará situações de dilaceramentos e que nelas forjar-se-á como uma Igreja solidária e portadora da paz para todos os que sofrem perseguição por amor à justiça. Paulo, o que vive na liberdade do Espírito, revela que a travessia é duelo: combater, completar a corrida e guardar a fé. É a de sermos testemunhas vivas de que, apesar de tudo, somos capazes de manter a lealdade à comunidade fraterna de Jesus na qual aquele que se perde é o que se encontra. O Concílio Vaticano II vai consagrar a Igreja do Serviço: “Nenhuma ambição terrestre move a Igreja. Com efeito, guiada pelo Espírito Santo, ela pretende somente uma coisa: continuar a obra do próprio Cristo, que veio ao mundo para dar testemunho da verdade, para salvar e não para condenar, para servir e não para ser servido” (Gaudium et Spes, 3). Devemos ter cuidado ao usarmos metáforas para a Igreja de Jesus, sobretudo a da barca. No final do livro de Atos, todos são salvos não por estarem protegidos na barca, mas pela partilha do pão abençoado na presença de todos, por todos comido e, por isso, animados, alimentados e saciados. A barca encalhou nas correntes de suas próprias âncoras e, ironia do destino, ficou presa em si e por si mesma (At 27, 41). A comunidade eclesial deve ser a comunidade concreta de homens e mulheres, a Igreja de Jesus, que vai ao encontro e ao diálogo com todos os outros homens e mulheres do mundo. Uma Igreja pobre, mas rica de compaixão que não faz nas barcas do poder a sua travessia para a vida eterna, pois o Senhor prevenira que destas barcas sobrarão apenas os pedaços espalhados pelo mar da história.

 

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Navegantes, Salvador, 1949, Pierre Verger (1902-1996), Galeria Fundação Pierre Verger, Salvador, Bahia.




quarta-feira, 19 de junho de 2024

O Caminho da Beleza 31 - Natividade de São João Batista

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).

Natividade de São João Batista                   

Jr 1, 4-10                 1 Pd 1, 8-12             Lc 1, 5-17

 

ESCUTAR

“Antes de formar-te no ventre materno, eu te conheci” (Jr 1, 5).

“Sem ter visto o Senhor, vós o amais. Sem o ver ainda, nele acreditais” (1 Pd 1, 8).

“Deus ouviu tua súplica. Tua esposa, Isabel, vai ter um filho, e tu lhe darás o nome de João” (Lc 1, 13).

 

MEDITAR

Se fossemos capazes de ver o Cristo em nosso próximo, não haveria necessidade de armas e generais. Frequentemente, nós cristãos, pregamos um Evangelho que não vivemos. Esta é a razão pela qual o mundo não crê.

(Madre Teresa de Calcutá)

 

ORAR

João nos inquieta com a frase: “Entre vós está alguém que vós não conheceis”. Conhecer é mais que decorar ideias e doutrinas. Conhecer, na linguagem bíblica, é o encontro de pessoas que expressam uma comunhão íntima. Conhecer não está vinculado ao saber, mas a uma experiência vital. A pergunta que devemos fazer é se temos, de fato, alguma coisa a ver com o Cristo. Se nossas vidas, preferências, ações têm algo a ver com o seu Evangelho. João, filho do sacerdote Zacarias e sua mãe Isabel que descendia da família de Aarão, não foi ao Templo para continuar a vocação da sua família. Foi ao deserto, viver como um asceta e de lá anunciou uma salvação que não vinha nem do Templo, nem do clero, nem do sagrado e nem da religião estabelecida. João não aceitou nenhum título e se via como um João ninguém. Como uma voz que clama no deserto. Não se trata de humildade, mas a lucidez de que a partir do despojamento de qualquer pretensão é que poderemos ser um testemunho autorizado da Luz, que é Jesus. João foi uma voz escutada e acolhida por uns: “os publicanos e as prostitutas” (Mt 21,32) e rejeitada por outros: “os sacerdotes e senadores”(Mt 21,23). Os que são ninguém escutam e acolhem a voz do Senhor. Os titulados a rejeitam. Se um profeta não incomoda e não nos coloca em crise, só pode haver duas razões: ou não é profeta ou somos alérgicos à profecia. O Evangelho transtorna nossas seguranças e nossa “ordem”. Jesus, anunciado por João, era o Kaos frente aos Cosmos, o mundo político, social e religioso daquele tempo. Esta falsa ordem em que vivemos só se resolve mediante a “desordem” que é o Evangelho. O profeta é o que grita: “Endireitai o caminho do Senhor”, ao mesmo tempo em que os chefes asseguram que tudo está em ordem e que nada é preciso mudar. O profeta é difamado, excomungado, asilado e abandonado. Morre na infâmia e na suspeita para, pouco depois, ser exaltado e consagrado. Teremos sempre a necessidade de uma voz insolente, pois, se ela faltar, o Senhor pode nos condenar a dormir para sempre e a paz dos nossos corações será a paz dos cemitérios. Devemos acolher a voz inoportuna do homem de Deus que grita: “Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara).

 

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Vá em frente, João, o Batista, 2008, Jack Baumgartner (1976-), óleo sobre tela, Rose Hill, Kansas, Estados Unidos.

 


quarta-feira, 12 de junho de 2024

O Caminho da Beleza 30 - XI Domingo do Tempo Comum

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).

XI Domingo do Tempo Comum                   

Ez 17, 22-24                       2 Cor 5, 6-10                     Mc 4, 26-34

 

ESCUTAR

“Eu sou o Senhor que abaixo a árvore alta e elevo a árvore baixa; faço secar a árvore verde e brotar a árvore seca. Eu, o Senhor, digo e faço” (Ez 17, 24).

“Caminhamos na fé e não na visão clara” (2 Cor 5, 7).

“A semente vai germinando e crescendo, mas ele não se sabe como isso acontece” (Mc 4, 27).

 

MEDITAR

Não desfaleças, deixa-te absorver pelo amor. Não podes saber para onde te levo... Não esperes, sobretudo, velhice tranquila, pacífica, considerada. Teu caminho é luta sem tréguas, até o fim, até o impossível.

(J. L. Lebret)


ORAR

Somos chamados a recuperar os valores autênticos da pequenez, da obscuridade, da debilidade, da pobreza e da fragilidade. O Senhor elege as realidades mais humildes para realizar seus desígnios de grandeza imensuráveis segundo critérios e medidas humanas. A parábola de hoje nos fala de um processo germinal interno de cada pessoa e sociedade. Jesus semeia o Reino pregando o evangelho. Ele não se preocupa em conduzir a colheita e nem se ela acontecerá imediatamente. O desenvolvimento misterioso do Reino é assunto de Deus, pois é a sua obra e o seu segredo. Somos convidados a superar a impaciência, o imediatismo e os frenesis das soluções miraculosas. O Reino irrompe no meio de nós sem o sensacionalismo dos espetáculos, mas numa permanente ação silenciosa. A palavra-chave é “ele não sabe como isso acontece”, ou seja, não entendemos nada e sabemos menos ainda. É o grande sorriso de Deus sobre nós, e como diz o Papa Francisco: “É preciso deixar que Deus nos surpreenda”. Assim é o amor de Deus: na fragilidade se revela forte e faz do impossível o possível. As transformações profundas que revelam a presença de Deus vêm dos pequenos, dos últimos e dos insignificantes. Deus se faz presente não porque a sociedade se torna mais religiosa, mas porque se faz mais humana, mais justa e solidária. Deus não reina porque as igrejas estão cheias, nem porque os movimentos religiosos se espalham nas praças, nas praias, nas marchas e passeatas. Deus reina porque e quando os homens e mulheres amam e são mais honrados e respeitados na sua dignidade e em seus direitos diversos e plurais. Meditemos as palavras do Papa Francisco: “A misericórdia de Deus é a sua responsabilidade por nós. Ele sente-Se responsável, deseja nosso bem e quer nos ver felizes, cheios de alegria e serenos. Tal como Ele é misericordioso, assim somos chamados também nós a ser misericordiosos uns para com os outros” (Misericordiae Vultus). Afinal, o Reino de Deus é de Deus!

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

A Semente de Mostarda, Jen Snyder, série “A Revelação”, tela sem moldura, 20 x 20 cm, Carolina do Norte, Estados Unidos.




quinta-feira, 6 de junho de 2024

O Caminho da Beleza 29 - X Domingo do Tempo Comum

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).

X Domingo do Tempo Comum                     

Gn 3, 9-15               2 Cor 4, 13-5, 1                  Mc 3, 20-35

 

ESCUTAR

“A mulher que tu me deste por companheira, foi ela que me deu o fruto da árvore, e eu comi” (Gn 3, 12).

“Por isso, não desanimamos. Mesmo se o nosso homem exterior se vai arruinando, o nosso homem interior, pelo contrário, vai-se renovando dia a dia” (2 Cor 4, 16).

“Os parentes de Jesus saíram para agarrá-lo, porque diziam que estava fora de si” (Mc 3, 21).

 

MEDITAR

Homens políticos, homens de Igreja ou cidadãos comuns, estamos sempre repetindo as mesmas falas, sempre moendo a mesma farinha. Trata-se de falta de fé no desconhecido, no incognoscível. Não caminhamos em direção ao novo. Repetimos a mesma ladainha (...). Mas seria isso fé na vida, no sentido de que, de qualquer forma, ela é sempre risco e exige audácia? Não seria antes uma certeza, uma segurança que adormece a vida em insignificância e irresponsabilidade?

(Françoise Dolto)

 

ORAR

Nossos mecanismos de fuga são revelados. Adão responde: “A mulher que tu me deste” e Eva afirma “A serpente me enganou”. Desta forma, inicia-se o ciclo das culpabilidades que percorrem nossa travessia: transferências, projeções e uma enxurrada acusatória e impiedosa. Tudo é culpa de alguém e somos todos vítimas indefesas. A vida é madrasta e por isso cabe a nós a vitimização das nossas “pessoinhas”, para que nos escondamos por detrás das culpas dos outros. “Onde estás?” É a indagação simples que devemos aprender para que possamos nos apresentar na verdade/nudez do nosso ser, sem subterfúgios e ridículas justificativas. No Evangelho, Jesus é apresentado como desequilibrado, fora de si. E “fora de si” significa dizer que Jesus está fora “deles”, dos seus modelos, previsões, seguranças e costumes. É necessário construir um ethos do amor distante da atitude tomada pelos parentes de Jesus: a defesa de seus próprios interesses, esquemas e rotinas. Muitas vezes não nos dispomos a “estar fora” das modas, das ideologias, da competição e das vaidades. Desejamos “estar dentro” do poder, dos negócios, da carreira, dos privilégios, da popularidade e do espetáculo que está na moda. E, no entanto, a loucura evangélica deveria ser a enfermidade hereditária, contagiosa da “nova família” do Cristo: “Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”. Loucura das loucuras! A blasfêmia contra o Espírito Santo é a pretensão de seguir a Cristo “sem perder a cabeça” (Cura d’Ars). É recusar a loucura do amor, o componente essencial da santidade a que somos chamados.  Amar demais é o nosso destino. O pecado sem perdão é a presunção de querer mudar o mundo sem ser sinal de contradição e colocando o Espírito sob liberdade vigiada. Não foram os grandes pecadores que assassinaram Jesus, mas pessoas medíocres, míopes guardiões dos dogmatismos e intolerâncias. Vivemos imersos em mundos e igrejas onde existem a rasura da iniquidade e a negação da verdade e do amor. Mais do que nunca, devemos proclamar que fora da loucura não há salvação!

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Dom Hélder Câmara, foto, s.d., autoria desconhecida.