quinta-feira, 26 de agosto de 2021

O Caminho da Beleza 41 - XXII Domingo do Tempo Comum

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

XXII Domingo do Tempo Comum              29.08.2021

Dt 4, 1-2.6-8           Tg 1, 17-18.21-22.27        Mc 7, 1-8.14-15.21-23

 

ESCUTAR

Nada acrescenteis, nada tireis à palavra que vos digo, mas guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus que vos prescrevo (Dt 4, 2).

Sede praticantes da Palavra que em vós foi implantada e que é capaz de salvar as vossas almas (Tg 1, 22).

“Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim” (Mc 7, 6).

 

MEDITAR

Sabemos agora para não mais duvidar, devemos saber e não mais esquecer, que há uma boca do coração, que há uma língua do coração. Foi esta boca que “se encheu de alegria” (segundo o salmo) (126, 2). É por esta boca que oramos interiormente a Deus, com os lábios fechados, mas com a consciência aberta. Tudo está em silêncio, mas um grito sobe do coração; para os ouvidos de quem? De um homem? Não; para os ouvidos de Deus.

(Agostinho de Hipona, 354-430, Argélia)

 

ORAR

    Jesus não podia admitir a arrogância com a qual os fariseus e os escribas tratavam “os camponeses”, não somente denunciando sua ignorância às tradições dos pais e dos comentários rabínicos, mas tirando disto o pretexto para lhes recusar a proximidade de Deus. Segundo eles, não há religião possível para quem não se submete em detalhe à sua interpretação da lei mosaica e à sua explicação da Escritura. A questão do puro e do impuro coloca bem o problema da rejeição depreciativa de uma categoria social e isso já exaspera Jesus o suficiente a ponto de enfurecê-lo... É um problema ainda bem atual.  Uma porção de estudiosos considera que a Igreja, particularmente do ponto de vista moral, não faz senão manter um código de vida burguês, reafirmando certos valores que se fundam metafisicamente numa essência e vontade divinas e que são, portanto, declarados válidos “por si mesmos”. É claro que a religião corre o risco contínuo de se degenerar em simples ideologia social e de se transformar assim em instrumento de dominação de classe a serviço de estruturas de poder e de alienação... Se a religião se presta a manter e absolutizar tais atitudes, ela contradiz a ideia que os profetas tinham de uma verdadeira comunidade de seres humanos unidos na liberdade e igualdade diante de Deus. Não se pode mais falar então de “povo de Deus”: trata-se simplesmente de uma seita que pretende se impor à outra em nome de Deus... Para Jesus, a questão de Deus só se coloca na verdade se cessamos de nos preocupar com o que vamos dizer. Porque viver na angústia, a propósito do que “é preciso” e do que “não é preciso”, é viver na aparência, é divinizar o homem em lugar de acreditar em Deus... Quanto mais tempo nos deixarmos conduzir pelo medo do que dirão os vizinhos, os pais, os superiores, os terceiros, permaneceremos escravos da tradição e das convenções e estaremos continuamente obrigados a negar a nós mesmos; é fora de propósito erigir em verdadeira religião essa espécie de auto renúncia em proveito do grupo. A única coisa importante é caminhar interiormente em direção a Deus. Para isso, é capital ser coerente consigo mesmo e se exprimir a si mesmo por seus atos. Em outras palavras, trata-se de colocar um termo a esta alienação religiosa que consiste em forçar as pessoas a se apresentar exteriormente de maneira diferente do que são interiormente... O homem é chamado a ser livre. Ele tem direito à liberdade. Que não se venha, portanto, usar Deus como pretexto para explicar e provar doutamente aos outros o que devem fazer em dias de festa. Dele, só devemos falar o que brota verdadeiramente do coração... Que cada um fale em função não do calendário, mas do que sente interiormente. Porque é isso que Deus espera de nós e é apenas assim que poderemos acreditar que Deus nos escuta.

(Eugen Drewermann, 1940-, Alemanha)

 

CONTEMPLAR

Saudação, 2021, Stefano Petraccone, Monovisions Photography Awards 2021, Itália.




 

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

O Caminho da Beleza 40 - XXI Domingo do Tempo Comum

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

XXI Domingo do Tempo Comum                22.08.2021

Js 24, 1-2.15-18                Ef 5, 21-32              Jo 6, 60-69

 

ESCUTAR

“O Senhor, nosso Deus, ele mesmo é quem nos tirou, a nós e a nossos pais, da terra do Egito, da casa da escravidão” (Js 24, 17).

Vós que temeis a Cristo, sede solícitos uns para com os outros (Ef 5, 21).

“Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” (Jo 6, 60)

 

MEDITAR

O desconfinamento vai exigir uma intensa atenção ao outro: cada um deverá renunciar à impaciência, à insolência, à gulodice, à incivilidade de seu ego para dar prioridade à proteção do outro, meio eminente de entrar em relação com ele.

(François Cassingena-Trévedy, 1959-, França)

 

ORAR

        A opção fundamental, isto é, a decisão que define a história autêntica de toda pessoa, está no centro da experiência atual. Uma escolha frequentemente dramática, dilacerante, vivida repetidamente. A decisão pelo escândalo da pobreza e da humildade contra a ilusão do orgulho e do poder, a decisão por um Deus vivo e exigente contra os ídolos extintos, mas convenientes, e, se quisermos incluir a segunda leitura, a decisão pelo amor total contra o egoísmo na vida eclesial e matrimonial. A liberdade está no coração da fé e da moral. Temos visto que o “servir” bíblico significa adesão pessoal e espontânea. O “vós também vos quereis ir embora?” de Jesus é esclarecedor. Não se constrói nunca uma verdadeira fé senão sobre uma educação plena para a liberdade. Uma liberdade não só de qualquer coisa ou de qualquer um, ou seja, dos condicionamentos externos e internos (aspecto negativo, todavia fundamental, da liberdade), mas também liberdade para qualquer coisa e, sobretudo, para qualquer um, na doação positiva a Deus e aos irmãos. A liberdade de Jesus deve ser contagiosa até para o cristão, deve atravessar a pessoa, deve percorrer as instituições e ser a alma da Igreja. A liberdade é risco. Pode também desembocar na traição (Judas, os discípulos “que voltaram atrás”; o Israel pecador).  A medida da autêntica liberdade está no amor (Ef 5). Da Ética de Bonhoeffer: “Responsabilidade e liberdade são conceitos que se correspondem reciprocamente. A responsabilidade pressupõe a liberdade e esta não pode se basear senão na responsabilidade. A responsabilidade é a liberdade conferida aos homens unicamente pela obrigação que os vincula a Deus e ao próximo”.

(Gianfranco Ravasi, 1942-, Itália).

 

CONTEMPLAR

Washington Square, 1960, Dave Heath (1931-2016), Estados Unidos.




 

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

O Caminho da Beleza 39 - Assunção de Nossa Senhora

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

Assunção de Nossa Senhora              15.08.2021

Ap 11, 19;12, 1.3-6.10                  1 Cor 15, 20-27                  Lc 1, 39-56

 

ESCUTAR

Apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e, sobre a cabeça, uma coroa de doze estrelas (Ap 12, 1).

O último inimigo a ser destruído é a morte (1 Cor 15, 26).

Ele mostrou a força de seu braço: dispersou os soberbos de coração. Derrubou do trono os poderosos e elevou os humildes (Lc 1, 51-52).

 

MEDITAR

Amo-te quanto em largo, alto e profundo

Minha’alma alcança quando, transportada,

Sente, alongando os olhos deste mundo,

Os fins do Ser, a Graça entressonhada.

 

Amo-te em cada dia, hora e segundo:

À luz do sol, na noite sossegada

E é tão pura a paixão de que me inundo

Quanto o pudor dos que não pedem nada.

 

Amo-te com o doer das velhas penas;

Com sorrisos, com lágrimas de prece,

E a fé da minha infância, ingênua e forte.

 

Amo-te até nas coisas mais pequenas.

Por toda a vida. E, assim Deus o quisesse,

Ainda mais te amarei depois da morte.


(Elizabeth Barrett Browning, 1806-1861, Reino Unido) 

 

ORAR

     Maria nos remete primeiro ao mistério do Cristo. Essa palavra estranha e abstrata – assunção (os Orientais preferem dormição) – quer dizer simplesmente que Maria, a segunda Eva, venceu definitivamente a morte. Ela participa desde já, em sua alma e corpo, da glória do Cristo ressuscitado. Ela é a primeira resgatada e a primeira ressuscitada. É um privilégio inaudito. É por isso que se pode dizer que ela é a mãe de todos os homens e mulheres que nasceram para a vida no Cristo, como Eva é a mãe de toda a humanidade. Mas, ao mesmo tempo, esta pequena filha de Israel é totalmente nossa irmã em humanidade. É por isso que ela é por excelência o triunfo da graça, isto é do dom gratuito de Deus que precede toda obra, todo esforço e todo o mérito do homem. A única coisa que lhe é pedida é consentir com a Palavra de Deus. Isabel pode saudá-la como “bendita entre todas as mulheres”, porque ela acreditou na palavra do anjo. Ela é cheia de graças, em todos os sentidos da palavra graça, e, ao mesmo tempo, a plenitude da gratuidade – como dom de Deus e como dom do homem – e a plenitude inteiramente feminina do encanto e da beleza... Maria, na glória de sua Assunção, é um sinal de esperança para todos os pobres, oprimidos, pequenos, humildes de coração, para todas as mulheres em particular que são sempre exploradas de uma maneira ou de outra pelo egoísmo dos homens. É bom que a liturgia da Assunção nos faça ouvir o cântico do Magnificat. Esse canto de ação de graças nos revela a imagem de um Deus que faz justiça a todos os vencidos da história. É um grito de triunfo que celebra, contra todas as fatalidades da história, uma reviravolta extraordinária: Maria, a desconhecida jovem filha de Israel, torna-se a Rainha do Céu, a Mulher resplandecente que tem o sol por manto e a lua sob seus pés. E Maria é a promessa de uma reviravolta, de uma inversão de papéis que se aplica a toda história dos homens: “O Poderoso fez em mim maravilhas...ele derrubou os poderosos de seus tronos, elevou os humildes. Encheu de bens os famintos, despediu os ricos de mãos vazias”. Alguns hoje amam ver no Magnificat um verdadeiro canto revolucionário. Eles têm razão. Mas trata-se do poder revolucionário do Evangelho, isto é, da vida segundo as Bem-aventuranças. No 15 de agosto, voltamos nossos olhares para o céu e procuramos entrever Maria na glória inacessível de sua Assunção. Mas Maria mora conosco; ela nos mostra o caminho que vai da terra dos homens até a glória de Deus, que é o caminho das Bem-aventuranças. “Bem-Aventurada aquela que acreditou no cumprimento das palavras que lhe foram ditas da parte do Senhor!”... Bem-Aventurada não apenas porque ela é a Mãe de Deus, mas porque ela viveu todas as bem-aventuranças do Sermão da montanha: ela é terna e humilde de coração, ela é pobre em espírito, ela tem o coração puro, ela é misericordiosa, ela chora com aqueles que choram, ela tem fome e sede de justiça. Nós que procuramos sempre lutar contra a violência em nosso coração, em nossas famílias, em nossos casais, no mundo e na própria Igreja, nós a invocamos como Nossa Senhora da compaixão, Nossa Senhora da esperança, Nossa Senhora da paz, Nossa Senhora causa de nossa alegria, causa nostrae laetitiae.

(Claude Geffré, 1916-2017, França)

 

CONTEMPLAR

Os Olhos Alegres, 2018, Assam, norte da Índia, Saurabh Sirohiya (1985-), Kolkata, Índia.




quinta-feira, 5 de agosto de 2021

O Caminho da Beleza 38 - XIX Domingo do Tempo Comum

Os transbordamentos de amor acontecem sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa Francisco).

XIX Domingo do Tempo Comum                08.08.2021

1 Rs 19, 4-8             Ef 4, 30-5, 2                       Jo 6, 41-51

 

ESCUTAR

“Levanta-te e come! Ainda tens um caminho longo a percorrer” (1 Rs 19, 7).

Não contristeis o Espírito Santo, com o qual Deus vos marcou como com um selo para o dia da libertação (Ef 4, 30).

“O pão que darei é a minha carne dada para a vida do mundo”

 

MEDITAR

A Eucaristia é Deus feito presença ao lado da minha trajetória, pão no meu alforje, amizade próxima ao meu coração de homem... Este pão me fala de humildade, de pequenez, de dom de si... Pão que não é pedra, pão que não é luxo, pão que não é arma, pão que não é castigo, pão que não é ouro. E diz-me sobretudo que é com este pão, com o qual Ele se tornou pão, que alimentar-me-á de vida eterna. “Quem come deste pão tem a vida eterna” (Jo 6, 58).

(Carlo Carreto, 1910-1988, Itália)

 

ORAR

     As palavras de Jesus causam discussão entre os chefes religiosos, que se perguntam: “Como pode este dar-nos a comer a sua carne!” (Jo 6, 52). Se já era árduo aceitar que Jesus se proclamasse verdadeiro pão do céu, agora é impossível compreender o significado de comer a sua carne. Ignorando o manifesto desacordo dos judeus, Jesus prossegue inexorável no seu ensinamento e, ao comer a carne, acrescenta agora um elemento inaceitável para qualquer judeu: o sangue, que a Lei proibia severamente beber, pois era considerado a própria vida da pessoa (Lv 17, 14). No entanto, Jesus coloca exatamente o beber o sangue como condição para ter a vida: “Se não beberdes o meu sangue, não tereis vida em vós” (Jo 6, 53). Comer a carne de Jesus e beber o seu sangue é o que permite a todo homem realizar em si mesmo a filiação divina. Para evitar que seus ouvintes possam interpretar as suas palavras de modo figurado, Jesus acrescenta provocativamente: “Quem mastiga a minha carne e bebe o meu sangue tem vida eterna” (Jo 6, 54), e o evangelista usa o verbo “mastigar” (grego trogô), que significa triturar com os dentes. O uso desse verbo, repetido quatro vezes, pretende eliminar qualquer dúvida: a ação que Jesus exige não é simbólica, e sim concreta; não é espiritual, mas corpórea. É com crescente assimilação da carne e do sangue do unigênito Filho de Deus que o homem se transforma e se torna capaz do dom de si mesmo até o fim, como o Cristo. De fato, Jesus não se apresenta como modelo externo a ser imitado, mas como realidade interna a ser assimilada, que põe o crente em sintonia com o Senhor e o faz viver identificado com ele: “Quem me mastiga, também aquele viverá por mim” (Jo 6, 57). Quem vive por causa do Senhor possui o Espírito, e onde há o Espírito de Deus não pode haver a morte, por isso o homem já se encontra na condição de ressuscitado (Cl 3, 1). Insistindo na imagem do alimento e da bebida, Jesus faz compreender que, na nova realidade por ele inaugurada, a relação com o Pai não se realiza mediante a observância de regras externas ao homem (a Lei), mas por profunda assimilação da vida divina que está presente em Jesus (o Espírito). O homem não é absorvido por Deus, mas o Pai se comunica a ele, infundindo-lhe a sua própria capacidade de amor. Acolhendo esse dinamismo vital, o homem torna definitiva e eterna a própria existência.

(Alberto Maggi, 1945-, Itália)

 

CONTEMPLAR

Esperança e Desespero, 2020, Keith Manning, terceiro lugar no International Photo Awards 2020, Nova Iorque, Estados Unidos.