Os transbordamentos de amor acontecem
sobretudo nas encruzilhadas da vida, em momentos de abertura, fragilidade e
humildade, quando o oceano do amor de Deus arrebenta os diques da nossa
autossuficiência e permite, assim, uma nova imaginação do possível (Papa
Francisco).
XXII Domingo do Tempo Comum 29.08.2021
Dt
4, 1-2.6-8 Tg 1, 17-18.21-22.27 Mc 7, 1-8.14-15.21-23
ESCUTAR
Nada acrescenteis, nada tireis à palavra que vos digo, mas guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus que vos prescrevo (Dt 4, 2).
Sede praticantes da Palavra que em vós foi implantada e que é capaz de salvar as vossas almas (Tg 1, 22).
“Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim” (Mc 7, 6).
MEDITAR
Sabemos agora para não mais duvidar, devemos saber e não mais esquecer, que há uma boca do coração, que há uma língua do coração. Foi esta boca que “se encheu de alegria” (segundo o salmo) (126, 2). É por esta boca que oramos interiormente a Deus, com os lábios fechados, mas com a consciência aberta. Tudo está em silêncio, mas um grito sobe do coração; para os ouvidos de quem? De um homem? Não; para os ouvidos de Deus.
(Agostinho de Hipona, 354-430, Argélia)
ORAR
Jesus não podia admitir a arrogância
com a qual os fariseus e os escribas tratavam “os camponeses”, não somente
denunciando sua ignorância às tradições dos pais e dos comentários rabínicos,
mas tirando disto o pretexto para lhes recusar a proximidade de Deus. Segundo
eles, não há religião possível para quem não se submete em detalhe à sua
interpretação da lei mosaica e à sua explicação da Escritura. A questão do puro
e do impuro coloca bem o problema da rejeição depreciativa de uma categoria
social e isso já exaspera Jesus o suficiente a ponto de enfurecê-lo... É um
problema ainda bem atual. Uma porção de
estudiosos considera que a Igreja, particularmente do ponto de vista moral, não
faz senão manter um código de vida burguês, reafirmando certos valores que se
fundam metafisicamente numa essência e vontade divinas e que são, portanto,
declarados válidos “por si mesmos”. É claro que a religião corre o risco
contínuo de se degenerar em simples ideologia social e de se transformar assim
em instrumento de dominação de classe a serviço de estruturas de poder e de
alienação... Se a religião se presta a manter e absolutizar tais atitudes, ela
contradiz a ideia que os profetas tinham de uma verdadeira comunidade de seres
humanos unidos na liberdade e igualdade diante de Deus. Não se pode mais falar
então de “povo de Deus”: trata-se simplesmente de uma seita que pretende se
impor à outra em nome de Deus... Para Jesus, a questão de Deus só se coloca na
verdade se cessamos de nos preocupar com o que vamos dizer. Porque viver na
angústia, a propósito do que “é preciso” e do que “não é preciso”, é viver na
aparência, é divinizar o homem em lugar de acreditar em Deus... Quanto mais
tempo nos deixarmos conduzir pelo medo do que dirão os vizinhos, os pais, os
superiores, os terceiros, permaneceremos escravos da tradição e das convenções
e estaremos continuamente obrigados a negar a nós mesmos; é fora de propósito
erigir em verdadeira religião essa espécie de auto renúncia em proveito do
grupo. A única coisa importante é caminhar interiormente em direção a Deus.
Para isso, é capital ser coerente consigo mesmo e se exprimir a si mesmo por
seus atos. Em outras palavras, trata-se de colocar um termo a esta alienação
religiosa que consiste em forçar as pessoas a se apresentar exteriormente de
maneira diferente do que são interiormente... O homem é chamado a ser livre.
Ele tem direito à liberdade. Que não se venha, portanto, usar Deus como
pretexto para explicar e provar doutamente aos outros o que devem fazer em dias
de festa. Dele, só devemos falar o que brota verdadeiramente do coração... Que
cada um fale em função não do calendário, mas do que sente interiormente.
Porque é isso que Deus espera de nós e é apenas assim que poderemos acreditar
que Deus nos escuta.
(Eugen Drewermann, 1940-, Alemanha)
CONTEMPLAR
Saudação, 2021, Stefano Petraccone, Monovisions Photography Awards 2021, Itália.