terça-feira, 24 de abril de 2018

O Caminho da Beleza 23 - V Domingo da Páscoa


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).


V Domingo da Páscoa               29.04.2018
At 9, 26-31              1 Jo 3, 18-24                      Jo 15, 1-8


ESCUTAR

Saulo permaneceu com eles em Jerusalém e pregava com firmeza em nome do Senhor (At 9, 28).

Se o nosso coração nos acusa, Deus é maior que o nosso coração e conhece todas as coisas (1 Jo 3, 20).

“Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós” (Jo 15, 4).


MEDITAR

Humanamente falando nada me falta e posso dizer que estou cumulada, pois as irmãs são mais do que gentis para comigo. Também me sinto perfeitamente integrada na casa. Os exercícios não me custam e eu gosto do meu trabalho. Mas, isso é humanamente falando. No plano da oração, no plano interior estou abafada e eu sofro uma fome atroz de Deus. Eis que desde algum tempo luto, atrozmente, contra este desejo de buscar a Deus mais profundamente, mas apesar de todas as minhas forças, sinto o apelo para retomar a vida solitária. Creio que diante de Deus posso afirmar que não é pela vida solitária em si mesma, nem por vaidade humana, mas como um apelo para dar a Deus e a Igreja tudo o que meu ser tem ainda de vitalidade. Seria muito mais cômodo eu ficar metida no meu canto e deixar correr o tempo e as coisas. Mas sinto ainda a força e o dinamismo para empreender novamente uma outra experiência.

(Madre Belém, 1909-2011, fundadora do Mosteiro da Solitude, monja contemplativa de Sion, após ter vivido cinco anos em eremitério, Curitiba, Brasil)


ORAR

            “A tentação do homem moderno, dizia Claudel, é mostrar que não tem necessidade de Deus para fazer o bem”... Essa pretensão de se abster de Deus e de bastar-se a si mesmo é o que constitui o fundamento de um certo ateísmo moderno, mais ou menos difundido um pouco por todo canto, e que vai se exprimir em todos os níveis na paixão pela autossuficiência. Essa pretensão, que parece carregar em si uma aspiração de grandeza e de liberdade, destrói na realidade nosso ser no que tem, talvez, de mais essencial. Porque a raiz mesma de nossa existência é esse diálogo com Deus no qual recebemos dele a cada instante tudo aquilo que somos e no qual respondemos à graça com a ação de graças... E é aqui que descobrimos em sua profundidade o que constitui um dos aspectos mais essenciais da mensagem evangélica, mas que nem sempre discernimos o significado profundo: o mistério da divina Pobreza. O mistério da pobreza não é somente o fato de aceitar certos despojamentos no plano material, que aliás são os mais fáceis; é aceitar os despojamentos mais difíceis que são aqueles do plano do apego à nossa reputação ou ao nosso sucesso, quando estamos muito sensíveis ao que se pode dizer ou pensar de nós, ou os despojamentos no plano afetivo, que muitas vezes nunca consentimos. Esta pobreza nos faz aceitar que Deus disponha de nós livremente, quaisquer que sejam os sacrifícios que ele nos peça. Mas, mais profundamente ainda, o mistério da divina pobreza se encontra nessa atitude, que é essencialmente a atitude evangélica, e que consiste em não ter nada para si e a considerar as coisas como sendo sempre dons de Deus, que as dá e as retira quando ele quer.

(Jean Daniélou, 1905-1974, França).


CONTEMPLAR

Frei Christophe (Olivier Rebourdin), 2010, Marie-Julie Maille, fotógrafa do filme Des Hommes et des Dieux, de Xavier Beauvois, França.




segunda-feira, 16 de abril de 2018

O Caminho da Beleza 22 - IV Domingo da Páscoa


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).




IV Domingo da Páscoa             22.04.2018
At 4, 8-12                1 Jo 3, 1-2                Jo 10, 11-18


ESCUTAR

“Jesus é a pedra que vós, os construtores, desprezastes e que se tornou a pedra angular” (At 4, 11).

Caríssimos, vede que grande presente de amor o Pai nos deu: de sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos! (1 Jo 3, 1).

“Eu sou o bom pastor. Conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem” (Jo 10, 14).


MEDITAR

Meu filho, se acaso chegares, como eu cheguei a uma campina de horizontes arqueados, não te intimidem o uivo do lobo, o bramido do tigre; enfrenta-os nas esquinas da selva, olhos nos olhos, dedo firme no gatilho.

Meu filho, se acaso chegares a um mundo injusto e triste como este em que vivo, faze um filho; para que ele alcance um tempo mais longe e mais puro, e ajude a redimi-lo.

(Paulo Mendes Campos, 1922-1991, If)


ORAR

            É um espetáculo prazeroso o pastor cuidando de seu rebanho de ovelhas sobre as montanhas. Ao som da flauta, ele faz sair seus animais para conduzi-los ao pasto, e eis agora inteiramente tomados pelo encanto do instrumento e protegidos contra os ataques das feras selvagens pelo cajado e as armas que o pastor carrega consigo. Tal ocorre com o grande Pastor do povo cristão. Olhemos nosso Pastor, o Cristo. Vejamos sua habilidade plena de humanidade e de ternura, sua doçura para com suas ovelhas. Ele se rejubila com as que estão presentes e vai procurar também aquelas que se desgarram. Montanhas e florestas não lhe causam medo. Ele percorre as ravinas para chegar até a ovelha perdida. Mesmo se a encontra em estado lastimoso, ele não se zanga; mas, tocado de compaixão, ele a coloca sobre os ombros e, de seu próprio cansaço, cura a ovelha fatigada. Ele não se preocupa com seu cansaço, porque para ter encontrado seu bem isso valeu muito a pena. É com razão que o Cristo proclama: “Eu sou o bom pastor, eu procuro a ovelha perdida; eu reconduzo aquela que está desgarrada; eu trato daquela que está ferida; eu cuido daquela que está doente. Eu vi o bando de homens cobertos pela doença. Eu vi minhas pequenas ovelhas frequentar o albergue dos demônios. Eu vi meu rebanho despedaçado pelos lobos. Eu vi isso e não olhei apenas do alto. Eu também tomei a mão que se dessecava, tomada pelo mal como se fosse por um lobo. Eu desamarrei aqueles que a febre havia atado. Eu fiz ver àqueles cujos olhos estavam fechados desde o útero de sua mãe. Eu retirei Lázaro do túmulo onde ele jazia a quatro dias. Porque eu sou o bom Pastor, e o bom Pastor dá sua vida por suas ovelhas”. Pilatos conheceu esse pastor. Os Judeus conheceram esse pastor colocado na cruz pelos seus. O coração dos profetas conheceu esse pastor, quando, bem antes da Paixão, anunciou a atrocidade a vir: “Como uma ovelha, conduzida ao matadouro; cordeiro mudo diante dos tosquiadores, ele não abria a boca” (Is 53, 7). Como uma ovelha, o Pastor oferece sua garganta por suas ovelhas. Porque sua paixão era necessária... Por sua morte, ele redime a morte. Por seu túmulo, ele esvazia os túmulos... “O bom Pastor dá sua vida por suas ovelhas”: é assim que ele se propôs a ganhar a afeição de suas ovelhas. Ama o Cristo aquele que sabe ouvir a usa voz.

(Basílio de Seleucia, século V, Ásia Menor)


CONTEMPLAR

Irmão Lobo, s.d. [2008?], Jim Brandenburg (1945-), Minnesota, Estados Unidos.







quarta-feira, 11 de abril de 2018

O Caminho da Beleza 21 - III Domingo da Páscoa


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).




III Domingo da Páscoa                        15.04.2018
At 3, 13-15.17-19               1 Jo 2, 1-5                Lc 24, 35-48


ESCUTAR

“Vós rejeitastes o santo e o justo e pedistes a libertação para um assassino” (At 3, 14).

Quem diz: “Eu conheço a Deus”, mas não guarda os seus mandamentos, é mentiroso, e a verdade não está nele (1 Jo 2, 4).

“Vede minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Tocai em mim e vede! (Lc 24, 39).


MEDITAR

Não procures Deus sobre as montanhas, não procures Deus sobre Garizim ou sobre a colina de Sion, procura Deus em ti como uma fonte que jorra em vida eterna.

(Maurice Zundel, 1897-1975, Suíça).


ORAR

            Por mais que o valor histórico das aparições do Ressuscitado se possa colocar em questão, sua mensagem profunda é inquestionável. Tal mensagem não consiste apenas em afirmar que Jesus é o Vivente, que venceu a morte. Além disso, os relatos das aparições deixam muito claro que Jesus Ressuscitado, por mais que estivesse exaltado à direita de Deus (At 2, 33) e por mais que Deus o constituísse Senhor e Messias (At 2, 36) e Filho de Deus em plena força (Rm 1, 4), o mais inacreditável e o que mais impressiona é que, precisamente depois da ressurreição, é quando Jesus aparece e se mostra mais humano do que nunca. Uma vez que, em Jesus, Deus se fundiu e se confundiu com o humano, quando Jesus ressuscita, por mais divinizado que nós o pensemos e o criamos, a divinização não leva consigo nem um afastamento nem um mínimo de perda de sua condição humana, mas sim o contrário: é precisamente porque nós o vemos como mais divino, é que ele se faz mais profundamente humano. Isto explica porque Jesus é reconhecido ao partir o pão e porque sua presença arranca todos os medos e dúvidas, dando paz e alegria; porque se deixa ver, tocar e apalpar; come diante de todos, mostra-se antes do que todos às mulheres, explica-lhes as Escrituras, é condescendente às exigências de um incrédulo como Tomé e até pergunta a Pedro três vezes se tem certeza que ele o ama mais do que ninguém. Jesus ressuscitado também é sensível ao carinho humano e o necessita.

(José Maria Castillo, 1929-, Espanha)


CONTEMPLAR

Uma estória do peixe, da série “Crescendo na Escuridão”, 2012-2015, Mário Macilau (1984-), Maputo, Moçambique.




quinta-feira, 5 de abril de 2018

O Caminho da Beleza 20 - II Domingo da Páscoa




II Domingo da Páscoa       08.04.2018
At 4, 32-35     1 Jo 5, 1-6     Jo 20, 19-31

ESCUTAR

Os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus (At 4, 33).

Este é o que veio pela água e pelo sangue: Jesus Cristo (1 Jo 5, 6).

“A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. E depois de ter dito isto, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo (Jo 20, 21-22).


MEDITAR

A fé na ressurreição de Jesus não é crer em um prodígio insólito ou no mito de um outro mundo: é inserir-se em uma visão de história, é uma orientação de vida, uma decisão de todo instante, é um compromisso de viver uma vida sempre nova por ser incessantemente arrancada da complacência de si, da inércia, da autossuficiência. Aí está a verdadeira dificuldade de crer na ressurreição e a seriedade da fé que nela depositam.

(Joseph Moingt, 1915-, França)


ORAR

O relato de João não pode ser mais sugestivo e instigante. Somente quando Jesus ressuscitado vem no meio deles, os discípulos se transformam, recuperam a paz, desaparecem seus medos, enchem-se de uma alegria desconhecida, notam o alento de Jesus sobre eles e abrem as portas porque se sentem enviados a viver a mesma missão que ele havia recebido do Pai. A crise atual da Igreja, seus medos e sua falta de vigor espiritual tem sua origem num nível mais profundo: com frequência, a ideia da ressurreição de Jesus e de sua presença no meio de nós é mais uma doutrina pensada e pregada do que uma experiência vivida. Cristo ressuscitado está no centro da Igreja, mas sua presença viva não está enraizada em nós, não está incorporada à substância de nossas comunidades, não nutre cotidianamente nossos projetos. Depois de vinte séculos de cristianismo, Jesus não é conhecido e nem compreendido em sua originalidade, não é amado nem seguido como foi por seus discípulos e discípulas. Nota-se imediatamente quando um grupo ou uma comunidade cristã se sente como que habitado por essa presença invisível, mas real e ativa do Cristo ressuscitado. Não se contenta em seguir rotineiramente as diretrizes que regulam a vida eclesial; possui uma sensibilidade especial para escutar, buscar, recordar e aplicar o Evangelho de Jesus. São os espaços mais saudáveis e vivos da Igreja. Nada nem ninguém nos pode trazer hoje a força, a alegria e a criatividade que necessitamos para enfrentarmos uma crise sem precedentes, a não ser a presença viva do Cristo ressuscitado. Privados de seu vigor espiritual, não sairemos de nossa passividade quase inata, continuaremos com as portas fechadas ao mundo moderno, seguiremos fazendo “o mandado”, sem alegria nem convicção...Temos que reagir. Necessitamos de Jesus mais do que nunca. Urge viver de sua presença viva, recordar em toda ocasião seus critérios e seu Espírito, repensar constantemente sua vida, deixá-lo ser o inspirador de nossa ação. Ele nos pode transmitir mais luz e mais força como ninguém. Ele está no meio de nós, comunicando-nos sua paz, sua alegria e seu Espírito.

(José Antonio Pagola, 1937-, Espanha)


CONTEMPLAR

Daniil Simkin, 2015, Staatsballett Berlim & American Ballet Theatre, foto da New York City Dance Project.