segunda-feira, 27 de junho de 2011

O Caminho da Beleza 33 - São Pedro e São Paulo

O Caminho da Beleza 33
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).


Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



São Pedro e São Paulo             03.07.2011
At 12, 1-11               2 Tm 4, 6-8.17-18                        Mt 16, 13-19


ESCUTAR

“O anjo tocou o ombro de Pedro, acordou-o e disse: ‘Levanta-te depressa!’ As correntes caíram-lhe das mãos. O anjo continuou: ‘Coloca o cinto e calça tuas sandálias!’ Pedro obedeceu” (At 12, 7-8).

“Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé” (2 Tm 4, 7).

“Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16).


MEDITAR

“O rico avarento é semelhante a um asno carregado de ouro, que só come palha” (Provérbio argelino).

“Pense em Deus com fé, pense no próximo com amor, pense em ti mesmo com humildade” (S. João Bosco).

“Nós devemos nos dar e só nos possuímos à medida do dom que fazemos de nós mesmos. Nós só nos expandimos na gratuidade. Nossa liberdade consiste precisamente viver desta gratuidade, a existir em ação de graças e a passar da servidão ao serviço” (Jean-Guy Saint Arnaud).


ORAR

A Igreja de Jesus, pobre e hospitaleira, nunca poderá estar aprisionada aos grilhões do poder, sejam os da perseguição ou os dos privilégios. Os mistérios foram e são revelados pelo Pai aos pequenos e não aos eruditos ou astutos. Pedro pertence à categoria dos simples seguidores que vivem com o coração aberto. É Jesus quem constrói a Igreja. Ela é sua e Jesus não a constrói sobre a areia. Pedro, como nós, será uma pedra nesta Igreja não por ter a solidez e a firmeza de temperamento. Pedro, honesto e apaixonado, é também inconstante e inconsistente. Seu poder repousa, simplesmente, sobre a sua fé em Cristo.
Pedro é libertado da boca do leão, os dois sustentáculos do poder utilizados, em todo tempo, para a submissão de todos: o Estado e a Religião. Pedro exclama: “Agora eu sei, de fato, que o Senhor enviou o seu anjo para me libertar do poder de Herodes e de tudo o que o povo judeu esperava”.
A Igreja de Jesus vive da sua dimensão peregrina diversa e plural. Uma Igreja que durante a sua existência enfrentará situações de dilaceramentos e que nelas forjar-se-á como uma Igreja solidária e portadora da paz para todos os que sofrem perseguição por amor à justiça.
Paulo, o que vive na liberdade do Espírito, revela que a travessia é duelo: combater, completar a corrida e guardar a fé. É a de sermos testemunhas vivas de que, apesar de tudo, somos capazes de manter a lealdade à comunidade fraterna de Jesus na qual aquele que se perde é o que se encontra.
O Concílio Vaticano II vai consagrar a Igreja do Serviço: “Nenhuma ambição terrestre move a Igreja. Com efeito, guiada pelo Espírito Santo, ela pretende somente uma coisa: continuar a obra do próprio Cristo, que veio ao mundo para dar testemunho da verdade, para salvar e não para condenar, para servir e não para ser servido” (Gaudium et Spes, 3).
Devemos ter cuidado ao usarmos metáforas para a Igreja de Jesus, sobretudo a da barca. No final do livro de Atos, todos são salvos não por estarem protegidos na barca, mas pela partilha do pão abençoado na presença de todos, por todos comidos e, por isso, animados, alimentados e saciados. A barca encalhou nas correntes de suas próprias âncoras e, ironia do destino, ficou presa em si e por si mesma (At 27, 41).
A comunidade eclesial deve ser a comunidade concreta de homens e mulheres, a Igreja de Jesus, que vai ao encontro e ao diálogo com todos os outros homens e mulheres do mundo. Uma Igreja pobre, mas rica de compaixão que não faz nas barcas do poder a sua travessia para a vida eterna, pois o Senhor prevenira que destas barcas sobrarão apenas os pedaços espalhados pelo mar da história.
O Papa Bento XVI é enfático: “A escola da fé não é uma marcha triunfal, mas um caminho salpicado de sofrimento e de amor, de provas e de uma fidelidade que deve se renovar todos os dias” (Audiência 24.05.2006), pois “O Deus misterioso não constitui uma solidão infinita, Ele é um acontecimento de Amor... Agora é nos dado saber: O Espírito Criador tem um Coração” (Homilia de Pentecostes, 2006).


CONTEMPLAR

São Pedro e São Paulo, Ícone Anônimo.


segunda-feira, 20 de junho de 2011

O Caminho da Beleza 32 - XIII Domingo do Tempo Comum

O Caminho da Beleza 32
Leituras para a travessia da vida



A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).


Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



XIII Domingo do Tempo Comum               26.06.2011
2Rs 4, 8-11.14-16             Rm 6, 3-4.8-11                  Mt 10, 37-42



ESCUTAR

“Façamos para ele, no terraço, um pequeno quarto de alvenaria, onde colocaremos uma cama, uma mesa, uma cadeira e um candeeiro. Assim, quando vier à nossa casa, poderá acomodar-se aí” (2 Rs 4, 10).

“Assim também nós levemos uma vida nova” (Rm 6, 4).

“Quem vos recebe a mim recebe; e quem me recebe, recebe aquele que me enviou” (Mt 10, 40).


MEDITAR

“Jesus quer nos iniciar na verdadeira vida, na arte de viver verdadeiramente. A vida floresce se nós lhe damos tempo e se somos, suficientemente, livres para viver num instante” (Anselm Grün).

“O homem não sabe jamais o que lhe acontecerá amanhã, senão, ele não seria mais livre; sem cessar ele é colocado diante de escolhas a fazer e é ele quem constrói ou destrói a sua existência” (Jean Lafrance).


ORAR

            A primeira leitura deste domingo nos revela que a hospitalidade era uma prática corrente e usual nos povos antigos, pois eram e continuam sendo de vital importância aos olhos de Deus todos os gestos desinteressados de acolhida e caridade feitos pelos que são capazes das virtudes da abertura e do dom.
            O evangelho apresenta a exigência de uma renúncia total, de um seguimento sem reticências, sem volta, e de um amor sem restrições. A comunidade cristã há de ser acolhedora com os que renunciaram a seus privilégios e nestes ver o próprio Cristo e “Aquele que O enviou”. Seguir a Cristo e “tomar a Cruz” implica desprendimentos, renúncias, contrastes e lutas. Nesta travessia, as escolhas são decisivas e o próprio Jesus, na sua prática, fez emergir as contradições e provocou dilaceramentos profundos entre pessoas e grupos: “Esse discurso é bem duro: quem poderá escutá-lo? (Jo 6, 60). As frases deste discurso não são simbólicas, mas revelam a realidade que assistimos ainda hoje em tantos lugares do planeta: o testemunho valente da fé paga-se com perseguição; a denúncia da injustiça pode custar um assassinato; levantar a voz contra os poderosos, em defesa dos pobres, como fizeram tantos cristãos e cristãs, pode ter como prêmio uma rajada de metralhadora e na cabeça, não a auréola do martírio, mas uma etiqueta de subversivo.
Apesar de tudo, muitos cristãos testemunham o seguimento, ao mesmo tempo em que para tantos outros tudo isto parece uma possibilidade remota. Estes, pertencendo a qualquer movimento religioso oficial, têm a sua carreira facilitada por cargos, promoções e carreiras hierárquicas nas igrejas, num estilo de cristianismo de baixo custo que, ao assegurar privilégios e favores, tem pouco a ver com o Cristo.
Jesus nos chama a perder a vida e não a medi-la com cálculos oportunistas. Jesus nos apela a arriscar tudo, a nos entregarmos sem reservas, a nos doarmos apaixonadamente, a nos dispormos a tudo perder por valores que valem mais do que uma vida. Viver o Cristo é viver a vida sem blefar.
O evangelho se encerra com um benéfico “copo de água fresca dado a um desses pequeninos”, desvelando a chave da hospitalidade, sinal indelével do cristão. A hospitalidade oferecida aos profetas, aos poetas, aos considerados marginais é, sem dúvida, a mais difícil porque estas pessoas, como o Cristo, nunca aparecem demasiado recomendáveis segundo as mentalidades dirigentes, sociais e religiosas: “Seus familiares saíram para dominar Jesus, pois diziam que estava fora de si” (Mc 3, 21).
Estar a caminho é condição do seguimento, pois o Evangelho nos impulsiona para outros lugares e os que acolhem e oferecem generosa hospitalidade, sem se importar com outros títulos, fora o de servo, participam do mesmo prêmio que é o do serviço prestado ao próprio Jesus.
Neste domingo, sem maiores especulações e pirotecnias, devemos saber que, certamente, a salvação passa pela Cruz, mas também passa por um copo d’água fresca oferecido com fraternidade e por compaixão.

CONTEMPLAR

Cruz, Arcabas (Jean-Marie Pirot), Igreja do Espírito Santo e de S. Alessandro Mártir, Arquidiocese de Portoviejo, Equador.

















segunda-feira, 13 de junho de 2011

O Caminho da Beleza 31 - Santíssima Trindade

O Caminho da Beleza 31
Leituras para a travessia da vida


A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).


Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).


Domingo da Santíssima Trindade           19.06.2011
Ex 34, 4-6.8-9             2 Cor 13, 11-13            Jo 3, 16-18

  
ESCUTAR

“Senhor, Deus compassivo e misericordioso, lento na ira e rico em clemência” (Ex 34, 6).

“Encorajai-vos, cultivai a concórdia, vivei em paz, e o Deus do amor e da paz estará convosco” (2 Cor 13, 11).

“Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 16).


MEDITAR

“A experiência do Espírito é uma experiência viva, é vida, pois dela alimentamos nossa vida em Deus e nela é que vivemos nossa vida em Deus, de adesão à Palavra e de docilidade ao Pai, no Espírito. Essa vida não é apenas nossa, mas participada por todos aqueles que dizem sim a Deus no fundo do coração. Tem, portanto, o que poderíamos denominar uma dimensão comunitária que lhe é inerente. Não há experiência no Espírito independente da comunidade. É esse, precisamente, o mistério da Igreja.” (Francisco Catão).

“Não é o clero, mas sim a comunidade, a Igreja concretamente reunida, que celebra a Ceia comemorativa na qual o Senhor se faz presente e incorpora os reunidos transformando-os em seu próprio corpo” (Urs von Balthasar).


ORAR

Na tradição oriental a comunidade eclesial é o ícone da Trindade. No entanto, no Ocidente tivemos e temos dificuldade de compreender o mistério trinitário que ficou hipotecado nas abstrações dos teólogos e confinado na atmosfera da metafísica ou ainda sepultado na espessa pátina de pó das bibliotecas. Por esta razão, entre outras, acabamos dando prioridade ao aspecto burocrático, administrativo-institucional da Igreja; na acentuação exasperada dos elementos jurídicos; no empenho para criar aparatos centralizadores que nos conduziram a uma hipertrofia das estruturas; e na diluição do amor fraterno e comunitário em obras sociais de caridade.

O Concílio Vaticano II assume uma expressão de Cipriano e declara que a Igreja é “o povo unido pela unidade mesma do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (LG 4) e declara ainda que “todos os homens, aliás, são chamados a esta união com Cristo, que é a luz do mundo, de quem procedemos, por quem vivemos e para quem tendemos” (LG 3).

A Igreja, ao viver o dinamismo vital da Trindade, faz viver o povo de Deus na mais profunda comunicação e comunhão e torna-se, desta maneira, o lugar da visibilidade e da transparência. Não há vitalidade na Igreja sem uma comunidade, pois sem comunhão a comunidade se torna apenas uma casca vazia de substância, uma justaposição de pessoas que nunca serão capazes de criar vínculos profundos entre si. A comunidade eclesial avança e se expande quando a comunhão fraterna se converte em sinal do amor do Pai, revelado pelo Filho e infundado em nossos corações no Espírito.

A comunidade eclesial deve viver esta dança nupcial da Trindade que nos faz participar da explosão de vida que brota desta comunhão pessoal e trinitária na qual o Pai é o Amante que toma a iniciativa; o filho é o Amado, que recebendo o amor do Pai, se entrega totalmente aos seus desígnios; e o Espírito é o Vínculo fecundo do amor celebrado como banquete nupcial do Cordeiro. Um amor calcado na misericórdia e na compaixão do Senhor, cujo nome revelado e proclamado a Moisés é o de um “Deus misericordioso, compassivo, lento na ira e rico em clemência”.

Não podemos ser um contratestemunho deste amor trinitário a nós revelado e derramado em nossos corações. E o damos quando nos intimidamos diante da miséria construída do mundo; quando perdermos a capacidade de indignação diante das injustiças e nos submetemos à crueza de um cotidiano sem horizontes, cravado em nossas instituições de desamor, poder e opressão.

Como nos proclama Paulo: “Assim sereis íntegros e irreprováveis, filhos de Deus sem defeito, em meio a uma geração perversa e depravada diante da qual brilhais como estrelas no mundo, ostentando a mensagem da vida” (Fl 2, 15-16).

A Trindade é a base existencial da vida cristã como um locus amoris – o lugar de amor – onde a palavra e o pão se encontram no e para o banquete nupcial com a Humanidade redimida.

CONTEMPLAR

A Trindade, José de Ribera, c. 1635, óleo sobre tela, 226 x 181 cm, Museu do Prado, Madrid, Espanha.



segunda-feira, 6 de junho de 2011

O Caminho da Beleza 30 - Pentecostes

O Caminho da Beleza 30
Leituras para a travessia da vida



A beleza é a grande necessidade do homem; é a raiz da qual brota o tronco de nossa paz e os frutos da nossa esperança. A beleza é também reveladora de Deus porque, como Ele, a obra bela é pura gratuidade, convite à liberdade e arranca do egoísmo” (Bento XVI, Barcelona, 2010).


Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).



Domingo de Pentecostes                     12.06.2011
At 2, 1-11                 1 Cor 12, 3b.7.12-13                    Jo 20, 19-23


ESCUTAR

“Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito os inspirava” (At 2, 4).

“A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum” (1 Cor 12, 7)

“A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio. E, depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos” (Jo 20,22-23).


MEDITAR

“Se ao invés de nos entregarmos a uma comédia imaginária de Pentecostes, obedecermos ao Cristo e ao Espírito, talvez as multidões gritem: ‘Aos leões os cristãos’; ‘À morte!’; ‘Aos campos de concentração!’” (Cardeal Lustiger).

“Os verdadeiros servidores de Deus sempre estimaram suas adversidades. Elas estão em conformidade com o caminho percorrido por nosso Senhor, pois foi pela cruz e os opróbios sofridos que Ele nos salvou” (Pe. Pio).


ORAR

            Com frequência tentamos administrar o Espírito, coisificá-lo e regrá-lo. Deveríamos, ao menos uma vez, acolher o Espírito como elemento de desordem, de improvisação, de verdadeira inspiração, de desajuste das regras fixadas e portador de coisas jamais vistas, ouvidas e antes experimentadas. Tenhamos a coragem e a ousadia de nos deixarmos habitar pelo vento e pelo fogo.
            O Espírito vem acender uma paixão e surpreender a todos, transformando-os em enamorados capazes de palavras apaixonadas. O Espírito produz entre nós um impulso, uma vibração, um entretenimento, uma comoção e um gesto de liberdade.
            Neste domingo, devemos nos deixar inebriar pelo perfume e nos permitir ser invadidos pela alegria de viver e nos surpreender pela variedade dos dons do Espírito que, na sua prodigalidade, os distribui por todas as partes e a todos sem pedir, de antemão, nenhuma autorização. O Espírito, vento e fogo, brinca, se diverte, ri da nossa seriedade e sisudez. E este Espírito, vento e fogo, tem uma característica em comum: é incontrolável e imprevisível e deixa a todos, como os apóstolos, fora de si: “Todos ficaram confusos, cheios de espanto e admiração, pois cada um ouvia os discípulos falar em sua própria língua” (At 2, 6).
            A Igreja de Jesus só despertará entusiasmo se anunciar as maravilhas de Deus que vira tudo do avesso, como cantou Maria em seu Magnificat. Os seguidores de Jesus devem ser ousados e capazes de ultrapassar as fronteiras em busca de novos horizontes. Os homens de Pentecostes surpreenderam, não porque apareceram comedidos, discretos e ajustados, mas porque apareceram excessivos: um pouco loucos e poetas.
            O vento irrompe barulhento na casa e coloca para fora os seus ocupantes. O Espírito de Jesus arranca o medo, destrói a angústia e abre as portas que jamais deverão ser trancadas novamente. Impele os seus seguidores ao confronto cotidiano em que deverão testemunhar a vida nova e não mais a capitular em seus sonhos e nem a se acomodar na esterilidade passiva dos que buscam certezas e seguranças. O teólogo von Balthasar adverte: “Se o Espírito não tivesse vindo, o mundo e a Igreja nunca teriam compreendido que a causa do judeu de Nazaré crucificado era algo mais que um assunto provinciano e historicamente sem importância”.
            Pentecostes nos faz saber que todas as formas organizacionais, todos os nossos conteúdos programáticos estarão sempre em processo de mudança. O Espírito da Liberdade assim o quer e assim o faz, pois só ele é absoluto e definitivo na distribuição infinita e plural de dons e carismas para a construção do Bem Comum. E o Concílio Vaticano II assegura que “Deus também não está longe daqueles que o buscam como a um desconhecido, por meio de suas sombras e imagens, pois a todos dá vida, inspiração e tudo o mais (At 17, 25-28) e, como salvador, os quer salvar a todos (1 Tm 2, 4)” (LG 16).
            Jesus nos falou de uma blasfêmia e de um pecado contra o Espírito que não terá perdão. Este pecado misterioso não será, por acaso, ignorar o movimento do Espírito e termos pavor de nos queimar com o seu fogo e sermos arrastados, ao deus dará, pelo seu vento? Esta blasfêmia não será a de Lhe conceder apenas uma sutil e controlada rachadura nos muros do coração em lugar de portas e janelas abertas no corpo inteiro para que entrem o vento e o fogo?
            Não será o pecado sem perdão o de ficar em casa tiritando de frio e pretender se aquecer, estendendo as mãos sobre uma chama de faz-de-conta pintada na parede do quarto?
            Finalmente, não será um pecado sem perdão e uma blasfêmia irreparável a de sempre apregoarmos a coragem cristã sem nunca termos tentado oferecer ao Espírito, ao menos a outra metade do espaço interior que sempre preenchemos com o medo e a angústia? Não será a covardia de falarmos sempre de Pentecostes sem jamais termos nos abandonado à sua embriaguez?
            Meditemos as palavras de São Basílio Magno, do século IV: “Dele nos vem a alegria sem fim, a união constante e a semelhança com Deus. Dele procede, enfim, o bem mais sublime que se pode desejar: o homem é divinizado”.



CONTEMPLAR

Pentecost, Andrew Wyeth, 1989, têmpera, 20,75” x 30,625”, Coleção Particular, Estados-Unidos.