Peguei da mão do anjo o livrinho e comi-o. Na boca era doce como
mel, mas, quando o engoli, meu estômago tornou-se amargo (Ap 10, 10).
Pentecostes
At 2, 1-11 1
Cor 12, 3b-7.13-13 Jo
20, 19-23
ESCUTAR
“Todos
ficaram confusos, pois cada um ouvia os discípulos falar em sua própria língua”
(At 2, 6).
“A cada um é
dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum” (1 Cor 12, 7).
“E depois de
ter dito isso, soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo’” (Jo 20,
22).
MEDITAR
Deve-se estar sempre embriagado. Nada mais conta. Para
não sentir o horrível fardo do Tempo que esmaga os vossos ombros e vos faz
pender para a Terra, deveis embriagar-vos sem tréguas. Mas de quê? De vinho, de
poesia ou de ternura, à vossa escolha. Mas embriagai-vos. E se algumas vezes,
nos degraus de um palácio, na erva verde de uma vala, na solidão baça do vosso
quarto, acordais já diminuída ou desaparecida a embriaguez, perguntai ao vento,
à vaga, à estrela, à ave, ao relógio, a Deus, a tudo o que foge, a tudo o que
geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai que
horas são; e o vento, a vaga, a estrela, a ave, o relógio e Deus vos
responderão: “São horas de vos embriagardes! Para não serdes os escravos
martirizados do Tempo, embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de ternura,
à vossa escolha”.
(Baudelaire)
É isto, o espírito. Esta capacidade de não submeter
sua existência, mas de assumi-la no amor para fazer dela uma oferenda luminosa
e universal.
(Maurice Zundel)
ORAR
Tentemos deixar fluir ao
menos uma vez na vida o sopro do Espírito no meio e dentro de nós. Deixemos que
sejam varridos das cabeças todos os símbolos do poder: coroas, solidéus, mitras
com todas as máscaras e disfarces que ornam as liturgias do poder. Permitamos
que o sopro arranque as páginas dos nossos códigos, que leve para o mais longe
as sandices dos nossos discursos políticos, sociais e religiosos e assistamos ao
fogo se ocupar de queimá-los para que nunca mais pretendam dosificar a sua
força. Com certeza, será um ganho para todos nós. Ele não sopra para garantir a
ordem, para avalizar decisões que prejudiquem o Bem Comum e nem desempenha a
função de juiz em nossos jogos com as regras determinadas por nós e para o
nosso sucesso. Façamos, ao menos uma vez, com plena confiança no Espírito da
Liberdade, a prova de acolher este mesmo Espírito como elemento perturbador,
verdadeira inspiração, desmonte das regras fixadas de antemão e portador de
coisas jamais vistas, ouvidas e experimentadas antes. Tenhamos a coragem de
sermos habitados pelo vento e pelo fogo. É o Espírito da Verdade que vem a nós
e nos produz como homens e mulheres que não temem as travessias plurais da
vida. O Ressuscitado abre o futuro, abre a porta e abre a esperança do
possível. Pentecostes é a festa de todos os possíveis. O Espírito acende em nós
uma paixão e uma nova criação nasce de um colossal incêndio que nos deixa
enamorados e nos surpreende com as palavras apaixonadas que por falso pudor
nunca nos permitimos, publicamente, dizer. O Espírito – vento e fogo – rompe os
limites das alcovas e das salas e brinca, diverte-se e ri da nossa sisudez e
pretensa seriedade. Vento e fogo são incontroláveis, imprevisíveis e a nova
aliança que trazem nos faz orbitar fora de nós e encontrar os outros conhecidos
e desconhecidos num abraço amoroso e livre. Não basta nos cercarmos aos
próximos, devemos alcançar os que estão distantes. Os discípulos foram
considerados embriagados, pois novamente despertavam entusiasmados para
anunciar, em todas as línguas, as maravilhas do Senhor. Toda a tentativa de
administrar a ação do Espírito e falar em seu nome será um contrassenso. O
Espírito de Jesus se encontra na oração, na solidariedade, no perdão, na
palavra comprometida e na misericórdia que superam todas as fórmulas e as
frases de conveniência, os conselhos moralizantes e as respostas pré-fabricadas.
Jesus nos fala de um pecado contra o Espírito que nunca terá perdão. É a
blasfêmia de conceder ao Espírito apenas um sussurro e uma sutil e vigiada
fissura ao invés de janelas e portas abertas dos corações. O pecado irreparável
é a pretensão de falar da coragem cristã e oferecer ao Espírito um pouco menos
da metade de todo o resto que concedemos ao medo e a angústia. O pecado sem perdão
é falar de Pentecostes sem nunca nos permitir experimentar e viver até as
últimas consequências a sua embriaguez.
(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)
CONTEMPLAR
Saltos do Barco, 2020,
Malásia, Igor Atuna (1966-), Arrasate-Mondragón, Espanha, Siena International
Photo Awards 2021.