quinta-feira, 28 de julho de 2022

O Caminho da Beleza 36 - XVIII Domingo do Tempo Comum

A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

XVIII Domingo do Tempo Comum                       

Ecl 1, 2; 2, 21-23               Cl 3, 1-5.9-11                      Lc 12, 13-21

 

ESCUTAR

“Vaidade das vaidades! Tudo é vaidade” (Ecl 1, 2).

“Pois vós morrestes e a vossa vida está escondida, com Cristo, em Deus” (Cl 3, 3).

“Atenção! Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens” (Lc 12, 15).

 

MEDITAR

“Esquecer de si e passar por cima das regras habituais a que nos submetemos por ‘respeito humano’; sair desse tipo de autocensura social que paralisa, para apostar tudo, para tudo arriscar, até mesmo nossa lógica habitual, deslocada pela força de nossa fé no outro – eis o começo de outra vida, de uma cura” (Françoise Dolto).

 

 ORAR

      Que sentido tem a vida? É a pergunta que perpassa os textos deste domingo. O provisório da vida, a finitude da existência são as certezas únicas que temos. E ainda acreditamos que as posses materiais conseguem acrescentar um segundo a mais nas nossas vidas. Paulo exortava: “O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males” (1 Tm 6, 10) e Tomás de Aquino dava o retoque final: “A avareza reside no coração e seus frutos são a inquietude, a violência, o perjúrio, a fraude, a corrupção e a traição”. Nada muda no decorrer do mundo e resistimos em aprender: “Um homem que trabalhou com inteligência, competência e sucesso vê-se obrigado a deixar tudo em herança a outro que em nada colaborou”. O dinheiro é sempre a extensão das nossas crenças e atitudes e medimos a vida das pessoas pelo dinheiro que entra e pelo que sai. Para a alma do capitalista, quem não acumula bens não tem nenhum valor e nem poder e, no entanto, para o Evangelho aquele que acumulou riquezas perdeu a vida. A regra de ouro do Cristo em relação ao dinheiro é não acumular, mas repartir: “Não acumuleis riquezas na terra, onde roem a traça e o caruncho, onde os ladrões arrombam e roubam” (Mt 6, 19) e mais uma vez Tomás de Aquino completa: “O homem avarento endurece o seu coração para evitar que, movido pela compaixão, venha ajudar alguém à custa de suas posses e de seus bens”. O coração endurecido transforma a vida numa sucessão interminável de mesquinharias e sovinices e acredita que todo homem tem seu preço e que, por esta razão, o dinheiro pode comprar tudo: da consciência pessoal à vida cotidiana. Algumas pessoas sofrem porque não têm o que herdar, outras sonham com uma herança que possa resolver seus problemas, mas a vida tem nos ensinado que é justamente no acerto de contas da herança que a ganância e a ambição aparecem com suas garras devoradoras que destroem a suposta harmonia familiar. A ganância não conhece limites e condena o que deseja riquezas a utilizar todos os meios ao seu alcance para saciar a sua ambição de ser o mais rico possível. Tudo o que fazemos por ambição acaba em destruição e morte: “Não te inquietes vendo o outro se enriquecer no roubo, na maldade e na desonestidade. Nada poderá levar consigo ao morrer: nem sua glória, nem seu sucesso! Terão companhia no cemitério: mortos, defuntos sem vida onde jamais verão a luz, apenas a escuridão” (Sl 49). A cobiça empobrece o homem e o torna desumano e o converte num cego desprovido de uma única luz capaz de clarear a sua noite inevitável. Meditemos o provérbio árabe: “Não tente e nem se esforce para mostrar as estrelas a um cego: ele não as pode ver”.

(Manos da Terna Solidão)

 

 CONTEMPLAR

Qual é a nossa maior reivindicação?, 2011, cartaz do movimento dos “Indignados”, cujo lema foi “Ocupe Wall Street”, Nova Iorque, Estados Unidos.




quarta-feira, 20 de julho de 2022

O Caminho da Beleza 35 - XVII Domingo do Tempo Comum

A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

XVII Domingo do Tempo Comum             

Gn 18, 20-32                      Cl 2, 12-14               Lc 11, 1-13

 

ESCUTAR

“Estou sendo atrevido em falar a meu Senhor, eu que sou pó e cinza” (Gn 18, 27).

“Com Cristo fostes sepultados no batismo; com ele também fostes ressuscitados por meio da fé no poder de Deus, que ressuscitou a Cristo dentre os mortos” (Cl 2, 12).

“Portanto, eu vos digo, pedi e recebereis; procurai e encontrareis; batei e vos será aberto. Pois quem pede recebe; quem procura encontra; e, para quem bate, se abrirá” (Lc 11, 9-10).

 

MEDITAR

A oração é o secreto absoluto. É totalmente oposta à publicidade. Quem ora já não conhece a si mesmo, mas somente a Deus a quem invoca.

(Dietrich Bonhoeffer)

 

ORAR

      Duas cenas ficam gravadas na memória: a estupenda negociação entre Abraão e Deus e o colóquio noturno entre o indivíduo inoportuno e o amigo despertado de sobressalto à meia noite. Uma oração de intercessão e a outra de petição e ambas sob o signo da insistência, da coragem, da confiança e, inclusive, do enfrentamento. Ambas são escutadas. Até então, as culpas de um ou de poucos eram pagas por toda a coletividade e agora Abraão se bate com humildade, mas com decisão, para que a inocência de uma minoria seja motivo de perdão para todos os outros pecadores. Abraão descobre que no Senhor encontra-se uma justiça disposta a dar espaço ao perdão e que, em Deus, a vontade de salvar prevalece sobre a de castigar. No Evangelho, a oração é um apelo não ao juiz da terra, mas a um Deus que é Pai. Cristo autoriza a nos dirigirmos a Deus como Pai, esta palavra-chave que abre de par em par todas as portas, inclusive as mais inacessíveis e legitima as aspirações as mais impossíveis. Não se trata de colocar na balança o peso dos justos, mas a nossa condição de filhos e filhas. Podemos pedir ousadamente e, ao mesmo tempo, neste pedido nos comprometemos. No Pai Nosso escutamos o que Deus espera de nós, ou seja, exatamente as mesmas coisas que pedimos a Ele. O Pai nos escuta, mas não nos tempos e nos modos fixados por nós. Podemos estar seguros que “o Pai do céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem” e o Espírito Santo é o princípio da liberdade e da imprevisibilidade. O Pai nos escuta, certamente, mas do seu modo que é o da generosidade infinita de um pai e não do nosso modo que é sempre redutivo e restritivo. Nós, cristãos, devemos preferir sempre um Deus que nos surpreenda a um Deus que nos satisfaça e nos contente, pois devemos confiar mais em suas respostas do que em nossas perguntas, mais nos seus dons do que em nossos pedidos. A oração ensinada por Jesus deve nos conduzir a um silêncio de escuta do nosso ser que vibra em sintonia com a humildade da entrega – “Seja feita a tua vontade”, e com a permanente insistência – “Não nos deixeis sucumbir na provação, mas livrai-nos do mal”.

 (Manos da Terna Solidão, Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

S. título, 1992-9, Romaria em Juazeiro do Norte, Ceará, Tiago Santana (1966-), do livro “Benditos”, Crato, Ceará, Brasil.




 

quinta-feira, 14 de julho de 2022

O Caminho da Beleza 34 - XVI Domingo do Tempo Comum

A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

XVI Domingo do Tempo Comum               

Gn 18, 1-10             Cl 1, 24-28              Lc 10, 38-42

 

ESCUTAR

“Meu Senhor, se ganhei tua amizade, peço-te que não prossigas viagem sem parar junto a mim, teu servo” (Gn 18, 3).

“Alegro-me de tudo o que já sofri por vós e procuro completar na minha própria carne o que falta das tribulações de Cristo” (Cl 1, 24).

“Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas” (Lc 10, 41).

 

MEDITAR

Mesmo nos momentos mais trágicos, o cristão não tem outro direito senão o de criar alegria. Dele é exigida permanentemente a arte de transfigurar as horas mortas, as ações medíocres, a monotonia cotidiana. Seu dever é resgatar toda a sua participação na náusea do mundo.

(Emmanuel Mounier)

 

ORAR

    A hospitalidade é um dos sinais de fidelidade ao mandamento do amor sem fronteiras. Aquele-que-chega é sempre uma presença misteriosa e pode mudar, radicalmente, a nossa vida. A hospitalidade verdadeira é sempre acompanhada com frutos de fecundidade, basta escutarmos o que o hóspede tem a nos dizer. A hospitalidade cristã tem sua expressão maior no mistério eucarístico: os que recebem o pão divino descobrem que, na realidade, são recebidos pela Trindade amorosa que neles faz a sua morada. A hospitalidade rompe o anonimato e o isolamento, pois nela somos e existimos para alguém e para uma comunidade. O evangelista mostra Jesus soberano na sua liberdade ao abolir a exclusão sócio-religiosa e ser recebido na casa de duas mulheres. Marta fica atribulada em hospedar o Mestre que sempre chegava sem aviso prévio e acompanhado de muita gente. Maria, no entanto, transgride duplamente: primeiro, deixa de lado o papel tradicional da mulher ao não ajudar a sua irmã na acolhida aos hóspedes; segundo, senta-se aos pés de Jesus, como os discípulos sentavam-se, nos banquetes, aos pés de seus mestres. O erro de Marta é um erro de perspectiva. O de não entender que a chegada do Cristo significa, principalmente, a grande ocasião que não se pode perder e, consequentemente, a necessidade de sacrificar o importante pelo urgente. Devemos sempre nos perguntar quem está no centro da casa: o Senhor ou Marta. Ao nos dedicarmos às coisas do Senhor, esquecemos da acolhida profunda e silenciosa da sua palavra, como fez Marta, que viu a si mesma. Mestre Eckhart escrevia: “Quanto menos alguém procurar a si mesmo no ser amado tanto mais o prazer de se unir a ele”. O afã cotidiano deste mundo pode abafar a escuta e nos fazer sucumbir nas preocupações diárias. E Jesus alerta: “A cada dia basta a sua preocupação”. A hospitalidade nos conduz às aragens do sagrado, pois “graças à hospitalidade alguns, sem o saber, acolheram anjos” (Hb 13, 2). A hospitalidade nos liberta do narcisismo, de olharmos somente para nós, pois quanto mais temos necessidade de espelhos tanto mais Deus passa a vida a quebrá-los.

(Manos da Terna Solidão)

 

CONTEMPLAR

S. Título, 2018, vaticannews.va, acessado em 14.07.2022.




sexta-feira, 8 de julho de 2022

O Caminho da Beleza 33 - XV Domingo do Tempo Comum

A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

XV Domingo do Tempo Comum                 

Dt 30, 10-14                       Cl 1, 15-20               Lc 10, 25-37

 

ESCUTAR

“Esta palavra está bem ao teu alcance, está em tua boca e em teu coração, para que a possas cumprir” (Dt 30, 14).

Deus quis habitar nele com toda a sua plenitude e por ele reconciliar consigo todos os seres, os que estão na terra e no céu, realizando a paz pelo sangue da sua cruz (Cl 1, 19-20).

“Vai e faze a mesma coisa” (Lc 10, 37).

 

MEDITAR

“Sem Cristo não conheceríamos Deus, não poderíamos invocá-lo nem vir a ele. Sem Cristo também não conheceríamos o irmão nem poderíamos encontrá-lo. O caminho está bloqueado pelo próprio eu. Cristo desobstruiu o caminho que leva a Deus e ao irmão” (Dietrich Bonhoeffer).

 

ORAR

     Cristo não é só o princípio da harmonia cósmica, mas Aquele que funda e legitima uma nova ordem nas relações entre os homens. Ele revela o rosto escondido e inacessível de Deus e o seu desígnio para a humanidade. Este desígnio mostra-se fechado para os que pensam alcançar a Deus passando ao largo do seu próximo. Preocupam-se com as coisas de Deus sem se dar conta de que o que interessa a Deus são as coisas dos homens. Consideram a misericórdia, o ser tomado pelas entranhas, uma debilidade. Cristo nos revela que não há outro lado do caminho senão o encontro concreto com o outro que nos leva a Deus. Não é preciso subir aos céus e nem descer às profundezas para encontrá-Lo. Basta, como o samaritano, descer da sua montaria e mergulhar na dor de um pobre homem qualquer. O sacerdote e o levita chegaram, sem obstáculos, até o final do seu caminho e faltaram ao encontro com Deus. O samaritano não deu mais do que dois passos, mas na direção certa. A quem damos amor se torna o próximo. “O amor torna-se cuidado do outro e pelo outro... Amar é dar ao outro o olhar de ternura que ele precisa” (Bento XVI, Deus Caritas Est). O Cristo oferece mais do que uma resposta filosófica e um princípio ético natural. Sua resposta é uma revelação divina do mistério de Deus: “Eu quero misericórdia e não sacrifícios” (Os 6,6). O mistério do bom samaritano é o mistério da Misericórdia. É o próprio Cristo que habita o ferido à beira do caminho; é o Cristo que passa na pessoa do samaritano e se torna o vínculo que os une. Ao se encontrarem pela compaixão, produz-se um despertar e uma epifania divinas e nelas encontramos o Homem e a Humanidade. Eis o que significa “fazer a vontade de Deus”: não é só obedecer aos mandamentos, ir aos cultos, mas nos atermos aos outros com vínculos de misericórdia. As questões colocadas pelo mestre da lei eram inúteis e Cristo não as responde. Ao invés de respondê-las, verte vinho e óleo sobre as feridas, pois Ele é a única resposta às questões vitais.

(Manos da Terna Solidão)

 

 CONTEMPLAR

 O Bom Samaritano, Cláudio Pastro, in: Parábolas, São Paulo, Paulinas, Brasil, 2002.