quinta-feira, 29 de agosto de 2024

O Caminho da Beleza 41 - XXII Domingo do Tempo Comum

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).

XXII Domingo Tempo Comum                    

Dt 4, 1-2.6-8          Tg 1,17-18.21-22.27         Mc 7, 1-8.14-15.21-23

 

 

ESCUTAR

“Nada acrescenteis, nada tireis à palavra que vos digo, mas guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus que vos prescrevo” (Dt 4, 2).

Sede praticantes da palavra e não meros ouvintes, enganando-vos a vós mesmos (Tg 1,22).

“O que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior” (Mc 7,15).

 

MEDITAR

A simples administração eclesiástica é insuficiente para realizar a missão da Igreja: é hora de as comunidades cristãs viverem uma “conversão pastoral”, marcada pelo testemunho.

(Francisco Catão)

 

ORAR

O agir cristão deve considerar as três conexões existentes no interior do Evangelho. A primeira é que não se permite uma escuta descompromissada. A Palavra dá um sentido novo à vida e determina uma mudança radical na aceitação da nossa existência. A Palavra confinada ao âmbito do sagrado; cristalizada numa prática religiosa episódica e que não atinge o espaço “profano” do viver, é uma Palavra morta. Uma Palavra que não determina um compromisso concreto é uma Palavra que nos condena. Devemos escutar e cumprir. A segunda é com a humanidade: “A religião pura e sem mancha diante do Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações”. Não basta nos sentirmos em dia com Deus mediante a prática cultual e religiosa. É urgente prolongar o serviço do templo numa liturgia da solidariedade, da fraternidade, da justiça e da misericórdia que se celebra ao longo do caminho. Testemunho que encontrei Deus se tenho a coragem de encontrar o irmão. Se rompermos esta íntima relação, a fé padecerá da deformação do intimismo, do espiritualismo desencarnado e do legalismo intolerante. A terceira dá-se entre o coração e a prática exterior. O Senhor não se contenta com a fachada porque faz a diagnose do coração. Jesus se refere ao coração como a fonte das ações. É no coração que amadurecemos as convicções profundas, as decisões fundamentais e as orientações da existência. O externo deve ser a expressão do que cresceu no íntimo do coração e não máscara, camuflagem e aparência. Deus está próximo quando a sua Palavra anima as ações, impulsiona-nos a encontrar o próximo e está semeada no coração. Quando simplesmente se dá escuta, culto e forma ao exterior, com certeza, o Senhor está em outra parte.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Madre Teresa de Calcutá, novembro de 1960, imagem: Keystone, Getty Images, Veja, veja.abril.com.br, 24/01/2014.





quinta-feira, 22 de agosto de 2024

O Caminho da Beleza 40 - XXI Domingo do Tempo Comum

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).

XXI Domingo do Tempo Comum                

Js 24, 1-2.15-18                 Ef 5, 21-32              Jo 6, 60-69

 

 

ESCUTAR

“Se vos parece mal servir ao Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir” (Js 24, 15).

“Irmãos, vós que temeis a Cristo, sede solícitos uns para com os outros” (Ef 5, 21).

“Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” (Jo 6, 60).

 

MEDITAR

Há homens que lutam um dia e são bons; há outros que lutam um ano e são melhores; há os que lutam muitos anos e são muito melhores; mas há os que lutam toda a vida e estes são os imprescindíveis.

(Bertold Brecht)

Os pecadores conhecem a Deus, os justos continuam a procurá-Lo.

(Hans Urs von Balthasar)

 

ORAR

O desafio colocado para nós é o da escolha precisa a quem pretendemos servir. E o exercício cotidiano e necessário da liberdade nos conduz à decisão existencial mais profunda entre servir ao Senhor ou aos ídolos do poder, da aparência e do dinheiro. A Palavra de Jesus sempre provoca uma crise em cadeia. As multidões se afastam Dele, bruscamente, por verem interrompidos, sem piedade, os seus sonhos de grandeza. Os discípulos murmuram depois de O terem escutado e consideram sua Palavra inaceitável. Neles se difunde a desilusão, o temor e o desejo da deserção. Jesus não está preocupado com a quantidade nem com uma adesão superficial. Jesus sempre nos indaga: “Vós também vos quereis ir embora?” A sua palavra não espera aplausos nem negociações, pois o compromisso deve ser sem condições. O passo decisivo em sua direção chega por meio de uma palavra desafiadora e não por raciocínios convenientes. Somente uma linguagem firme e excessivamente dura pode forçar nossas resistências e derrubar os muros dos nossos medos. A palavra de Deus alcança sua finalidade, não quando está de acordo com os nossos desejos, mas quando descobrimos que Deus não pensa como nós. Paulo nos exorta a amar a Igreja apesar de tudo. A igreja é santa, mas feita de pecadores e não podemos confundir a Igreja dos nossos sonhos com a Igreja fundada por Cristo e sobre Cristo. A Igreja revela, mas também esconde Deus; manifesta-O, mas em certos momentos O obscurece; apresenta-O, mas às vezes O afasta. Não devemos nos esquecer que os sonhadores de uma pureza idealista da Igreja são inimigos do Reino (A. Maillot).

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Pedro negando Jesus, Mark Christian Dachille, guache, Seatlle, Estados Unidos, 2012.





quarta-feira, 14 de agosto de 2024

O Caminho da Beleza 39 - Assunção de Nossa Senhora

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).

Assunção de Nossa Senhora  

Ap 11, 19; 12, 1.3-6.10                1 Cor 15, 20-27                  Lc 1, 39-56

 

 

ESCUTAR

“Então apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos pés e, sobre a cabeça, uma coroa de doze estrelas” (Ap 12, 1).

“O último inimigo a ser destruído é a morte” (1 Cor 15, 26).

“Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre” (Lc 1, 42).

 

MEDITAR

Maria de Nazaré abandonando-se totalmente à vontade do Senhor, não foi de nenhuma maneira uma mulher passivamente submissa ou de uma religiosidade alienante, mas a mulher que não temia proclamar que Deus é aquele que eleva os humildes e oprimidos e derruba dos seus tronos os poderosos do mundo (Lc 1, 51-53).

(Groupe des Dombes)

 

ORAR

O destino de Maria não pode ser dissociado daquele que a tradição cristã reconheceu aos mártires e aos santos tantas vezes designados como “outros Cristos” e não é por acaso que o dogma da Assunção tenha sido promulgado na festa de Todos os Santos. A Assunção, que Deus antecipou para a mãe do seu Filho, é a realização de uma salvação que não está reservada só a Maria, mas que o Senhor deseja comunicar a todos os seus filhos e filhas: “Eu penso que o que sofremos durante a nossa vida não pode ser comparado, de modo nenhum, com a glória que nos será revelada no futuro” (Rm 8, 18). No encontro de Maria e Isabel, o Senhor não se utiliza somente de palavras, mas da linguagem do corpo, pois o filho de Isabel “pulou no seu ventre”. A saudação do Espírito Santo, pelos lábios de Isabel, é o sinal do amor e da inauguração de uma vida nova – de paz e justiça – anunciada pelo nascimento dos dois meninos. Na antiga tradição, é o filho que confere dignidade a uma mulher e Maria, bendita entre as mulheres, é a mais abençoada porque encontra sua fonte e seu fim no fruto do seu ventre. O Magnificat de Maria é o anúncio de que as promessas de Deus podem ser esperadas e que já começaram a ser cumpridas, pois por este cântico ela ensina a maneira concreta de se viver o Evangelho: ser perseverantes no Espírito e solidários, na travessia, com todos os homens e mulheres. A Assunção de Maria é e será também a nossa assunção: o florescimento do dom da vida que recebemos de Deus. Neste florescimento o corpo se transforma, se interioriza e, translúcido, se converte, para sempre, no sacramento de uma presença divina. Paulo nos afirma: “O Cristo transformará o nosso corpo fraco e mortal e fará com que fique igual ao seu próprio corpo glorioso, usando para isso o mesmo poder que ele tem para dominar todas as coisas” (Fl 3, 20-21). O tempo que nos é dado é um tempo de gestação e precisamos discernir o tempo da graça que nos é dado viver. Maria é bendita porque, despojada e pobre, escutou inteiramente a Palavra que a chamava ao amor ainda que “a tristeza, como uma espada afiada” fosse cortar o seu coração. A Assunção de Maria é fruto do consentimento à sedução irreversível do Senhor, como ela aprendera a ouvir: “Tu me seduzistes, Senhor, e eu me deixei seduzir (Jr 7,12). No entanto, na nossa liberdade podemos resistir Àquele que nos deseja e, então, a nossa vida e nosso élan ficam sepultados sob um montão de escombros – poder, dinheiro, ganância e hipocrisia – que são ruínas de morte e recusa. Deixemo-nos, como Maria, sermos desejados por Deus e, assim como ela, no mais íntimo de nós, entoemos o canto nupcial: “Filhas de Jerusalém, anunciai ao meu Amado que estou morrendo de amor” (Ct 5, 8).

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

O Encontro de Maria e de Elizabeth (Isabel), 1986, Jean-Marie Pirot (Arcabas) (1944-), acetato de polivinil, óleo sobre tela de linho, 65 x 54 cm, França.





quarta-feira, 7 de agosto de 2024

O Caminho da Beleza 38 - XIX Domingo do Tempo Comum

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).

XIX Domingo do Tempo Comum    

1 Rs 19, 4-8            Ef 4, 30-5,2            Jo 6, 41-51

 

 

ESCUTAR

“Levanta-te e come! Ainda tens um caminho longo a percorrer” (1 Rs 19, 7).

“Sede imitadores de Deus, como filhos que ele ama. Vivei no amor, como Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós, em oblação e sacrifício de suave odor” (Ef 5, 1-2).

“Eu sou o pão da vida” (Jo 6, 48).

 

MEDITAR

Não é a religiosidade o que faz a verdade ou a mentira de uma vida humana, mas sim a autenticidade dessa mesma vida. “Em Espírito e verdade deseja o Pai ser adorado”, recordava Jesus a Samaritana, junto ao poço de Jacó (Jo, 4, 23).

(Pedro Casaldáliga)

Duas forças nos atraem como os imãs. Uma nos impulsiona para a idolatria: “Eu, eu, eu, somente eu”. A outra nos impulsiona à partilha.

(Abbé Pierre)

 

ORAR

No caminho dos homens estão os dons de Deus: o pão assado e um jarro d’água para Elias; o Espírito Santo para os que acreditam e o qual não podemos contristar com amargura, irritação, cólera e injúria; e o pão da vida para os que se comprometem com o caminho do novo êxodo. A estes dons devemos responder, respectivamente, com o compromisso da missão; com o viver no amor na identidade com o Cristo e alimentarmo-nos da carne do Filho do Homem. Somos chamados, na nossa vida comunitária, a “ser hospitaleiros uns com os outros sem murmurar” (1 Pd 4, 9) e a testemunharmos que a primeira hospitalidade é a do coração. O Senhor nos cura do cansaço, como curou Elias, de uma maneira insólita: “Levanta-te e come! Ainda tens um caminho longo a percorrer”. Para o Senhor ficamos cansados não pelo pouco que fizemos, mas pelo muito que ainda não fizemos. O Senhor sabe que só nos cansamos quando não temos a coragem de novos sonhos e quando nos movimentamos muito, mas não caminhamos e nem saímos do lugar porque nos perdermos em devaneios estéreis. O sinal da multiplicação responde pela quantidade de pão repartido entre todos; o sinal das bodas de Caná responde pela qualidade de vinho oferecido a todos. Jesus anuncia que o pão que será oferecido é a sua própria carne dada para a vida de um mundo diverso e plural. A sua carne, dada eternamente em oferenda, deve ser compreendida como a doação da sua existência humana para todos, sem exceção. E eternamente não significa um prolongamento infinito da vida biológica, mas a dimensão inesgotável, na nossa existência, do dar a vida continuamente e sempre. Devemos nos converter num viático eucarístico; numa provisão sempre disponível de um amar que enfrenta os desertos estéreis da intolerância e da discriminação. Estes desertos que fazem sucumbir, pela violência, pela ignorância e pelos preconceitos, os filhos e filhas amados do Senhor, criados à sua imagem e semelhança e submetidos à aridez das nossas instituições religiosas e civis. O pão (Jo 6, 51) que nos dá força e nos coloca em pé é o próprio caminho (Jo 14, 6) e se nos alimentarmos Dele também alimentaremos o caminho que se converte em força vital para a superação dos cansaços. Gravemos no coração o poeta espanhol: “Caminhante não existe caminho, faz-se o caminho ao andar” (Antonio Machado).

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Um bebê sírio é passado por um buraco na barreira de arame farpado, entre a fronteira da Sérvia e Hungria, 2015, Warren Richardson (1968-), Austrália, World Press Photo.





sexta-feira, 2 de agosto de 2024

O Caminho da Beleza 37 - XVIII Domingo do Tempo Comum

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).

XVIII Domingo do Tempo Comum                        

Ex 16, 2-4.12-15                Ef 4, 17.20-24                   Jo 6, 24-35

 

ESCUTAR

“Por que nos trouxestes a este deserto para matar de fome a toda esta gente” (Ex 16, 3).

Revesti o homem novo, criado à imagem de Deus, em verdadeira justiça e santidade (Ef 4, 24).

“Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede” (Jo 6, 35).

 

MEDITAR

O ser humano está feito para o dom, que exprime e realiza a sua dimensão de transcendência... Sendo dom de Deus absolutamente gratuito, irrompe na nossa vida como algo não devido, que transcende qualquer norma de justiça. Por sua natureza, o dom ultrapassa o mérito; a sua regra é a excedência.

(Bento XVI)

 

Quem te ama te entrega sementes.

(Provérbio Burundi)

 

ORAR

Devemos estar lúcidos e atentos às nossas buscas. Jesus é enfático: “Em verdade, em verdade eu vos digo, estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos”. Muitas vezes buscamos Jesus por razões equivocadas, por coisas que nada tem a ver com Ele. São buscas redutivas, mesquinhas. Cristo critica os saciados materialmente porque não têm mais nenhuma fome por estarem com o estômago cheio. Jesus nos convida a descobrir outra fome e outra sede e, para isto, devemos ir ao encontro da Palavra e além dos milagres. O Cristo de João alcança o homem onde ele está para desenraizá-lo, para deslocá-lo, para levantá-lo e desafiá-lo a ir mais longe, para além de si mesmo, até os confins da terra. A prática do Cristo se resume numa palavra precisa: superação. As pessoas satisfeitas defendem as posições adquiridas, são alérgicas e insensíveis ao êxodo existencial de si mesmo para o Outro. Jesus continua nos convidando a ir mais longe, a ultrapassar o umbral e a entrar no espaço da liberdade do Reino. É preciso aniquilar a lembrança e a nostalgia do maná, que não impede de morrer, para acolher e se alimentar do pão que garante a vida eterna. É preciso renegar as seguranças para permanecer surpreendidos com a Verdade. Tantas vezes, na linha do limite, acovardamo-nos diante do passo decisivo a ser dado e consumamos a recusa, a ruptura, o abandono e a separação. Preferimos a lógica do ajustamento à lei da superação. O pão da Vida está destinado a quem está disposto a nascer todo dia como homem novo na mente e no espírito. A fé cristã não consiste em cumprir corretamente um código de regras. No processo da fé, produzimo-nos como cristãos à medida que aprendemos a pensar, sentir, amar e viver como Jesus. A vida eterna não é um prolongamento infindável desta nossa vida, mas um modo absolutamente novo de ser que nos é dado por Deus. Somos e seremos inundados pelo dom de Deus manifestado em Jesus Cristo e isto transcende toda a capacidade humana, pois é pura gratuidade e graça.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Pai e filho na província de Helmand, Afeganistão, 1980, Steve McCurry (1950-), Estados Unidos.