quarta-feira, 24 de abril de 2024

O Caminho da Beleza 23 - V Domingo da Páscoa

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).

V Domingo da Páscoa               

At 9,26-31               1 Jo 3, 18-24                      Jo 15, 1-8

 

 

ESCUTAR

 

A Igreja, porém, vivia em paz em toda a Judeia, Galileia e Samaria. Ela consolidava-se e progredia no temor do Senhor e crescia em número com a ajuda do Espírito Santo (At 9, 31).

 

Não amemos só com palavras e de boca, mas com ações e de verdade! Aí está o critério para saber que somos da verdade e para sossegar diante dele o nosso coração, pois, se o nosso coração nos acusa, Deus é maior que o nosso coração e conhece todas as coisas (1 Jo 3, 18-20).

 

“Quem não permanecer em mim será lançado fora como um ramo e secará. Tais ramos são recolhidos, lançados no fogo e queimados” (Jo 15, 6).

 

 

MEDITAR

 

Não se deve considerar nem encarar Deus como estando exterior a nós mesmos, mas como aquilo que nos é próprio, como aquilo que nos é mais íntimo... Muitas pessoas imaginam, ingenuamente, que elas devem “ver” Deus: ele permaneceria lá e elas aqui. Mas não é assim. Deus e eu somos um.


(Mestre Eckhart)

 

 

ORAR

 

Estamos no campo da vida e não de uma empresa qualquer. Não se trata de produtividade, pois os números não podem dar conta da vida. Esta vinha não assegura lucros e vantagens aos que dela fazem parte. Seus frutos são para os outros. É uma vinha aberta e plural e qualquer um pode reclamar os seus frutos. Ninguém, para produzir, pode adotar métodos e meios que mais o agradem. É o Senhor que estabelece as condições de fecundidade: permanecer Nele e aceitar ser podado para crescer mais forte e dar mais frutos. “Permanecer em Mim” significa uma convivência profunda, uma comunhão íntima e um intercâmbio vital. Se as igrejas tentarem substituir esta conexão existencial e essencial, aliando-se politicamente aos mecanismos de poder com os grandes da terra, elas se condenarão a si mesmas à esterilidade. Para João, os frutos são o amor e por esta razão a vinha do Senhor deve ser plantada, cultivada e cuidada para que produza essencialmente um amor reconhecido por gestos concretos de misericórdia. Nenhuma igreja pode praticar o amor exclusivamente intra muros. O papa Francisco apela para que ela saia para fora onde sopra o vento gelado da injustiça, da solidão, da violência, da indiferença e da exclusão. Devemos dilatar os nossos corações até as dimensões do coração de Deus, pois seu amor é maior do que os nossos olhares mesquinhos, do que a nossa lei e do que as estruturas de discriminação e condenação. Não podemos reduzir a Igreja de Jesus a um folclore anacrônico sem a vitalidade da Boa Nova. A fé não é uma emoção do coração, uma efusão de sentimentos. Não é uma opinião pessoal, nem uma tradição familiar com rígidos costumes religiosos. A fé não é uma receita moral tranquilizante. A fé começa a se desfigurar quando esquecemos que ela é, antes de mais nada, um encontro pessoal com Alguém, no outro. A falta deste contato interior com Cristo, fonte de Vida, no próximo, pode nos conduzir a um ateísmo prático: confessamos fórmulas vazias de sentido para os nossos desafios e testemunhos. Ser cristão exige uma experiência vital com o Cristo e uma paixão pelos seus desígnios de amor. Se não vivenciarmos isto nunca seremos ramos da Vinha, mas galhos secos e estéreis, prontos para serem lançados “no fogo e queimados”.

 

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

 

CONTEMPLAR

 

Christ, “the True Vine”, Angelos Akotantos, primeira metade do século XV, Escola de Creta, têmpera sobre ouro e gesso sobre madeira, 38 cm x 48 cm, Temple Gallery, Londres, Reino Unido.

 


sexta-feira, 19 de abril de 2024

O Caminho da Beleza 22 - IV Domingo da Páscoa

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).

IV Domingo da Páscoa                        

At 4, 8-12                1 Jo 3, 1-2                Jo 10, 11-18

 

ESCUTAR

“Jesus é a pedra que vós, os construtores, desprezastes e que se tornou a pedra angular” (At 4, 11).

“Amados, vede que grande presente de amor o Pai nos deu: de sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos!” (1 Jo 3, 1-2).

“Eu dou a minha vida pelas ovelhas” (Jo 10, 15).

 

MEDITAR

Eu sou o Amor sem limites. Não conheço nenhum limite no tempo. Não conheço nenhum limite no espaço. Não há nenhum lugar em que eu não me encontre. Não há nenhum momento em que eu não exprima o que sou, quem eu sou. Eu sou a origem e a raiz mais profunda, e o impulso do que vós sois. Eu sou a vossa verdadeira vida.

 

(Um monge da igreja oriental)

 

 

ORAR

Muitas vezes, nós pastores, obedecemos a lógica do mercenário quando cedemos ao prestígio pessoal, ao êxito, à popularidade; quando camuflamos, pelo paternalismo, o desejo de centralizar o poder; quando, ao invés de servir nos servimos das pessoas e nos relacionamos com elas sob a ótica da utilidade. Não criamos uma comunidade, mas uma corte de bajuladores que repartem entre si os cargos de maior visibilidade na igreja. Jesus se apresenta como o Bom Pastor, mas também como o Cordeiro (Jo 1, 29) e o cordeiro sempre nos invoca a imagem de debilidade mais do que a de força; de vítima mais do que a de guerreiro e conquistador; de modéstia mais do que a de arrogância. O evangelista João reafirma que o Cordeiro de Deus não se afastou, nem discriminou os pecadores e doentes, mas se tornou plenamente solidário com todos, sem exceção. Entre nós existe apenas uma raça que não está comprometida pela ameaça da extinção: a dos lobos e mercenários sem escrúpulos, que transitam livremente entre os rebanhos que estão muitas vezes à mercê deles como “ovelhas sem pastor”. Apascentar significa vigiar, nutrir, ensinar e sustentar. O bom pastor não apascenta a si mesmo, caso contrário será um “amor” ladrão que toma posse do que pertence a Deus e trai a confiança nele depositada; será ainda um “amor” feroz que usa da voracidade, da violência e da chantagem afetiva para submeter o outro e negar-lhe o direito à liberdade de amar. A comunidade criada pelo Cristo só a Ele pertence e não está encerrada em nenhuma instituição e nem restrita a uma cultura específica. O Cristo distribui os dons plurais e diversos para que nasçam comunidades fraternas e amorosas espalhadas por estas veredas de Deus e que um dia serão um único rebanho de um só pastor. Temos manipulado nossos jovens e nos servido deles para preencher os ginásios, as praças e os campos de futebol a fim de ostentar, com o poder dos números, a presença massiva em nossas igrejas. No entanto, Pedro alerta: quando aparecer o pastor supremo (1 Pd 5, 4), Ele não nos pedirá contas dos resultados faraônicos obtidos na colheita e no pastoreio, mas nos questionará sobre a paciência amorosa com a qual nos revestimos para semear e pastorear. O terreno do Juízo Final não será o ruidoso espaço das praças e ginásios, mas o pedaço minúsculo do nosso coração. A Igreja de Jesus não está construída sobre preciosos mármores ou cenários monumentais. A Igreja de Jesus está alicerçada sobre “uma pedra desprezada pelos construtores”. Somos herdeiros de Pedro, o pescador, e não de Constantino, o imperador. A comunidade cristã se nutre da disponibilidade de amar e de dar a vida uns pelos outros ainda que seja por meio de orações e intercessões. Somos parte deste Corpo Místico do Cristo em que o menor gesto ecoa e faz vibrar a totalidade deste mesmo Corpo. Se as ovelhas não valem a nossa vida, erramos de redil e nos perdemos, clamorosamente, nas estatísticas burocráticas de uma instituição eclesiástica. O mistério pascal se expressa no ato de entregar a vida e no aceitar, se preciso for, a morte. Jesus neste evangelho lança um desafio crucial: realizamos o nosso serviço aos irmãos como funcionários/mercenários ou como pessoas comprometidas com as comunidades que nos foram dadas por Deus? Se vingarmos a nossa presença como mercenários e não como samaritanos, viveremos na angústia de uma consciência infeliz que engana e, então, todos sairão perdendo: o pastor, as ovelhas, mas, sobretudo, a Igreja de Jesus.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts).

 

CONTEMPLAR

O Bom Pastor, Daniel Bonnell, óleo sobre tela, 24” x 48”, Carolina do Sul, Estados-Unidos.

 


quinta-feira, 11 de abril de 2024

O Caminho da Beleza 21 - III Domingo da Páscoa

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).

III Domingo da Páscoa                        

At 3, 13-15.17-19               1 Jo 2, 1-5                Lc 24, 35-48

 

 

ESCUTAR

 

“Vós rejeitastes o santo e o justo e pedistes a libertação para um assassino. Vós matastes o autor da vida, mas Deus o ressuscitou dos mortos, e disso nós somos testemunhas” (At 3, 14-15).

 

Meus amados, escrevo isto para que não pequeis. No entanto, se alguém pecar, temos junto do Pai um defensor: Jesus Cristo, o justo (1 Jo 2, 1).

 

Jesus disse: “Tendes aqui alguma coisa para comer?”. Deram-lhe um pedaço de peixe assado. Ele o tomou e comeu diante deles (Lc 24, 41-42).

 

 

MEDITAR

 

Jesus nos ensinou ou, ao menos, quis nos ensinar a situar Deus num universo interpessoal, isto é, um universo onde não só o conhecemos como o amamos. Este universo é o universo de nossa humanidade, é o universo de nossas ternuras e de nossos amores, o único universo respirável, o único no qual nós podemos nos situar, se nós não quisermos renunciar à nossa dignidade (Maurice Zundel).

 


ORAR

 

     Existe uma história escrita pelo Altíssimo que inverte nossas opções equivocadas. Para Ele, sempre existirá um mas que vira do avesso os fatos: “Vós matastes o autor da vida, mas Deus o ressuscitou dos mortos”. Somos convidados a escrever uma história distinta de uma vez por todas e a não mais atrapalhar e impedir a nova trama da vida. Esta novidade é possível graças ao Ressuscitado que não aceita o medo dos seus amigos: “Eles ficaram assustados e cheios de medo, pensando que estavam vendo um fantasma”. Devemos sempre nos questionar quais os fantasmas que criamos para deformar as exigências do Evangelho e nos evadir dos passos do Cristo. Os fantasmas do poder, do dinheiro, do isolamento e de uma vida que basta a si mesmo: o que é meu é meu e o que é teu é meu também. O Ressuscitado representa a derrota do medo para que possamos chegar à plenitude do amor (1 Jo 4, 18). Quem teme nunca alcançará o amor perfeito. O amor desaloja do nosso interior o medo do castigo que tanta angústia nos causa. Este amor louco de Deus está sempre presente na comunidade cristã e na vida de cada um de nós. A todo e qualquer momento, podemos contar com este amor fiel e dele arrancar força e esperança. Crer significa aprender a ler os acontecimentos da vida como expressão dos passos de Deus, o passageiro misterioso que nos acompanha na travessia, que nos aponta o futuro que jamais será uma cópia ou uma repetição do passado. O Ressuscitado pode ser encontrado desde que queiramos, não desviemos o olhar e sejamos capazes de gestos concretos de compaixão: “Quem vos der de beber um copo d’água em meu nome não perderá a sua recompensa” (Mc 9, 41). Na Páscoa cristã, o Ressuscitado, nosso advogado junto ao Pai, e o pecador convertido se cruzam e constituem a comunidade pascal. Uma pequena condição é necessária: que à liberdade da oferta divina corresponda a liberdade da aceitação humana. Meditemos o nosso sim cotidiano ao Ressuscitado nas palavras do teólogo Henri de Lubac: “Todo problema da vida espiritual consiste no liberar o desejo da vida e transformá-lo em conversão radical, em metanóia, sem a qual não se entra absolutamente no Reino”. Deixemo-nos conduzir pelo Espírito que habita em nós como uma comunhão de mistérios, um encantamento de ternuras, que faz os que se amam olharem, não mais um para o outro, mas todos na mesma direção.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas e Pe. Eduardo Spiller, mts).

 

CONTEMPLAR

 

On the Edge, 2022, Jean Patrick Gras, Praia da Ferrugem, Santa Catarina, Brasil, direitos adquiridos de imagem do site surfmappers.




sexta-feira, 5 de abril de 2024

O Caminho da Beleza 20 - II Domingo da Páscoa

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).

II Domingo da Páscoa

At 4, 32-35         1 Jo 5, 1-6         Jo 20, 19-31


ESCUTAR

“Ninguém considerava como próprias as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum” (At 4, 32).

“Este é o que veio pela água e pelo sangue: Jesus Cristo. (Não veio somente com a água, mas com a água e o sangue)" (1 Jo 5, 6).

“Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” (Jo 20, 29).


MEDITAR

Jesus concebia a fé como disposição do coração, confiança, atitude abrangente da existência. A fé de Jesus é a orientação de quem uniu a liberdade ao único necessário, desligando-a dos múltiplos ídolos do poder. É a fé como paz do coração, e também como luta contra a injustiça.

(Vito Mancuso)

Quanto a mim, confesso que acho natural entregar-me por inteiro ao afeto de meus amigos, especialmente quando estou cansado dos escândalos do mundo. Neles me repouso sem preocupação alguma. Pois sinto que Deus está lá, que é n'Ele que me lanço com toda a segurança e em toda segurança me repouso... Quando sinto que um homem, abrasado de amor cristão, tornou-se meu amigo fiel, o que lhe confio de meus projetos e de meus pensamentos não é a um homem que confio, mas Àquele em quem ele permanece e pelo qual é o que é.

(Santo Agostinho)


ORAR

    A primeira comunidade cristã entrelaça as suas raízes num terreno de comum humanidade com todos os outros: eram "um só coração e uma só alma”. No entanto, era distinta, pois colocavam tudo em comum e repartiam de acordo com a necessidade de cada um. O cristianismo nos ensina que irmão não é somente quem partilha a mesma fé, mas o que, gratuitamente, participa dos nossos bens. Na primeira comunidade não existia discriminação econômica e a prática da partilha e da solidariedade substituía uma lógica patronal e privatizada. Mas existiram sombras nesta comunidade. Ananias e Safira venderam sua propriedade, guardaram para si parte do dinheiro e o resto depuseram aos pés dos apóstolos. Foram réus porque mentiram ao Espírito Santo e caíram mortos aos pés de Pedro: “Não mentiste aos homens, mas a Deus” (At 5, 4). O evangelista apresenta uma comunidade em crise de medo. Tomé é o gêmeo de Jesus porque é o único discípulo disposto a dar a sua vida por Ele. A diferença entre Tomé e Pedro é que o gêmeo compreendeu que Jesus não pede que se morra por Ele, mas com Ele. Não somos chamados, como heróis, a dar a vida por Jesus, mas dar a vida pelos outros como foi o seu testemunho de amor. A leitura equivocada dos evangelhos converteu Tomé em um incrédulo. Jesus não lhe aponta um dedo ameaçador, porque um dedo ameaçador não salva ninguém e nem é um argumento convincente. A grande dificuldade de acreditar não vem da invisibilidade do Ressuscitado, mas da visibilidade dos cristãos que se mostram pouco acolhedores e misericordiosos. Tomé não nega a ressurreição de Jesus, mas revela uma atitude quase desesperada de crer nela e faz a mais elevada profissão de fé: “Meu Senhor e meu Deus!”.  Apesar disto tudo, Jesus não o propõe como modelo de fé. Para Jesus, o verdadeiro fundamento da fé não são as visões e aparições nem as experiências extraordinárias, mas o simples serviço prestado por amor. A comunidade cristã deve ser fiel ao anúncio e ao testemunho do Evangelho; fiel ao amor fraterno expresso no serviço aos mais necessitados e fiel à partilha eucarística, seu coração e élan vitais. Meditemos um provérbio indiano: “Quando batemos palmas conhecemos o som de duas mãos juntas. Mas qual é o som de uma única mão?”.

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)


CONTEMPLAR

A incredulidade de São Tomé, 1620, Matthias Stomer (1600-1650), Países Baixos, óleo sobre tela, 125 cm x 99 cm, Museu do Prado, Espanha.