segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

O Caminho da Beleza 07 - Epifania do Senhor

O Caminho da Beleza 07
Leituras para a travessia da vida


“O conceito de sabedoria é aquele que reúne harmonicamente diversos aspectos: conhecimento, amor, contemplação do belo e, também, ao mesmo tempo, uma ‘comunhão com a verdade’ e uma ‘verdade que cria comunhão’, ‘uma beleza que atrai e apaixona’” (Francisco).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).



Epifania do Senhor                   04.01.2015            
Is 60, 1-6                 Ef 3, 2-3a.5-6                    Mt 2, 1-12


ESCUTAR

Levanta-te, acende as luzes, Jerusalém, porque chegou a tua luz, apareceu sobre ti a glória do Senhor (Is 60, 1).

Os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo, por meio do Evangelho (Ef 3, 6).

Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram para a sua terra, seguindo outro caminho (Mt 2, 12).


MEDITAR

É por meio da prática daquilo que é bom nas suas próprias tradições religiosas, e seguindo os ditames da sua consciência, que os membros das outras religiões respondem afirmativamente ao convite de Deus e recebem a salvação em Jesus Cristo, mesmo se não o reconhecem como o seu Salvador (cf AG 3, 9, 11) (Diálogo e Anúncio, Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso).

O que se espera do missionário (...) não é que pregue sobre a Igreja e a torne atraente por uma exaltação humana de seu poder, de seu prestígio, de sua prudência, de sua ciência, de todas as suas riquezas, enfim. A Igreja deve desaparecer diante de Jesus para quem aponta, como João Batista (Bernardo Catão).


ORAR

Os textos deste domingo revelam que o poder de Deus é o da inclusão sem discriminação: “Os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do mesmo corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo por meio do evangelho”. Os magos, desconhecidos e pagãos, representam todos os não-judeus que pela graça de Deus têm o mesmo direito à herança de Israel. Herodes exerce um poder de exclusão. Os magos procuram o rei dos judeus e suscitam, por esta busca, um conflito mortal e impiedoso com o rei Herodes que se apresentava como o rei do povo consagrado a Deus e o rei herdeiro de Davi. Herodes é um usurpador, assassino e mentiroso, e o seu poder real é mantido pelo massacre e pelo derramamento de sangue dos seus opositores. O reino de Herodes representa todos os reinos deste mundo mantidos pelos assassinatos, pela barbárie e pela dissimulação: “Ide e procurai obter informações exatas sobre o menino. E, quando o encontrardes, avisai-me, para que também eu vá adorá-lo”. O reino do Cristo não significa que o Menino, um dia, sucederá a Herodes, como ele temia, e nós, muitas vezes desejamos. Jesus, o Cristo, não vem limitar para nós a compreensão de Deus, mas alargá-la ao infinito. O combate que O conduz à morte na Cruz é um maravilhoso combate pela liberdade humana: “O sábado foi feito para o homem, não o homem para o sábado” (Mc 2, 27). O sinal de uma igreja autêntica é o testemunho de que a única maneira de ser cristão, no Espírito de Jesus, é não ter fronteiras. O encontro com a manifestação de Deus nas outras religiões é um convite para iluminar a nossa ignorância, corrigir os nossos defeitos e descobrir as novas riquezas da Epifania de Deus que a estreiteza das burocracias religiosas não permite vislumbrar. É hora da acolhida e da expansão e precisamos romper, definitivamente, as certezas defendidas por cada tradição religiosa de que a sua religião está no centro do mundo e que as outras gravitam em sua periferia. Jesus revela que nos espíritos medíocres, e por isto mesmo autoritários, a pretensa universalidade só se efetiva com a exclusão dos diferentes de nós. O diálogo supõe um mistério de unidade: uma única família humana, um desígnio divino de salvação e a presença ativa do Espírito Santo na vida religiosa da humanidade. Jesus, o Cristo, testemunha que o Pai que se revela a nós, no Espírito, não é e não será jamais alvo de nossa tentativa de posse e, muito menos, um meio de salvação exclusivo, pois o seu amor e salvação são destinados a todos. Não podemos nos tornar os Herodes de nossos irmãos e nos apresentarmos diante de Deus com as nossas mãos sujas do sangue de inocentes. Neste domingo, conduzidos pelo Espírito de Jesus, sejamos como os magos que viram a estrela; uma estrela que brilhou nos seus corações e que os conduziu ao encontro inefável com o Coração Divino que os esperava. Um coração que sempre nos fará trilhar caminhos de liberdade e de amor e nos afastará dos caminhos enganosos dos poderosos que se mantêm pelo medo, pelo terror e pela barbárie: “Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram para a sua terra, seguindo outro caminho”.


CONTEMPLAR

A Noite Estrelada, 1889, Vincent van Gogh (1853-1890), óleo sobre tela, 73 cm x 92 cm, Museu de Arte Moderna, Nova York, Estados Unidos.





sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O Caminho da Beleza 06 - Sagrada Família

O Caminho da Beleza 06
Leituras para a travessia da vida


“O conceito de sabedoria é aquele que reúne harmonicamente diversos aspectos: conhecimento, amor, contemplação do belo e, também, ao mesmo tempo, uma ‘comunhão com a verdade’ e uma ‘verdade que cria comunhão’, ‘uma beleza que atrai e apaixona’” (Francisco).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).


 Sagrada Família            
Gn 15, 1-6; 21, 1-3                        Hb 11,8.11-12.17-19                     Lc 2, 22-40

ESCUTAR

Sara concebeu e deu a Abraão um filho na velhice, no tempo em que Deus lhe havia predito (Gn 15, 2).

Foi pela fé que Abraão obedeceu a ordem de partir para uma terra que devia receber como herança, e partiu, sem saber para onde ia (Hb 11, 8).

O menino crescia e tornava-se forte, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava com ele (Lc 2, 40).


MEDITAR

Deus diz: “Eu sou a bondade soberana de todas as coisas. Eu sou o que faz você amar. Eu sou o que faz você durar e desejar. Eu sou isto – o cumprimento sem fim de todos os desejos” (Julian de Norwich).

Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada em ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos (Francisco, Bispo de Roma).


ORAR

Neste domingo, a liturgia nos faz contemplar Abraão e Maria e a sua resposta de fé alicerçada numa esperança absoluta. Abraão tinha noventa e nove anos e o Senhor lhe promete um filho com Sara que, ao ouvir a promessa do Senhor, diz: “Eu já estou seca, será que irei sentir prazer, com um marido tão velho?” (Gn 18, 12). O Senhor anuncia a Maria, a favorecida, um filho ainda que ela não convivesse com o seu noivo José. Abraão responde “Eis-me aqui” e antecipa a resposta da Virgem: “Eis aqui a serva do Senhor, que sua palavra se cumpra em mim”. As descendências prometidas ultrapassam a carne, pois o Senhor desafia: “Olha para o céu e conta as estrelas, se fores capaz! Assim será tua descendência”. E Deus não trapaceia! Para Deus, não existe uma vida leiga, pois toda a vida é totalmente e eternamente consagrada. E esta vida consagrada ao amor conduz todos os homens e mulheres que a escolhem a uma santidade mais radical e mais essencial: a de não trapacear! Os que trapaceiam com a vida e com Deus se afastam da justiça e da verdade e neste cego afastamento testemunham que trapacear é necessariamente trair e matar. É no silêncio que esta família de Deus se expande e que o Espírito do Senhor a conduz. É nos braços acolhedores de Simeão, movido pelo Espírito, que a fragilidade do Menino se confia à humanidade e se cumpre a última profecia: “Agora, Senhor, segundo a tua promessa, deixas teu servo ir em paz, porque meus olhos viram a tua salvação, que preparastes diante de todos os povos: luz para iluminar as nações e glória de Israel, teu povo”. Deus se faz dom para que possamos nos doar uns aos outros, especialmente aos que ainda não conhecem o Cristo, e só assim O encontramos. Caso contrário, ainda que sejamos batizados, não conheceremos Aquele que é puro Dom e nos esconderemos em aconchegos imaturos armados pela mediocridade das nossas instituições religiosas. No silêncio é que Maria quer ser acolhida por nós, pois é por ela que Jesus nos é dado e que o Espírito nos habita. No silêncio, José acolhe o Mistério e se coloca peregrino para que o dom de Deus não se esvaia e o Menino seja a Luz das Nações. No silêncio, Simeão soube esperar e ultrapassar os limites do seu próprio eu que poderia se opor à passagem da Luz, que tudo transforma em visibilidade e transparência. No silêncio, tudo o que somos, temos e fazemos, recebemos do Espírito que nos ensina a vigiar, como José e Maria, contemplando a face do Menino que nos foi confiado. É nesta contemplação silenciosa que Ele abrirá nossos corações para que, olhando os outros, não a nós mesmos nem a nossa igreja, saibamos “ver a salvação”. Aprendamos da sabedoria africana que “a palavra digna de veneração é o silêncio”, pois aquele que não sabe guardar o silêncio, não sabe falar. Os Padres da Igreja chamam os que não sabem guardar e zelar pelo silêncio de “Stabulum sine janua” – estábulos sem porta. A Sagrada Família nos ensina o recíproco zelo para que não se esmoreça o cumprimento do destino pleno de Deus. Temos que ir às últimas consequências, pois o amor é o vínculo da perfeição e o nosso primeiro próximo é esta Vida Divina colocada em nossas mãos para que, como manjedouras de Deus, desde agora e para sempre, tornemo-nos uma autêntica maternidade divina. Esta é a razão porque Jesus nos deixou uma pequena frase perturbadora, mas irresistível: “Vede minha mãe e meus irmãos. Pois, quem cumpre a vontade de meu Pai do céu, esse é meu irmão, irmã e mãe” (Mc 3, 34-35).


CONTEMPLAR

A Fuga no Egito, s.d., Arcabas (Jean-Marie Pirot) (1926-), óleo sobre tela, 81 cm x 100 cm, França.





segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

O Caminho da Beleza 05 - Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo

O Caminho da Beleza 05
Leituras para a travessia da vida


“O conceito de sabedoria é aquele que reúne harmonicamente diversos aspectos: conhecimento, amor, contemplação do belo e, também, ao mesmo tempo, uma ‘comunhão com a verdade’ e uma ‘verdade que cria comunhão’, ‘uma beleza que atrai e apaixona’” (Francisco).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).



Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo                      25.12.2014
Is 52, 7-10               Hb 1, 1-6                  Jo 1, 1-18


ESCUTAR

Como são belos, andando sobre os montes, os pés de quem anuncia e prega a paz, de quem anuncia o bem e prega a salvação (Is 9, 7).

Muitas vezes e de muitos modos falou Deus outrora aos nossos pais, pelos profetas; nestes dias, que são os últimos, ele nos falou por meio do Filho, a quem ele constituiu herdeiro de todas as coisas e pelo qual também ele criou o universo (Hb 1, 1-2)

E a Palavra se fez carne e habitou entre nós (Jo 1, 14).


MEDITAR

O homem é uma criatura que recebeu a ordem de se tornar Deus (São Basílio).

O sagrado no Cristo não é qualquer coisa que existe sob os ferrolhos ou que é colocada atrás das grades ou ainda sob véus impenetráveis. O sagrado em Jesus é o homem, é o próprio homem. São as nossas mãos, o trabalho de nossas mãos; são os nossos olhos e a luz que os preenche; são os nossos corações e esta maravilhosa capacidade de amar. Isto tudo é o que constitui o sagrado que perpetua a Encarnação e que não cessa de tornar presente o Cristo entre nós (Maurice Zundel).


ORAR

Natal significa que “um Menino nos nasceu” e este é o sinal para a Humanidade. Nada de grandioso ou espetacular, pois Deus para nos encontrar escolhe o caminho da modéstia e da pequenez. O Natal significa que o sorriso divino pousou sobre as nossas misérias, devolveu a esperança e nos abriu todas as possibilidades futuras. Este rosto do Menino não é mais o de um Deus distante, carrasco; nem o de um Deus desiludido e traído. Este rosto terno e carinhoso revela a única condição para conquistarmos a vida eterna: deixarmo-nos amar. O natal não é apenas uma data inventada, mas o início da Boa Nova que nos faz saber que um escapou do censo ordenado por Cesar Augusto e que, portanto, não foi incluído como um dado estatístico. Não comemoramos uma data que colocou tudo em ordem, mas um início de um tempo em que a justiça de Deus se manifesta em toda a sua plenitude. A solidão acabou porque os homens e mulheres têm a mão que os guia, que os salva e os consola. O evangelista revela que o Verbo não somente entra no mundo, mas se torna um membro da humanidade e declara que a presença de Deus (Shekinah), até então na tenda da Aliança, está agora plenamente realizada na tenda de carne do Emmanuel. A divindade não se sobressai como um árbitro destacado e eterno do contexto terrestre, mas está implicada na complexidade da realidade humana. O evento decisivo da nossa existência e o artigo de fé fundamental do cristianismo é a encarnação do Verbo. No Natal, é desvelado que o Cristo é a Palavra que exige escuta; é a Vida que exige adesão do coração; é a Luz que exige a luta contra a cegueira para que possamos todos juntos, peregrinos, construir a cada nova geração um mundo de justiça e paz. No entanto, alguns natais são anunciados sem nenhum engajamento de fé. Um natal folclórico, mercantilizado, ruidoso e de um ritualismo consumista; um natal emotivo, marcado pelo infantilismo e que, apesar dos sentimentos, sabe calcular os impulsos de generosidade; um feriado natalino para ser aproveitado em viagens esnobes, que nos levem o mais distante possível de todos. Finalmente, um natal dos que foram um dia batizados e que, ao menos uma vez por ano, vestem o disfarce de cristãos para poder passar pelo umbral das igrejas mais próximas que lhes ofereça um horário de celebração mais cômodo para não atrapalhar a ceia natalina e a troca de presentes. Outros natais são possíveis de ser acrescentados à lista uma vez que são apenas pretextos para qualquer coisa. Que neste dia de Natal sejamos capazes de colocar nas nossas vidas um pouco menos de qualquer coisa, como os restos de nossas ceias. Que sejamos capazes de conseguir um pouco menos de alienada religiosidade e um pouco mais de fé comprometida com Aquele cujo nome é “Conselheiro Admirável, Deus Guerreiro, Pai dos Tempos Futuros e Príncipe da Paz” (Is 9, 5).


CONTEMPLAR

A Natividade, 1950, Marc Chagall (1887-1995), guache, aquarela, nanquim e lápis de cera lavável sobre papel crayon, 38,1 cm x 55,9 cm, Galeria Ferrero, Genebra, Suíça.







segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

O Caminho da Beleza 04 - IV Domingo do Advento

O Caminho da Beleza 04
Leituras para a travessia da vida


“O conceito de sabedoria é aquele que reúne harmonicamente diversos aspectos: conhecimento, amor, contemplação do belo e, também, ao mesmo tempo, uma ‘comunhão com a verdade’ e uma ‘verdade que cria comunhão’, ‘uma beleza que atrai e apaixona’” (Francisco).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).


IV Domingo do Advento                      21.12.2014 
2 Sm 7, 1-5.8-12.14.16                Rm 16, 25-27                     Lc 1, 26-38


ESCUTAR

Assim fala o Senhor: “Porventura és tu que me construirás uma casa para eu habitar?” (2 Sm 7, 5).

Glória seja dada àquele que tem o poder de vos confirmar na fidelidade ao meu evangelho e à pregação de Jesus Cristo, de acordo com a revelação do mistério mantido em sigilo desde sempre (Rm 16, 25).

Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc 1, 37).


MEDITAR

Eu não quero orar para estar protegido dos perigos, mas para poder enfrentá-los (Rabindranath Tagore).

Diz-se que é bendito o homem, é bendito o pão, é bendita a mulher, é bendita a terra e as outras criaturas que pareçam dignas de serem benditas; mas de modo especial é bendito o fruto do teu ventre, porque sobre todas as coisas ele é Deus bendito por todos os séculos. Portanto, bendito é o fruto do teu ventre. Bendito por seu perfume, bendito por seu sabor, bendito por sua beleza (São Bernardo de Claraval).


ORAR

Os textos deste último domingo de advento desvelam duas maneiras de acolher o Amado. A primeira, a de Davi, preocupado em construir um espaço externo para Deus: um templo mais monumental do que os santuários pagãos. A segunda, a de Maria, disponível para oferecer a Deus o espaço interior das suas entranhas de escuta e acolhida. O Senhor não está de acordo com os sonhos de grandeza do rei Davi, ainda que generosos. Deus não quer habitar uma casa de pedras, mas fazer de um povo a sua própria habitação e caminhar com ele, pois prefere as pedras vivas aos monumentos. Deus privilegia como seu Templo a comunidade humana: “Ele, que é Senhor do céu e da terra, não habita em templos construídos por homens, nem pede que o sirvam mãos humanas, como se precisasse de algo” (At 17, 24-25). Nestes dias que antecedem a chegada do Menino, estamos ansiosos e mais envolvidos com a lista de presentes, com a receita das comidas, com as vestimentas para a noite de festa e com o esplendor da árvore natalina. Tudo está pronto como o programado. Nada falta do que pensamos, mas falta Alguém. Ainda bem que existe Maria para conduzir-nos na simplicidade ao essencial e Deus tem necessidade dela. Tem necessidade de poder dispor de uma criatura que não coloque resistência à sua ação; uma criatura não encouraçada pelas coisas e nem por si mesma. Uma criatura que não diga: “Eis o que decidi e preparei”, mas apenas pronuncie: “Eis-me aqui!”. Maria de Nazaré oferece ao seu Senhor o único espaço que Ele necessitava: o seu corpo, a sua pessoa e todo o seu ser. Para o Senhor, o templo-monumento é estreito demais porque somente um templo de carne pode conter a sua glória. Só as pequenas entranhas de uma jovem conseguem abraçar a grandeza divina e nelas Deus finalmente encontrou uma casa. Nestes dias que faltam para o Natal, devemos deixar de imitar Davi com seus preparativos suntuosos e nos identificarmos com Maria na calma, na paz e na oração. O Emmanuel não reconhece seu espaço nas coisas, nos shoppings, nos salões, nos frenesis das compras e desvarios dos presentes. O Emmanuel se encontra no humilde e sussurrante Sim de quem, silenciosamente, O acolhe nas entranhas do seu ser e O embala nas vísceras de ternura do seu corpo, adormecendo-O com o ritmo do seu coração. O Natal é, antes de mais nada, um convite para redescobrir a nossa humanidade, a nossa interioridade e o nosso peregrinar para as Bodas nupciais do Cordeiro, que já está no meio de nós.


CONTEMPLAR

A Anunciação (Cestello Annunciation), c. 1489-90, Sandro Botticelli (c. 1445-1510), têmpera sobre painel de madeira, 150 cm x 156 cm, Galeria Uffizi, Florença, Itália.





segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

O Caminho da Beleza 03 - III Domingo do Advento

O Caminho da Beleza 03
Leituras para a travessia da vida


“O conceito de sabedoria é aquele que reúne harmonicamente diversos aspectos: conhecimento, amor, contemplação do belo e, também, ao mesmo tempo, uma ‘comunhão com a verdade’ e uma ‘verdade que cria comunhão’, ‘uma beleza que atrai e apaixona’” (Francisco).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).


III Domingo do Advento                    
Is 61, 1-2a.10-11                1 Ts 5, 16-24                       Jo 1, 6-8.19-28


ESCUTAR

O Espírito do Senhor Deus está sobre mim, porque o Senhor me ungiu; enviou-me para dar a boa-nova aos humildes, curar as feridas da alma, pregar a redenção para os cativos e a liberdade para os que estão presos, para proclamar o tempo da graça do Senhor (Is 62, 1).

Estai sempre alegres! Rezai sem cessar... Não apagueis o espírito! (1 Ts 5, 16.19).

Veio como testemunha da luz, de modo que todos cressem por meio dele (Jo 1, 7).


MEDITAR

Não há nada de melhor no mundo do que estas amizades maravilhosas que Deus desperta e que são como o reflexo da gratuidade e da generosidade do seu amor (Jacques Maritain).

Parti sem o mapa da estrada para descobrir Deus, sabendo que Ele está no caminho e não no fim desta mesma estrada (Madeleine Delbrêl).


ORAR

João nos inquieta com a frase: “Entre vós está alguém que vós não conheceis”. Conhecer é mais que decorar ideias e doutrinas. Conhecer, na linguagem bíblica, é o encontro de pessoas que expressam uma comunhão íntima. Conhecer não está vinculado ao saber, mas a uma experiência vital. A pergunta que devemos fazer é se temos, de fato, alguma coisa a ver com o Cristo. Se nossas vidas, preferências, ações têm algo a ver com o seu Evangelho. João nos arranca da acomodação e suas palavras afetam o nosso viver concreto. Se um profeta não incomoda e não nos coloca em crise, só pode haver duas razões: ou não é profeta ou somos alérgicos à profecia. Nossas instituições religiosas temem os profetas porque eles incomodam publicamente. Suas vozes não são domesticáveis e estão fora do controle. Os que se deixam neutralizar pelo poder não são profetas, são apenas cortesões servis. Sempre existiu uma alergia incurável entre os homens do Livro diante dos homens da Palavra, pois a Palavra julga a instituição, as estruturas religiosas e seus aparatos de poder. O verdadeiro profeta é insuportável e, por esta razão, é qualificado de falso profeta pelos que mantêm o poder religioso e civil. É uma tática desde há muito conhecida. O profeta é o que grita: “Endireitai o caminho do Senhor”, ao mesmo tempo em que os chefes asseguram que tudo está em ordem e que nada é preciso mudar. O profeta é difamado, excomungado, asilado e abandonado. Morre na infâmia e na suspeita para, pouco depois, ser exaltado e consagrado. Com as pedras que sobraram do seu apedrejamento, é construído um monumento em sua honra, pois o seu nome na lápide não incomoda mais. Teremos sempre a necessidade de uma voz insolente, pois, se ela faltar, o Senhor pode nos condenar a dormir para sempre e a paz dos nossos corações será a paz dos cemitérios. Devemos acolher a voz inoportuna do homem de Deus que grita: “Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara).


CONTEMPLAR

Vá em frente, João, o Batista, 2008, Jack Baumgartner (1976-), óleo sobre tela, Rose Hill, Kansas, Estados Unidos.





segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

O Caminho da Beleza 02 - II Domingo do Advento

O Caminho da Beleza 02
Leituras para a travessia da vida


“O conceito de sabedoria é aquele que reúne harmonicamente diversos aspectos: conhecimento, amor, contemplação do belo e, também, ao mesmo tempo, uma ‘comunhão com a verdade’ e uma ‘verdade que cria comunhão’, ‘uma beleza que atrai e apaixona’” (Francisco).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).



II Domingo do Advento                       07.12.2014
Is 40, 1-5.9-11                    2 Pd 3, 8-14                                    Mc 1, 1-8


ESCUTAR

Falai ao coração de Jerusalém e dizei em alta voz que sua servidão acabou e a expiação de suas culpas foi cumprida; ela recebeu das mãos do Senhor o dobro por todos os seus pecados (Is 40, 2).

O que nós esperamos, de acordo com a sua promessa, são novos céus e uma nova terra, onde habitará a justiça (2 Pd 3, 13).

Esta é a voz daquele que grita no deserto: “Preparai o caminho do Senhor, endireitais as suas veredas” (Mc 1, 3).


MEDITAR

Tomar consciência dos nossos medos nos permite superá-los e nos abrir a um mundo de possibilidades. Ao cessar de duvidar de nós mesmos encontramos ao mesmo tempo a coragem de assumir nossos erros (François Gervais).

Pelo amor de Deus, eu vos suplico: não tenhais medo de Deus, pois Ele não vos deseja nenhum mal. Ao contrário, amai-O com todas as vossas forças, porque Ele vos ama infinitamente (Padre Pio).


ORAR

João, o Batista não é certamente um tipo fascinante para angariar simpatias e alcançar popularidade. No deserto, a palavra provoca o silêncio e não os aplausos. João, para proclamar o único necessário, despoja-se de todas as vaidades e usa a linguagem da simplicidade e não a do espalhafatoso. João não precisa falar de si mesmo, pois sua austeridade de vida e a seriedade de sua existência o tornam digno de confiança. João fala no deserto porque o deserto é a sua grande e incrível possibilidade: no deserto se realiza o encontro decisivo e pelo deserto passa o caminho do Senhor. João semeia a interrogação e as inquietudes, acende um desejo, suscita uma espera e solicita uma busca. Não tem a pretensão de entregar o Cristo, pois não O possui. É Judas quem O entregará. João dirá simplesmente que é o “amigo do Esposo” (Jo 3, 29). Temos que fazer alguma coisa para não perder o encontro. Os vales, abismos de insignificância, deverão ser preenchidos; montes e colinas de presunção devem ser rebaixados; terrenos acidentados deverão ser aplainados. Tudo isto nos prepara para o encontro e para que possamos antecipar os “novos céus e uma nova terra onde habita a justiça”. O Senhor, diz Pedro, está “usando de paciência para convosco, pois não deseja que ninguém se perca”. Para nós, sempre apressados, a paciência tem limites. No entanto, a paciência de Deus não os conhece e se esgota unicamente no exato instante em que aceitamos ser perdoados. O apelo de João para o batismo de conversão é o apelo para rejeitar uma vida de aparência, a fim de se colocar em busca do que é essencial e verdadeiro; de ousar pensar aquilo que jamais ousamos pensar. Somos muito mais ricos do que pensamos ser. Nossa alma é infinitamente mais bela do que imaginamos e nossa vida é plena de possibilidades. No meio do deserto, numa sede insaciável de Deus, João nos chama a sermos artesãos de nossas existências e nos oferece a sensatez do provérbio: “Beba abundantemente da água que brota do teu poço” (Pr 5, 15). E assim, convertidos à verdadeira essência que nos habita e consome, preparamos o caminho no deserto para o Menino que será um mistério entre os que O conhecerão, pois “Nele existia uma vontade mais profunda de estar à disposição dos homens com toda a sua humanidade divina” (Urs von Balthasar). Jesus vem para testemunhar que diante do que é humano temos somente duas atitudes: servir-me dele para dominá-lo ou servindo-o, despertá-lo para a sua mais ampla humanidade, que é divina.


CONTEMPLAR

Madona e Criança e o Jovem São João Batista, c. 1490-95, Sandro Boticelli (1445-1510), têmpera sobre tela, 134 cm x 92 cm, Palácio Pitti, Florença, Itália.





segunda-feira, 24 de novembro de 2014

O Caminho da Beleza 01 - I Domingo do Advento

O Caminho da Beleza 01
Leituras para a travessia da vida


“O conceito de sabedoria é aquele que reúne harmonicamente diversos aspectos: conhecimento, amor, contemplação do belo e, também, ao mesmo tempo, uma ‘comunhão com a verdade’ e uma ‘verdade que cria comunhão’, ‘uma beleza que atrai e apaixona’” (Francisco).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).


I Domingo do Advento                                     30.11.2014
Is 63, 16b-17.19b;64, 2b-7                    1 Cor 1, 3-9             Mc 13, 33-37

ESCUTAR

Ah! se rompesses os céus e descesses! (Is 63, 19b).

Nele fostes enriquecidos em tudo, em toda palavra e em todo conhecimento, à medida que o testemunho sobre Cristo se confirmou entre vós (1 Cor 1, 5-6).

Para que não suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo. O que vos digo, digo a todos: Vigiai! (Mc 13, 36-37).


MEDITAR

Aquele que ensina o bem aos outros sem o praticar é como um cego que segura uma lanterna (Provérbio Argelino).

Procurar Deus é se deixar constantemente questionar por Ele. Não se deve procurar Deus como se procura qualquer coisa que se pode comprar (Anselm Grün).


ORAR

Este novo ano litúrgico começa com o primeiro domingo do Advento. A liturgia da Igreja nos oferece dois acontecimentos. O primeiro, o Cristo que “desce” no meio dos homens perdidos em seus caminhos pela dureza dos seus corações. Realiza-se, então, o velho sonho do profeta: “Ah! se rompesses os céus e descesses!”. Deus não esconde mais o seu rosto. O segundo acontecimento é constituído pela vinda do Cristo para o Juízo Final. Duas vindas e manifestações de Jesus: na carne e na glória. As duas vindas e os dois acontecimentos nos interessam aqui e agora: o Cristo veio, mas é acolhido hoje; o Cristo deve vir, mas há de ser, hoje, esperado. É necessário despertarmos do torpor, da preguiça e do aborrecimento. Só podemos ser fiéis a um Deus em movimento, que toma a iniciativa e intervém em nossas vicissitudes, se assumirmos uma postura dinâmica de tomada de consciência e de responsabilidade. Este rosto surpreendente de Deus nos convida a frequentar caminhos de justiça. Ele nada vem exigir, mas dar. Acolher não significa preparar um espetáculo colossal em sua honra, mas nos apresentarmos com a nossa pobreza que é, essencialmente, a disponibilidade para receber. Quanto à segunda vinda, temos a curiosidade de saber “quando” ou, pelo menos, sermos agraciados com um sinal: “Dize-nos, por que sinal se saberá que tudo isso se vai realizar?” (Mc 13, 4). A indagação assume, então, a dimensão da esperança. Este Deus que pode chegar à tarde, à meia-noite, de madrugada ou ao amanhecer, não pode ser anunciado por um sinal de alarme. Este Deus deve ser esperado com as portas abertas, de par em par; com os olhos liberados da fadiga e com o coração curado da dureza. Hoje, uma terceira vinda se faz presente: a dos cristãos marcados pela novidade, pois a manifestação de um cristianismo irrelevante, banalmente repetitivo, politicamente queixoso dos males do mundo, não interessa a ninguém. Somos chamados a ser cristãos que surpreendem e que despertam os sonhos e desejos dos que dormem na passividade. Este é o momento, aqui e agora, para sairmos fora, na noite, e anunciarmos um cristianismo embalado numa canção de amor e fraternidade que “faça acordar os homens e adormecer as crianças”.


CONTEMPLAR

Madona e Criança, Marianne Stokes (1855-1927), pintora austríaca, data, dimensões e locação desconhecidas.





segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O Caminho da Beleza 53 - Jesus Cristo Rei do Universo

O Caminho da Beleza 53
Leituras para a travessia da vida


“O conceito de sabedoria é aquele que reúne harmonicamente diversos aspectos: conhecimento, amor, contemplação do belo e, também, ao mesmo tempo, uma ‘comunhão com a verdade’ e uma ‘verdade que cria comunhão’, ‘uma beleza que atrai e apaixona’” (Francisco).

Quando recebia tuas palavras, eu as devorava; tua palavra era o meu prazer e minha íntima alegria” (Jr 15, 16).

“Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara, 1999, dias antes de sua passagem).



Jesus Cristo Rei do Universo                        23.11.2014
Ez 34, 11-12. 15-17           1 Cor 15, 20-26.28                       Mt 25, 31-46


ESCUTAR

“Vou procurar a ovelha perdida, reconduzir a extraviada, enfaixar a da perna quebrada, fortalecer a doente e vigiar a ovelha gorda e forte” (Ez 34, 16).

“É preciso que ele reine até que todos os seus inimigos estejam debaixo de seus pés. O último inimigo a ser destruído é a morte” (1 Cor 15, 25-26).

“Em verdade eu vos digo que todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes!” (Mt 25, 40).


MEDITAR

“O Cristo vai aonde não temos coragem de ir. No momento em que o procuramos no templo, ele se acha no estábulo; quando o buscamos entre os padres, ele está entre os pecadores; no instante em que o solicitamos em liberda­de, está detido; quando o procuramos ornado de glória, ele está coberto de sangue sobre a cruz” (Cartas na prisão de um cristão anônimo).

“Dificilmente se pode gozar da experiência do amor a Deus se se desconhece o amor humano. Dificilmente se pode per­severar no amor humano se não se descobre nele uma alma divina, por assim dizê-lo. O verdadeiro amor é algo mais do que uma projeção voluntarista ou um mero sentimentalismo... Deus não habita só nos montes do nada; também tem sua morada nos “vales frondosos” dos seres humanos. É o mesmo amor humano em que reside a Di­vindade. Um amor divino que não se encarne no amor ao pró­ximo, para citar a frase evangélica, é pura mentira (1 Jo 4, 20)” (Raimon Panikkar).


ORAR

Neste domingo se encerra o ano litúrgico de 2014 e a Igreja nos faz refletir sobre o julgamento derradeiro. O título de Rei aflora nas extremidades da vida de Jesus. No seu nascimento, quando os magos perguntam: “Onde está o rei dos judeus recém-nascido” (Mt 2, 2); e na sua Paixão quando, antes de lavar as mãos, Pilatos indaga: “És tu o rei dos judeus”(Mt 27, 11). Jesus tolera este título apenas nestes dois momentos. Ao longo de sua vida pública, Ele o recusa explicitamente. Ao invés da analogia do Rei, Ele prefere a do Pastor. O risco do pastor ao defender as suas ovelhas com a própria vida exprime melhor a sua relação com os que foram entregues a Ele pelo Pai. Existe uma oposição entre o Pastor e o Rei. O pastor dá a sua vida pelo rebanho e o rei é defendido pelos seus súditos até a morte; o pastor chama cada ovelha pelo seu nome e os súditos do rei são anônimos; a voz basta para o pastor reunir, em torno dele, as suas ovelhas e o rei deve usar da coerção para manter a coesão do seu reino. Santo Agostinho é enfático: “O Cristo não é Rei enquanto exigiria tributos e conduzisse exércitos para vencer os inimigos pela guerra. Não! Mas Ele é Rei – segundo a etimologia possível da palavra latina Rex, derivada do verbo ‘regere’: ‘conduzir’ – enquanto Ele conduz para o Reino aqueles que creem, esperam e amam”. O evangelho desvela que o julgamento não é para amanhã, mas ele acontece a todo instante. E seremos julgados pelo que não fizemos por causa da cegueira do coração: “Senhor, quando foi que te vimos....”. Nossos olhos estão doentes e são incapazes de descobrir em todas as pessoas a imagem única do Cristo porque estão emparedados, voltados para dentro de nós, para a pessoinha que pensamos ser. O evangelho revela que cada pessoa humana é um ícone vivo na qual podemos reconhecer o Cristo Ressuscitado, pois Ele quer se apresentar ao mundo como Alguém a quem alimentamos, damos de beber, acolhemos, vestimos, visitamos na prisão, nos hospícios e nos hospitais. Ele, como um mendigo, bate à nossa porta e nos pede sempre, com a mão estendida, alguma coisa, pois no seu esvaziamento Ele quer ser nosso devedor. Somos nós que seremos entregues ao Pai porque fomos constituídos Reino de Deus desde o momento em que nos foi revelado que este reino estava dentro de nós (Lc 17, 21). É preciso ruminar o salmo: “É teu rosto, Senhor, que eu procuro” (Sl 26, 8). Não podemos procurar o rosto do Senhor fechando os olhos e nos abstraindo do mundo. Quando o Espírito abre os olhos do coração nós vemos o Pai no rosto de Jesus e Jesus no rosto de cada um de nossos irmãos e irmãs, pois todo aquele que vê, pelo coração, o rosto de seu irmão vê o rosto de Deus. Nos que são considerados insignificantes, supérfluos e descartáveis habita o Reino de Deus e são eles a realeza que será entregue ao Pai pelo Cristo Jesus depois de “destruir toda autoridade e poder”. A eles caberão as palavras de ternura e reconhecimento: “Vinde, benditos de meu Pai!”, pois nada pediram que nos custasse, somente pão, teto, algumas palavras de consolo e pequenos gestos de compaixão.


CONTEMPLAR

Compaixão do Pai (detalhe), início do séc XVII, grupo da terra cota, h: 89 cm , Museu Nacional da Renascença, Écouen, Paris, França.