terça-feira, 25 de setembro de 2018

O Caminho da Beleza 45 - XXVI Domingo do Tempo Comum


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

XXVI Domingo do Tempo Comum             30.09.2018
Nm 11, 25-29                     Tg 5, 1-6                   Mc 9, 38-43.45.47-48


ESCUTAR

“Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta e que o Senhor lhe concedesse o seu espírito!” (Nm 11, 29).

Vosso ouro e vossa prata estão enferrujados, e a ferrugem deles vai servir de testemunho contra vós e devorar vossas carnes como fogo! (Tg 5, 3).

“Mestre, vimos um homem expulsar demônios em teu nome. Mas nós o proibimos, porque ele não nos segue” (Mc 9, 38).


MEDITAR

Nós recusamos sempre a admitir que as pessoas que não nos seguem têm qualquer coisa a dizer sobre o Senhor que nós seguimos. Como os Doze, acreditamos necessário defender o nome de Jesus sem nos dar conta que só defendemos o monopólio que entendemos ter sobre ele. Talvez não tenhamos mesmo começado a aprender, depois de dezenove séculos, que o Reino de Deus é realmente muito maior que sua Igreja.

(Jean Valette, 1920-1999, França).


ORAR

            A Igreja não é um clube de puros, nem de intelectuais hipercríticos... “Não há muitos sábios segundo a carne entre vós, coríntios... O que há de fraco no mundo, eis o que Deus escolheu para confundir o forte” (1 Cor 1, 20-28). Há somente uma riqueza verdadeira, a do amor, que reflete um pouco o de Deus pelo homem. Assim, primeiro um olhar sobre o outro que seja tão compreensivo como o do Pai. Compreensivo é o contrário de exclusivo. Israel conheceu a tentação de excluir. Ele precisou admitir o estrangeiro, abrir os espíritos ao universal. Josué não queria que se desvalorizasse na vulgarização a prerrogativa profética. Os discípulos, como verdadeiros filhos de Israel, não compreendiam que se possa expulsar os demônios, mesmo em nome de Cristo, sem ser do grupo, sem ser confundido com um clã. Mas precisamente Jesus Cristo é maior que todos os grupos, mesmo eclesiásticos, que todas as “famílias religiosas”, os “movimentos cristãos”, inclusive as Igrejas. E o Vaticano II nos levou a compreender de novo que a ação do Espírito transborda as fronteiras do corpo que anima. Portanto, o principal não é que o que luta contra o mal demoníaco “esteja do nosso lado”: é que esteja do lado de Jesus Cristo. O Espírito que foi dado a Moisés e a seus companheiros, o Espírito que ele sonhava ver comunicado a todo povo, somente ele pode vencer em nós...o amor pelo dinheiro, o desprezo pelo fraco, a estreiteza de vista, e nos comunicar as atitudes próprias do Cristo, aquelas de um filho de Deus e de um irmão dos homens. Este Espírito nos foi prometido desde muito tempo... Tal é a utopia cristã. Não precisamos mais de lei. Não precisamos tampouco de chefes, nem de profetas. A rigor, nenhuma escora humana é já necessária. O Espírito de Deus, o amor divino em nós faz descobrir tudo e a tudo imaginar. Isto só será verdadeiro na volta de Cristo. Mas é para lá que é preciso tender. É o ideal, que nos permite relativizar o que não tem jamais o direito de se tornar um absoluto: os meios que instituímos, as obras que realizamos, as superioridades que nos atribuímos.

(René Salaün, França)


CONTEMPLAR

Mahatma Gandhi, sem data, autor da foto não identificado, Índia.





terça-feira, 18 de setembro de 2018

O Caminho da Beleza 44 - XXV Domingo do Tempo Comum


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

XXV Domingo do Tempo Comum               23.09.2018
Sb 2, 12.17-20                    Tg 3, 16-4, 3                       Mc 9, 30-37


ESCUTAR

Os ímpios dizem: “Armemos ciladas ao justo, porque sua presença nos incomoda” (Sb 2, 12).

Onde há inveja e rivalidade, aí estão as desordens e toda espécie de obras más (Tg 3, 16).

“Pegou uma criança, colocou-a no meio deles e, abraçando-a, disse: “Quem acolher em meu nome uma destas crianças é a mim que estará acolhendo” (Mc 9, 36-37).


MEDITAR

A amizade é um nome sagrado, é uma coisa santa; ela nunca se entrega senão entre pessoas de bem e só se deixa apanhar pela mútua estima... Não pode haver amizade onde está a crueldade, onde está a deslealdade, onde está a injustiça; e entre os maus, quando se ajuntam há conspiração, não companhia; eles não se entre amam, mas se entre temem; não são amigos, mas cúmplices.

(Étienne de La Boétie, 1530-1563, França)


ORAR

        Jesus toma então uma criança, coloca-a no meio, abraça-a, e fazendo isso ele a envolve e a cerca de todas as partes. E eis essa criança por assim dizer no meio de Jesus. Feliz criança que ali, entregue, resplandece de repente em meio a esta túnica sem costura (Jo 19, 23) que cheira – como dizer? – a terra, a maresia, a neve e a sol (Mt 17, 2)! Eu gritei de alegria à sombra de suas asas, exclama o salmista (Sl 62, 8) e Paulo, em seguida, em outro Testamento: Vós que fostes batizados no Cristo, vos revestistes de Cristo (Gl 3, 27). Mas Jesus tomaria uma criança se não se encontrasse ele mesmo em meio às crianças, se as crianças não estivessem em seu habitat natural, se ele não tivesse uma porção de crianças à sua mão? Essa facilidade lhe vem evidentemente da autorização inteiramente exorbitante que fez: Deixai que as crianças venham a mim: não as impeçais, porque o Reino de Deus pertence aos que são como elas (Mc 10, 14). Com Jesus Cristo que deixa vir, que deixa acontecer o que não cessamos de interromper (e até de assassinar em nós mesmos), a infância não é apenas mais um capítulo do Evangelho: ela é o Evangelho mesmo. Alguns a compreenderam perfeitamente, entre outros, Charles Péguy: “Porque há na criança, diz Deus, por que há na criança uma graça única. Uma inteireza, uma primogenitura total. Uma origem, um segredo, uma fonte, um ponto de origem. Um começo por assim dizer absoluto. As crianças são criaturas novas”. Jesus, em seus próprios termos, não diz outra coisa. Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos. O último. Novissimus quer dizer, literalmente, o mais novo. Jesus não induz a nenhuma regressão, ele não chancela nenhuma nostalgia: ele encontra um mistério. Jesus só nos convida a nos assemelharmos às crianças devido a semelhança que a aptidão delas ao silêncio, ao deslumbramento, ao abandono, à brincadeira, mantém com aqueles que abrem o acesso ao Reino; ele nos faz crescer na direção para a qual as crianças, na doce graça de sua condição contingente, não são mais do que as indicadoras. A criança – a mesma de Jesus em questão – não é nem o imperfeito do homem, nem sua miniatura, nem sua prehistória, mas seu cerne; não o seu anterior, mas seu íntimo: esse centro que, durante toda sua vida, ele entrevê e em direção ao qual, valente, ele se esforça por se aproximar. Essa infância é de ordem escatológica. Ela está por vir. Tomando uma criança, ele a colocou no meio... A equação que se pode extrair desses dois versos paralelos é tão evidente quanto elementar: no horizonte do gesto feito por Jesus, mais profético do que afetuoso, a Criança é o próprio Reino. Novissimus. Absolutamente novo. Amém.


(François Cassingena-Trévedy, 1959-, França)


CONTEMPLAR

Meninas na Missa, 2003, Igreja Católica Notre Dame do Haiti, Miami, Flórida, da série Haiti/ Little Haiti, Bruce Weber (1946-), Pensilvânia, Estados Unidos.




terça-feira, 11 de setembro de 2018

O Caminho da Beleza 43 - XXIV Domingo do Tempo Comum


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

XXIV Domingo do Tempo Comum             16.09.2018
Is 50, 5-9                 Tg 2, 14-18              Mc 8, 27-35


ESCUTAR

Deus é meu auxiliador, por isso não me deixei abater o ânimo, conservei o rosto impassível como pedra, porque sei que não sairei humilhado (Is 50, 7).

Meus irmãos, que adianta alguém dizer que tem fé quando não a põe em prática? (Tg 2, 14).

“Quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; mas quem perde a sua vida por causa de mim e do evangelho vai salvá-la” (Mc 8, 27-35).


MEDITAR

O próximo é uma hóstia, um sacramento, uma presença inédita de Deus, um templo de Jesus Cristo. Se a vocação suprema da pessoa é divinizar-se divinizando o mundo, personalizar-se sobrenaturalmente personalizando o mundo, seu Pão cotidiano não é mais sofrer ou se divertir ou acumular riquezas, mas, hora a hora, criar próximos ao redor de si.

(Emmanuel Mounier, 1905-1950, França)


ORAR

            A fé cristã, quando é autêntica, coloca todo homem em movimento. Não se faz nada de cristão simplesmente tomando por verdadeiros alguns dogmas propostos pela Igreja. É a vida inteira que deve responder à chamada de Deus. Ninguém pode cumprir sua exigência, mostrando uma “fé sem obras”, uma fé sem nenhum efeito na vida. Segundo Paulo, a fé deve também “traduzir-se em amor” (Gl 5, 6), pois do contrário será uma fé sem amor e uma fé sem amor está morta: isso é o que diz Tiago a propósito do suposto cristão que rechaça um irmão desnudo e com fome. No mesmo momento em que ouve pela primeira vez o título de Messias, Jesus interrompe seu discurso: proíbe terminantemente a seus discípulos de dizê-lo a alguém; em lugar disso, anuncia-lhes, também pela primeira vez, a sorte que correrá o Filho do homem: muito padecimento, condenação à morte, execução, ressurreição. Pedro, que não queria nem ouvir falar disso, é repreendido por Jesus como Satanás, sedutor e inimigo. Jesus desvela aqui a obra decisiva para a qual foi enviado, uma obra que não é só para ele, mas sim para todo aquele que quer segui-lo na fé. Uma fé sem a obra da paixão não é uma fé cristã. A fé que quer se salvar, e não se perder, perderá tudo. Querer se salvar é um egoísmo incompatível com a fé, que é inseparável do amor. Aqui se encontra o núcleo da obra tal como a concebeu Tiago, sem a qual a fé não é nada: a obra da plena entrega a Deus ou ao próximo. Não se discute que esta obra possa ser dolorosa até a morte para o homem; em todo caso esta obra contém já uma morte em si: a renúncia ao próprio eu; e que esta renúncia leve ou não à morte corporal num testemunho de sangue é algo certamente secundário.

(Hans Urs von Balthasar, 1905-1988, Suíça)


CONTEMPLAR

O corpo ensanguentado de Dom Oscar Romero jaz no solo assistido por monjas do hospital, 24 de março de 1980, autor da foto não identificado, San Salvador, El Salvador.




terça-feira, 4 de setembro de 2018

O Caminho da Beleza 42 - XXIII Domingo do Tempo Comum


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

XXIII Domingo do Tempo Comum            09.092018
Is 35, 4-7                 Tg 2, 1-5                  Mc 7, 31-37


ESCUTAR

Dizei às pessoas deprimidas: “Criai ânimo, não tenhais medo!” (Is 35, 4).

A fé que tendes em nosso Senhor Jesus Cristo glorificado não deve admitir acepção de pessoas (Tg 2, 1).

Olhando para o céu, suspirou e disse: “Efatá!”, que quer dizer “abre-te”. Imediatamente seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade (Mc 7, 34-35).


MEDITAR

        No ano passado, o Dalai Lama veio visitar a minha comunidade para participar de uma discussão sobre a contemplação em nossas diferentes tradições. Nós escutávamos uns aos outros com os ouvidos abertos. Mas o que saltou aos nossos olhos não foi o que o Dalai Lama disse, mas o que ele fez. Uma amiga da comunidade estava lá numa cadeira de rodas. Ela havia ficado paralítica devido a um terrível acidente. E quando o Dalai Lama entrou ele fez uma pausa perto da sua cadeira de rodas e encostou sua face na dela em silêncio. Ele permaneceu mais tempo com ela do que com qualquer um. Aquilo foi a personificação da compaixão.

(Timothy Radcliffe, 1945-, Reino Unido).


ORAR

            Os relatos evangélicos da cura contêm sempre um elemento original, que eles mencionam aparentemente de maneira incidental, mas que os tornam na realidade credíveis uma vez que correspondem ao problema preciso da doença. Aqui é o “ele o conduziu para fora da multidão, à parte”. Está claro que o surdo-mudo não suporta mais a multidão. É por causa dela que ele não escuta mais ninguém, não fala mais a ninguém: é demasiado! Ele se sente invadido. Ele não pode mais suportar. No fundo, ele quer e deve se proteger com sua doença. Para traduzir a ideia de que o doente deve se reencontrar, há uma forte expressão: “desoprimir”. Ela enfatiza bem que nós só podemos nos exprimir verdadeiramente quando não levamos em consideração aqueles que nos rodeiam. Trata-se, pois, em primeiro lugar, de livrá-lo de seu sentimento de estar ameaçado, portanto, de lhe garantir um espaço de proteção – em outras palavras de despertar nele um sentimento de segurança. Conduzindo-o à parte, Jesus lhe “desoprime”. Ele o faz como se todo mundo em redor dele tivesse desaparecido, como se, naquele momento, só ele importasse. Uma coisa é clara: se é verdadeiramente o demônio da angústia que reduz a nada os contatos do surdo-mudo com os outros e lhe cria o isolamento, é impossível ajudá-lo pretendendo lhe falar diretamente e fazendo-lhe um discurso do que ele devia fazer. Jesus estende, então, a mão para lhe tocar os ouvidos. Contato essencial! Colocando-lhe “os dedos nos ouvidos”, ele lhe faz sentir as mãos que querem apenas curar, que procuram docemente entrar em relação com ele. Se há neste mundo um meio de se combater o “demônio mudo”, esta forma de doença psíquica, este meio verdadeiramente é a doçura da carícia. Depois, Jesus lhe coloca na boca um pouco de saliva, esta secreção do órgão da fala, e unge a língua enrijecida do mudo. O que cura aqui é a ternura e a compreensão que atingem o outro em seu ponto sensível. Nós devemos nos estender a mão para que repousemos todos nas mãos de Deus. Então, o sonho que Jesus perseguia em suas noites de solidão tornar-se-á realidade e cada um de nós saberá que sua vida é objeto do amor divino.

(Eugen Drewermann, 194o-, Alemanha).


CONTEMPLAR

India azul, vermelha e preta (detalhe), tingidores de seda escravizados em uma aldeia onde cada família está envolvida em um aspecto diferente na produção de seda, Lisa Kristine (1965-), São Francisco, Califórnia, Estados Unidos.