segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

O Caminho da Beleza 05 - Natal do Senhor


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


Natal do Senhor              25.12.2018
Is 52, 7-10               Hb 1, 1-6                  Jo 1, 1-18


ESCUTAR

Como são belos, andando sobre os montes, os pés de quem anuncia e prega a paz, de quem anuncia o bem e prega a salvação (Is 52, 7).

“Eu serei para ele um Pai, e ele será para mim um filho” (Hb 1, 5).

E a luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram dominá-la (Jo 1, 5).


MEDITAR

Deus tornou-se homem para que o homem se torne Deus.

(Irineu de Lyon, 140-202, Gália/França)


ORAR

            Tudo começou na pobreza, sem aparato. O Senhor não teve onde repousar sua cabeça, no máximo a manjedoura onde sua mãe o estendeu. Nada poderia ter perturbado esses dois entes cujo olhar silencioso substituía a palavra e o amor. Maria não vivia senão para seu filho em sua fragilidade nativa. Não era isto, aliás, uma vontade determinada desse Deus à procura do homem? Experimentar esta solidariedade com a sua criatura para ensinar ao homem o que é uma relação justa consigo mesmo e com o seu Criador. A nudez do seu nascimento foi o primeiro passo neste caminho. Desde pequenino, o Senhor se queria mais dependente do que não importa qual outro recém-nascido, pois ele tinha escolhido livremente entrar nessa dependência em que receberia tudo de sua mãe. Assim, a solidão dos lugares, a indigência do seu nascimento, tomavam aos olhos de Maria espantada a dimensão duma graça misteriosa. Para lá da miséria bem real que o cercava de todos os lados, ela percebia como que um sinal de infinita delicadeza. A pobreza do seu filho recém-nascido era a sua verdadeira riqueza, seu único bem. Ela descobria de repente que bastara ao Deus que desvendava aos homens a sua paixão, um pouco de palha e o seu amor materno. Esta mãe em escuta percebia agora os primeiros balbucios da Palavra feita carne, de um Deus que aprendia a se dizer no tempo! Por mais infantil que fosse, o olhar do Cristo tinha já uma profundeza inalterável. No segredo da sua fé, esta Mãe deu a seu Filho o amor que ela devia a seu Deus.

(Mr. de la Chapelle, 1676-1746, França)


CONTEMPLAR

Vídeo Natal 2018, Comunidade dos Manos da terna Solidão (Matersol). Edição do mano Bruno Socher. Música “Minha História (Gesubambino)” (Dalla/Pallotino/Versão: Vinícius de Moraes/Chico Buarque). Intérprete: Ney Matogrosso.  Referência das imagens no blog Matersol, 2016-18.




segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

O Caminho da Beleza 04 - IV Domingo do Advento


Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro do qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


IV Domingo do Advento                      23.12.2018
Mq 5, 1-4                 Hb 10, 5-10            Lc 1, 39-45


ESCUTAR

“Tu, Belém de Éfrata, pequenina entre os mil povoados de Judá, de ti há de sair aquele que dominará em Israel” (Mq 5, 1).

Irmãos, ao entrar no mundo, Cristo afirma: “Tu não quiseste vítima nem oferenda, mas formaste-me um corpo” (Hb 10, 5).

Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre, e Isabel ficou cheia do Espírito Santo (Lc 1, 41).


MEDITAR

Sim, a Visitação faz saltar os versículos: a mulher livre coloca, por inteiro, o Texto em marcha! Há na Sabedoria, diz a Escritura, um espírito de mobilidade, e esta mulher é toda ela a mais sábia, uma vez que nela, nessa hora, a Sabedoria está entranhada, na qual todo ser recebe vida, ser e movimento. Virgo mobilis (Virgem em movimento).

(François Cassingena-Trévedy, 1959-, França)


ORAR

            Os exegetas observaram que, narrando-nos o episódio da visita de Maria a Isabel, Lucas se inspirou num texto do Antigo testamento que nos descreve a marcha da arca da aliança rumo ao Templo de Jerusalém (2 Sm 6, 1-13). A arca em que Javé habita é transportada a Jerusalém. À sua passagem, Davi dança e salta de alegria. E, antes que chegue a arca a Obed-Edom, nas montanhas de Judá, grita Davi: “Como pode acontecer que venha a mim a arca do Senhor?”. A aproximação com a cena da Visitação é impressionante. São as mesmas palavras. Numa e noutra, trata-se de subir a montanha de Judá; como Davi salta diante da arca, João salta diante de Maria; e as palavras com que Isabel saúda Maria são as mesmas com que Davi saúda a arca. Vê-se a profundeza teologal que essa aproximação feita por Lucas, entre os episódios, dá à Visitação. O que era a arca na Antiga Aliança, o lugar em que Javé habitava com seu povo, é Maria na Nova Aliança, pois nela é que habita o Verbo. Quando Maria visita Isabel, as promessas são cumpridas e Deus visita seu povo. Já é o Verbo encarnado que, presente em Maria, faz saltar João, como um novo Davi, no seio de sua mãe. A Visitação, a santificação de João, são as primeiras manifestações da encarnação. Já é o Verbo que opera. Já são as primeiras manifestações da graça.

(Jean Daniélou, 1905-1974, França)


CONTEMPLAR

Filhas de pescadores na vila de Horcones, 1957, Sergio Larraín (1931-2012), Magnum Photos, Chile.




segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

O Caminho da Beleza 03 - III Domingo do Advento

Já não quero dicionários consultados em vão. Quero só a palavra que nunca estará neles nem se pode inventar. Que resumiria o mundo e o substituiria. Mais sol do que o sol dentro da qual vivêssemos todos em comunhão, mudos, saboreando-a.

(Carlos Drummond de Andrade)


III Domingo do Advento                     16.12.2018
Sf 3, 14-18               Fl 4, 4-7                   Lc 3, 10-18


ESCUTAR

“Não temas, Sião; não te deixes levar pelo desânimo! O Senhor, teu Deus, está no meio de ti, o valente guerreiro que te salva” (Sf 3, 16).

Irmãos, alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito, alegrai-vos (Fl 4, 4).

“Quem tiver duas túnicas dê uma a quem não tem; e quem tiver comida faça o mesmo!” (Lc 3, 11).


MEDITAR

O pecado não nem culpa, nem mancha, nem ofensa a Deus. Assim o disse São Tomás de Aquino (Sum. contra gente. III, 122). O pecado é ofender a outro ser humano (Mt 18, 15-17). É ao ofendido que se deve pedir perdão. Se não perdoas ao ofendido, Deus não perdoa a ti.

(José Maria Castillo, 1929-, Espanha)


ORAR

            Contemplando o Senhor que vem, escutamos ainda nesse domingo o testemunho de João Batista: por sua pregação, ele prepara a rota a Jesus, pedindo aos que lhe questionam no deserto para se converterem, em outras palavras, para mudarem concretamente de comportamento (cf. Lc 3, 8). “O que fazer? O que fazer para sermos fiéis autênticos?”. Tal é a questão que nós nos colocamos ainda hoje, da mesma maneira que as multidões, os publicanos e os soldados colocaram a João. Porque somos bem conscientes de que “não basta nos denominarmos como cristãos: é preciso sê-lo verdadeiramente”, para citar as palavras de um padre da Igreja, Santo Inácio de Antioquia. João, o Batista, nos pede, antes de tudo, para partilhar o que nós temos. Dito de outra maneira, ele pede que não possuamos bens egoisticamente, sem nos preocuparmos com os outros, em detrimento dos outros. Quem deseja realmente se converter é chamado a ver a necessidade de que sofre o outro e daí sentir compaixão até partilhar com ele o que possui. Com efeito, o outro homem é um irmão, filho do mesmo Pai, Deus (cf. Mt 23, 8), e é preciso viver com ele uma relação fundada sobre a justiça e o amor. E, na vida do cristão, o que se deve partilhar não se reduz ao que se possui: compreende também o que se é, porque Jesus nos pediu para colocar a nossa vida ao serviço de nossos irmãos ao ponto de doá-la mesmo com o preço extremo de nossa morte, como ele mesmo o fez... Em definitivo, o que João nos pede, como etapa preliminar ao nosso arrependimento e sinal de nosso batismo – a imersão que significa morrer para o homem do mundo a fim de renascer como filhos verdadeiros de Deus e como irmãos de todos os homens – é de se realizar a justiça (cf. Lc 7, 29), que se constitui por uma atitude de humanização autêntica de si mesmo e dos outros.

(Enzo Bianchi, 1943-, Itália)


CONTEMPLAR

Compaixão é Revolucionária, 2011, Movimento Occupy Wall Street, New York, foto de Paul Stein, New Jersey, Estados Unidos.




terça-feira, 4 de dezembro de 2018

O Caminho da Beleza 02 - II Domingo do Advento

A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

II Domingo do Advento           09.12.2018
Br 5, 1-9                   Fl 1, 4-6.8-11                      Lc 3, 1-6


ESCUTAR

Cobre-te com o manto da justiça que vem de Deus e põe na cabeça o diadema da glória do Eterno (Br 5, 2).

E isto peço a Deus: que o vosso amor cresça sempre mais, em todo conhecimento e experiência, para discernirdes o que é melhor (Fl 1, 9-10).

“Todo vale será aterrado, toda montanha e colina serão rebaixadas, as pastagens tortuosas ficarão retas, e os caminhos acidentados serão aplainados” (Lc 3, 5).


MEDITAR

No momento do ofertório damos um passo para fora de nós mesmos e este momento nos associa ao dom que o Cristo faz da sua vida, pois quando se descobre o poder da confiança e do amor, não se pode mais viver curvado sobre si mesmo: é o momento do despojamento e da pobreza... Nós nos colocamos à disposição de Deus, com as mãos abertas, prontos a dar [e] a nos entregar sem reservas para que Deus realize a sua obra por nós, em nós e por meio de nós.

(Pierre Claverie, 1938-1996, Argélia)


ORAR

            Tu és o Outro que nós esperamos... Esse tema proposto para todo este advento pode nos ajudar, parece-me, a interpretar utilmente as leituras deste domingo. Esse anseio pelo “Outro esperado” percorre toda a Escritura. Ele se inscreve em filigrana pela trama de cada uma de nossas vidas marcadas de encontros e de esperas sucessivas. O outro, inteiramente outro, se oferece a nós como um companheiro possível na aventura humana, como o amigo atraente, como o irmão do qual sentimos a ausência, capaz de partilhar conosco o pão e o sal no caminho da vida. O outro, inteiramente outro, se apresenta também como o estranho em que a afinidade se configura muitas vezes enganosa; um sedutor conduzido a nós encontra outro, tal como ele, e assim nos altera profundamente; por vezes mesmo como um adversário pronto a nos contestar em nossas últimas trincheiras. Assim, lá onde não há respeito mútuo do que cada um é, um conflito de identidade ameaça, com o risco de se desfigurar o outro ou de se deixar ser assimilado por ele, de destruir ou ser destruído. Faríamos rapidamente do cordeiro um lobo e possivelmente também o inverso! No entanto, na riqueza inaudita de sua criação, como na diversidade dos homens mesmos, Deus nos preparou bem para acolher a diferença. Isso se inscreve como um componente incontornável de todo o amor. Mais ainda quando este amor se exprime e se vive à mesma imagem Daquele do qual ele emana. Mistério insondável desse Deus Uno e Trino, onde o Espírito faz sem cessar a diferença, de início entre o Pai e o Filho, depois pouco a pouco, por entre nós de um a outro.

(Père Christian de Chergé, 1937-1996, Mosteiro de Tibhirine, Argélia)


CONTEMPLAR

Vislumbres de um passado urbano, Alin Ciortea (1979-), Croácia, in: http://alinciortea.ro/blog/



quarta-feira, 28 de novembro de 2018

O Caminho da Beleza 01 - I Domingo do Advento


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

I Domingo do Advento             02.12.2018
Jr 33, 14-16            1 Ts 3, 12-4, 2                    Lc 21, 25-28.34-36


ESCUTAR

“Farei brotar de Davi a semente da justiça, que fará valer a lei e a justiça na terra” (Jr 33, 15).

O Senhor vos conceda que o amor entre vós e para com todos aumente e transborde sempre mais (1 Ts 3, 12).

“Levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima” (Lc 21, 28).


MEDITAR

De sua formosura já venho dizer: é um menino magro, de muito peso não é, mas tem o peso de homem, de obra de ventre de mulher. — De sua formosura deixai-me que diga: é uma criança pálida, é uma criança franzina, mas tem a marca de homem, marca de humana oficina... — De sua formosura deixai-me que diga: é tão belo como um sim numa sala negativa...— Belo porque é uma porta abrindo-se em mais saídas. — Belo como a última onda que o fim do mar sempre adia. — É tão belo como as ondas em sua adição infinita. — Belo porque tem do novo a surpresa e a alegria. — Belo como a coisa nova na prateleira até então vazia. — Como qualquer coisa nova inaugurando o seu dia. — Ou como o caderno novo quando a gente o principia. — E belo porque o novo todo o velho contagia. — Belo porque corrompe com sangue novo a anemia. — Infecciona a miséria com vida nova e sadia. — Com oásis, o deserto, com ventos, a calmaria.

(João Cabral de Melo Neto, 1920-1999, “Morte e Vida Severina”, Brasil)


ORAR

            Ide com coragem ao encontro do Senhor (rendei-lhe justiça!). O encontro entre duas esperas, no qual a Igreja se coloca para ser sinal e sacramento. O Batismo foi sua primeira confluência. A Eucaristia não cessa de nos provocar o desejo desse Deus que nos convida. Deixemo-nos convocar à espera de Deus pela purificação de todas as nossas esperas humanas. Esperar contra toda esperança do Inesperado. 1. Esperança de um NASCIMENTO! “Uma semente”... Uma semente de “justiça”. Mesmo na casa de Davi, é excepcional, difícil de conceber em todos os sentidos do termo. Cf. o temor de Maria!. Um parto doloroso – inquietação – reações incontroláveis. O Menino que Maria espera, na casa de Davi, é inteiramente outro. Ele é Santo. Ele será chamado Filho do Altíssimo. Quem poderia imaginar isso? O INESPERADO... e eis que o acontecimento é de início uma CHEGADA, um AD-VENTUS, um começo, o começo do inesperado. A esperança em perpétuo movimento porque o Filho do homem sempre está por nascer. Se ele se dá a ver, é como meta de esperança. Em decorrência disso, só nos restará apenas nascer para a esperança. 2. Esperança de uma LIBERTAÇÃO... Toda a ordem do mundo vai ser perturbada. Esse filho do homem na nuvem, ele ocupa todo o lugar. As estrelas e o sol são por ele desordenados, apagados, encobertos. Agitação entre as nações. Os chefes dos povos e os poderosos tremem de MEDO. Reações incontroláveis. Frustram-se todas as suas esperanças. Herodes vai reagir!... Mas os pobres vão se REERGUER... surpresa divina. Cf. P. Dominique: “Quando vemos esfacelar, à nossa volta, todas as coisas que havíamos por vezes nos acostumados a apreciar como a luz do sol ou a regularidade dos astros, não seria sábio ficarmos inquietos. Seria melhor bradarmos, como em Pentecostes: “Bravo! Eis-nos aqui! O Filho do Homem está por vir”. Há ainda nesse país pessoas que se recusam a curvar as cabeças e que esperam de Deus apenas a sua libertação. Pois não há mais justiça entre os homens, o inesperado é a JUSTIÇA! 3. Esperança da VIDA! (diferente da esperança de vida). “Semente de justiça”... Infância + Justiça = VIDA. É a Vida que é o inesperado do homem... A vida é outra coisa daquilo que acreditamos. É permanecer de PÉ quando todo o mundo está confortavelmente sentado; é vigiar quando os olhos pesam para não ver a agonia que ameaça; é se assaltar de amor para não deixar a morte tomar o coração; é orar o tempo todo para escapar de tudo o que “deve acontecer” e de que maneira? “não escapando Daquele que chega” e que é o TRANSBORDAMENTO do amor de Deus, inconcebível!

(Père Christian de Chergé, 1937-1996, Argélia)


CONTEMPLAR

Garota síria segura seu irmão, 2016, campo de refugiados de Indomeni, fronteira entre a Macedônia e Grécia, Szymon Barylski (1984-), Polônia.




segunda-feira, 19 de novembro de 2018

O Caminho da Beleza 53 - Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo                 25.11.2018
Dn 7, 13-14             Ap 1, 5-8                  Jo 18, 33-37


ESCUTAR

“Seu poder é um poder eterno que não lhe será tirado, e seu reino, um reino que não se dissolverá” (Dn 7, 14).

“Eu sou o alfa e o ômega”, diz o Senhor Deus (Ap 1, 8).

“Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade” (Jo 18, 37).


MEDITAR

O amor do Cristo foi mais poderoso, na morte do Cristo, do que o ódio dos seus inimigos. O ódio somente pôde o que lhe permitiu o amor. Entregaram o Cristo à morte, e isto por malvadez; o Pai entregou seu Filho, o Filho entregou-se por si mesmo, e isto por amor... Porque só o amor pode fazer impunemente o que quiser.

(Balduino de Ford, 1090-1153, Inglaterra)


ORAR

            Tornar-se homem livre é morrer para tudo o que não é amor e caridade. O homem torna-se livre quando é capaz de afrontar a morte – a morte do egoísmo sob todas as suas formas: tranquilidade, conforto, privilégios, consentimento às insolentes desigualdades do mundo. O homem é livre quando, ativamente, morre para tudo isso e trabalha a fim de não se tornar escravo de si mesmo. Eu disse: ativamente, isto é, afirmando-se por meio de atos livres, tomando decisões, pequenas ou grandes, que fazem advir, dia a dia, uma liberdade maior... Todos os atos da vida de Cristo foram atos de amor. Ele não se entregou parcialmente em tais atos, à exclusão de outros. No rigor do termo, ele deu a vida, ao longo da vida toda, sem jamais retomá-la para si. Portanto, ele morreu para todos os limites que constituem o homem e para todos os pecados que o prendem a esses limites.  Morte cotidiana, plenamente voluntária, que é seu ato verdadeiro, o conjunto dos atos praticados por ele. A morte de Cristo – compreendamos bem isto -, a morte constituída por cada um de seus atos, ao longo de toda a sua vida, e a morte final na cruz – eis o ato perfeito de uma liberdade humana, expressão perfeita, num homem, da liberdade do próprio Deus... Se a morte de Jesus houvesse sido natural, meramente suportada, o sepulcro não estaria vazio: haveria um resíduo entregue à destruição pura e simples. Mas se a morte de Jesus é a vida que ele deu, ela é, então, a Vida sem mais, pois a vida não é verdadeiramente Vida senão quando dada, pois ser e amar é a mesma coisa. Deus é Amor, a Vida é amor. Em Jesus, a morte é a perfeita expressão da Vida. O corpo morto de Jesus é a própria Vida, a realização e, por isso mesmo, a revelação da liberdade. Ele é um homem livre e não existe liberdade nos sepulcros, neles só pode haver resíduos. Nada do que Jesus foi tornou-se pó: o sepulcro está vazio.

(François Varillon, 1905-1978, França)


CONTEMPLAR

Faíscas de esperança, neve na cidade velha de Jerusalém, 2013, Guy Cohen (1990-), Jerusalém, Israel.




segunda-feira, 12 de novembro de 2018

O Caminho da Beleza 52 - XXXIII Domingo do Tempo Comum


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

XXXIII Domingo do Tempo Comum                     18.11.2018
Dn 12, 1-3                Hb 10, 11-14.18                 Mc 13, 24-32


ESCUTAR

Naquele tempo se levantará Miguel, o grande príncipe, defensor dos filhos de teu povo; e será um tempo de angústia (Dn 12, 1).

Não lhe resta mais senão esperar até que seus inimigos sejam postos debaixo de seus pés (Hb 10, 13).

O sol vai se escurecer e a lua não brilhará mais, as estrelas começaram a cair do céu e as forças do céu serão abaladas. Então vereis o Filho do homem vindo nas nuvens com grande poder e glória (Mc 13, 24-26).


MEDITAR

A vida humana é uma jornada nas trevas onde apenas um Deus pode encontrar um caminho, no qual ninguém ousa acreditar, mas Deus pode fazer acontecer.

(Carl Theodor Dreyer, 1889-1968, Dinamarca/ Eurípedes, séc. V a.C., Grécia)


ORAR

            O texto de Daniel e o evangelho se correspondem perfeitamente para nos falar de tempos de aflição e de crise: crise econômica, aflição pelas doenças de HIV ou das vítimas do desemprego, crises políticas, crises familiares, etc... Durante toda a história nós vemos isso, sem falar das crises religiosas da nossa Igreja: perseguições, cismas, martírios de Revoluções, crise de vocações... De tal modo que se pode pensar que as crises fazem parte da vida: só os mortos não conhecem as crises. Se as crises fazem parte da vida, elas são muito frequentemente crises de crescimento, de passagens de uma etapa da vida à outra. E se as crises são muitas vezes crises de crescimento, elas podem ser também o sinal do crescimento do reino de Deus. É o que nos sugere o evangelho de hoje. Porque a história do mundo tem um significado: através dos acontecimentos e da história do mundo, o desígnio de Deus progride, o reino de Deus se constrói invisivelmente. Um dia este mundo terminará; será a vitória definitiva do Cristo ressuscitado sobre o mal e sobre a morte; será o advento do reino de Deus, na plenitude do amor e da paz. Sim, quaisquer que sejam as forças da morte que poderiam se opor a isso, o desígnio criador de Deus terminará por chegar. As crises e as aflições acumuladas por essas forças da morte podem então ser o sinal de que o tempo de Deus se aproxima, da mesma forma que na primavera as árvores que florescem por todos os lados são o sinal de que o inverno chega a seu fim. Sim, a vida e o amor acabarão por triunfar tão seguramente como a primavera triunfa sobre o inverno. Nossa esperança não será frustrada. Se é assim, se as crises e aflições fazem parte da vida, logo, saibamos utilizá-las. Em lugar de reagir diante da prova pela tentação do salve-se quem puder, cada um por si e tanto pior para os outros, é preciso nos interrogar ao contrário: “Senhor, que esperas de mim neste período difícil?”. Os períodos de aflição serão então para nós períodos de graça e de luz em que nós tomaremos melhor consciência de nossas reponsabilidades como homens e mulheres, como homens e mulheres que acreditam.

(Bernard Prévost, 1913- ?, França)


CONTEMPLAR

Floresta da Amazônia derrubada para plantar soja, Mato Grosso, Paulo Whitaker (1970-), Agência Reuters, Brasil.




quarta-feira, 7 de novembro de 2018

O Caminho da Beleza 51 - XXXII Domingo do Tempo Comum


A palavra de Deus é viva e eficaz e mais cortante que espada de dois gumes (Hb 4, 12).

XXXII Domingo do Tempo Comum                       11.11.18
1 Rs 17, 10-16                     Hb 9, 24-28                       Mc 12, 38-44


ESCUTAR

Assim fala o Senhor Deus de Israel: “A vasilha de farinha não acabará, e a jarra de azeite não diminuirá, até o dia em que o Senhor enviar a chuva sobre a face da terra” (1 Rs 17, 14).

Cristo não entrou num santuário feito por mão humana, imagem do verdadeiro, mas no próprio céu, a fim de comparecer, agora, na presença de Deus, em nosso favor (Hb 9, 24-28).

Muitos ricos depositavam grandes quantias. Então chegou uma pobre viúva que deu duas pequenas moedas, que não valiam quase nada (Mc 12, 41-42).


MEDITAR

Mesmo se nada tenho de exterior a te oferecer, encontro contudo em mim mesmo o que depositar sobre o altar em teu louvor. Porque se não te nutris com nossos dons, tu te alegras com as oferendas do coração.

(São Gregório Magno, -604, Itália)


ORAR

            Fui um dia a Enaton ver Abba Joseph. Havia ali o sofista Sophrone que o interrogava: “Tudo que o homem faz com esmolas, Deus não leva em conta?”. O ancião respondeu: “Meu filho, há muitas diferenças no motivo da esmola. Há pessoas que mesmo parecendo que dão esmolas, irritam demais a Deus”. Sophrone disse então: “Pai, explique-me essa palavra”. O ancião disse: “Deus prescreveu que as primícias de tudo que nasce, de todos os frutos e animais puros, lhe sejam ofertadas em vista da benção dos demais e da remissão dos pecados; e mais, ele prescreveu que os primeiros nascidos do homem lhe fossem consagrados. Os ricos fazem o contrário: guardam para eles os objetos úteis e os que não servem doam aos pobres e a seus irmãos. Por exemplo, o bom vinho, eles o bebem, mas aquele que está avinagrado ou que é ruim, eles o doam às viúvas e aos órfãos. Um fruto que está maduro, eles o sorvem, mas o que está podre, doam; as vestimentas suntuosas e confortáveis, eles atribuem a si, mas aquelas que estão rasgadas e usadas, jogam aos indigentes. Entre as crianças, as que estão com boa saúde e bem dispostas, eles as preservam para as uniões e casamentos, e fazem isso com muita solicitude; mas as doentes e feias, as fracas e disformes, eles as consagram a Deus e as enviam aos monastérios. Eis porque o que é oferecido por eles realmente não é agradável. Como Caim, quando fazia suas oferendas (Gn 4, 3), não apenas não se sujeitava a Deus, como se irritava com ele. Seria preciso que tais pessoas pensassem nisso: quando queremos agradar aos homens mortais, nos esforçamos por lhes oferecer o que lhes parece o mais precioso de tudo; quanto mais se quisermos agradar a Deus nosso criador, de quem obtemos as mesmas coisas que lhe oferecemos. E como queremos que ele nos seja favorável por causa da esmola, devemos lhe oferecer o que temos de mais precioso, para que nosso presente não seja vergonhosamente rejeitado e que nossa oferenda não seja um objeto de horror que se recuse. Com efeito, da mesma maneira que o sacrifício de Noé, que era só aroma e incenso, em consequência da boa intenção daquele que o apresentava, foi considerado como um aroma agradável, segundo o que está escrito: ‘O Senhor sentiu um aroma agradável’ (Gn 8, 21), igualmente a oferenda dos frutos apresentados com uma má intenção, mesmo se boa na aparência, é considerada como um objeto de horror pelo Senhor, como a oferenda e o incenso dos perfumes à quem Deus disse pelo profeta: ‘O incenso dos perfumes é para mim uma abominação’ (Is 1, 13)”. O ancião nos disse isso e nós partimos edificados.

(Abba Joseph de Enaton, Egito, c. séc. V)


CONTEMPLAR

Mulher pobre e criança, 1951, Estoril, Portugal, Gordon Parks (1912-2006), Estados Unidos.