segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

O Caminho da Beleza 11 - IV Domingo do Tempo Comum

 Mantinha-se firme, como se visse o Invisível! (Hb 11, 27)

IV Domingo do Tempo Comum                   31.01.2021

Dt 18, 15-20                       1 Cor 7, 32-35                    Mc 1, 21-28

 

ESCUTAR

“O Senhor teu Deus fará surgir para ti, da tua nação e do meio de teus irmãos, um profeta como eu: a ele deverás escutar” (Dt 18, 15).

O que eu desejo é levar-vos ao que é melhor, permanecendo junto ao Senhor, sem outras preocupações (1 Cor 7, 35).

“Que queres de nós, Jesus nazareno? Vieste para nos destruir? Eu sei quem tu és: tu és o Santo de Deus” (Mc 1, 24).

 

MEDITAR

Abram-me todas as portas!

Por força que hei de passar!...

Sou EU, um universo pensante de carne e osso, querendo passar,

E que há de passar por força, porque quando quero passar sou Deus!

 

Tirem esse lixo da minha frente!

Metam-se em gavetas essas emoções!

Daqui pra fora, políticos, literatos,

Comerciantes pacatos, polícia, meretrizes, souteneurs,

Tudo isso é a letra que mata, não o espírito que dá a vida.

O espírito que dá a vida neste momento sou EU!

 

Que nenhum filho da... se me atravesse no caminho!

O meu caminho é pelo infinito fora até chegar ao fim!

Se sou capaz de chegar ao fim ou não, não é contigo,

É comigo, com Deus, com o sentido – eu da palavra Infinito...

Pra frente!

Meto esporas!

Sinto as esporas, sou o próprio cavalo em que monto,

Porque eu, por minha vontade de me consubstanciar com Deus,

Posso ser tudo, ou posso ser nada, ou qualquer coisa,

Conforme me der na gana... Ninguém tem nada com isso...

 

(Fernando Pessoa, 1888-1935, Portugal)

 

ORAR

A voz de Jesus se eleva incrivelmente cortante. É a primeira vez que aparece em público e, no entanto, ele o faz com uma coragem total e absoluta, chamando-nos a uma escolha incondicional e nos deixando livres para fazê-la, de uma maneira totalmente diferente da dos escribas. “O que significa isso?” perguntavam-se as pessoas na sinagoga de Cafarnaum. Marcos pretendia dizer que essa cura de um “possuído” significava nada menos do que o acontecimento de uma nova era. Doravante os seres humanos devem enfim compreender que eles não têm outro mestre a não ser Deus. E se continuamos a perguntar o que é um demônio ou o que sobressai dele só há uma resposta possível: tudo o que conduz o homem a se agarrar ao menor fio de palha como se ali fosse a salvação; tudo o que o atrela aos poderes que não são Deus; tudo o que o constrange a uma lógica contrária à da criação; tudo o que o arrasta a um processo infinito de destruição. É preciso escolher: de um lado, há Deus que nos quer pessoas vivas por si próprias; de outro o poder da angústia que nos obriga, de uma certa maneira, a só existir em coletividade e que nos destrói até nos tornar irreconhecíveis. Isso pode nos conduzir à situação dilacerante desse relato em que qualquer um chega a acreditar e a dizer de si mesmo que é impuro para viver, que não é ele mesmo, que quer somente que o deixem em paz. Só tocamos aparentemente toda a profundidade do demoníaco no homem se compreendemos a que ponto a aspiração à pureza e à perfeição pode se transformar em negação de si, ódio de si e destruição de si, desde que nos tornamos prisioneiros do sistema de coerção dos outros. É preciso escolher entre os “espíritos”, em outras palavras, entre duas atitudes espirituais: a tolerância infinita com a qual Deus acompanha passo a passo sua criatura ou a rigidez dos “puros”, dos guardiões da lei, das pessoas de eternos bons princípios. O poder de Deus se fixa no coração do homem e sua impotência muitas vezes provém de uma religião que é feita apenas de medo. Depois desse milagre na sinagoga de Cafarnaum, os tempos novos surgiram e a escolha a fazer é agora clara. É preciso, entretanto, toda nossa firmeza para banir o poder de nossos velhos medos.

(Eugen Drewermann, 194o-, Alemanha)

 

CONTEMPLAR

Memento Mori (Lembre-se da Morte), 2019, Denis Buchel, Moldávia, Urban Photos Awards.




segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

O Caminho da Beleza 10 - III Domingo do Tempo Comum

Mantinha-se firme, como se visse o Invisível! (Hb 11, 27)

III Domingo do Tempo Comum                   24.01.2021

Jn 3, 1-5.10             1 Cor 7, 29-31                    Mc 1, 14-20

 

ESCUTAR

Vendo Deus suas obras de conversão e que os ninivitas se afastavam do mau caminho, compadeceu-se e suspendeu o mal que tinha ameaçado fazer-lhes (Jn 3, 10).

A figura deste mundo passa (1 Cor 7, 31).

“O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!” (Mc 1, 15).

 

MEDITAR

Sempre que se começa a ter amor a alguém, assim no ramerrão, o amor pega e cresce é porque, de certo jeito, a gente quer que isso seja, e vai, na ideia, querendo e ajudando; mas, quando é destino dado, maior que o miúdo, a gente ama inteiriço fatal, carecendo de querer, e é um só facear com as surpresas. Amor desse, cresce primeiro; brota é depois.

(João Guimarães Rosa, 1908-1967, Brasil). 

 

ORAR

   O amor cristão do próximo e a fraternidade possuem um significado e uma dignidade inteiramente diferentes se os vemos como uma maneira concreta de realizar o amor de Deus e não como uma obrigação secundária, imposta como um mandamento divino. Tudo se passa em nossa vida cristã como se devêssemos obter nossa salvação só pela oração, pela recepção dos sacramentos, pela participação na Eucaristia, pela fuga diante do pecado ou pelo perdão dos pecados; tudo se passa como se, para realizar esse objetivo, devêssemos evitar as grandes faltas contra as obrigações que temos para com o próximo. Mas a vida cristã não surgiria com toda uma outra luz se o adágio “salva tua alma” se transformasse por inteiro, natural e automaticamente, em “salve teu próximo”? Considerando a vida cristã ordinária, parece que a consciência moral do cristão médio é dominada pela ideia de que o amor do próximo é realizado quando não lhe fazemos nada de mal e satisfazemos às obrigações específicas que ele tem o direito de exigir. Mas, na verdade, o “mandamento” de amar nosso próximo, em união com o amor de Deus, nos demanda romper nosso egoísmo, ultrapassar a ideia de que aquele amor do próximo seria, no fundo, apenas uma regulamentação inteligente de exigências recíprocas e um acordo unicamente fundado sobre o par “dar e receber”. Na realidade, o amor do próximo só atinge sua verdadeira dimensão na renúncia aos cálculos, na disposição de amar sem esperar por recompensa, na aceitação da loucura da cruz. Se compreendemos efetivamente que o amor de Deus e o amor do próximo são apenas um, esse último toma um novo valor: ele deixa seu papel de exigência particular, implicando esforços limitados e controláveis, para ocupar o lugar da nossa realização completa: é à totalidade de nosso ser que ele dirige todas as interpelações, bem além das obrigações normais, mas é apenas assim que chegamos à mais alta liberdade que há, a liberdade vis-à-vis a nós mesmos. Eis, em conclusão, as certezas de nossa fé cristã: o amor por Deus e pelo próximo – esse amor que é mais do que um mandamento e do que uma prática imposta por dever – ele é o único a poder trazer a salvação à humanidade; ele é a significação última da Lei e dos Profetas; ele pode surgir mesmo na humildade de uma vida ordinária e, portanto, na humildade da última renúncia e do último abandono a Deus, que nos associa ao ato derradeiro de Jesus sobre a cruz. Uma fraternidade que seja trazida pelo amor de Deus e que encontre sua realização neste amor, eis o ápice de nosso destino. E este ápice é uma possibilidade oferecida a todo homem.

(Karl Rahner, 1904-1984, Alemanha)

 

CONTEMPLAR

S. Título, s.d., autoria desconhecida, fonte: pexels/pixabay.




segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

O Caminho da Beleza 09 - II Domingo do Tempo Comum

Mantinha-se firme, como se visse o Invisível! (Hb 11, 27)

II Domingo do Tempo Comum                     17.01.2021

1 Sm 3, 3-10.19                 1 Cor 6, 13-15.17-20                    Jo 1, 35-42

 

ESCUTAR

“Senhor, fala, que teu servo escuta!” (1 Sm 3, 9).

Quem adere ao Senhor torna-se com ele um só espírito (1 Cor 6, 17).

“Rabi (que quer dizer mestre), onde moras?” (Jo 1, 38).

 

MEDITAR

Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio

E suportar é o tempo mais comprido.


Peço-Te que venhas e me dês a liberdade,

Que um só de Teus olhares me purifique e acabe.

 

Há muitas coisas que não quero ver.

 

Peço-Te que sejas o presente.

Peço-Te que inundes tudo.

E que o Teu reino antes do tempo venha.

E se derrame sobre a Terra.

Em Primavera feroz precipitado.

 

(Sophia de Mello Breyner Andresen, 1919-2004, Portugal)

 

ORAR

       Quando os que amamos nos pedem algo, nós os agradecemos por nos terem pedido. Se vos agradasse, Senhor, pedir-nos uma única coisa durante toda nossa vida, ficaríamos maravilhados e ter feito esta sua vontade uma única vez seria a felicidade de nossa existência. Mas, porque você coloca em nossas mãos tal honra, em cada dia, hora e minuto, achamos isso tão natural que ficamos insensíveis, ficamos entediados. E, todavia, se compreendêssemos a que ponto é impensável vosso mistério, ficaríamos estupefatos de poder conhecer as centelhas de vosso desejo que são nossos mínimos deveres. Ficaríamos deslumbrados de conhecer, nesta imensa escuridão que nos cobre, as inomináveis, precisas e pessoais luzes de vossas vontades. No dia em que compreendermos isso, seguiremos pela vida como uma espécie de profetas, como visionários de vossas pequenas providências, como agentes de vossas intervenções. Nada seria medíocre, porque tudo seria querido por você. Nada seria muito penoso, porque tudo teria raiz em você. Nada seria triste, porque tudo seria desejado a partir de você. Nada seria tedioso, porque tudo seria amor a partir de você. Nós todos somos predestinados ao êxtase, somos todos chamados a sair de nossos próprios arremedos para surgir, hora após hora, em vosso desígnio. Não somos nunca lastimáveis abandonados por conta, mas somos bem-aventurados chamados: chamados a saber o que vos agrada fazer, chamados a saber o que esperais de nós a cada momento: pessoas que vos são um pouco necessárias, pessoas cujos gestos vos faltariam se recusássemos a fazê-los. A almofada a costurar, a carta a escrever, a criança a levantar, o marido a alegrar, a porta a abrir, o telefone a desocupar, a enxaqueca a suportar: tantos trampolins para o êxtase, tantas pontes para passar da nossa pobreza, da nossa má vontade, para a margem serena do vosso bom agrado.

 (Madeleine Delbrêl, 1904-1964, França)

 

CONTEMPLAR

Taboo, 2020, Fattah Zinouri (1984-), Teerã, Irã, Siena International Photo Awards 2021.




 

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

O Caminho da Beleza 08 - Batismo do Senhor

    Mantinha-se firme, como se visse o Invisível! (Hb 11, 27)

Bastismo do Senhor                  10.01.2021

Is 42, 1-4.6-7                      At 10, 34-38                       Mc 1, 7-11

 

ESCUTAR

“Não quebra uma cana rachada nem apaga um pavio que ainda fumega, mas promoverá o julgamento para obter a verdade” (Is 42, 3).

“Deus não faz distinção entre as pessoas. Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença” (At 10, 34-35).

“Tu és o meu Filho amado, em ti ponho meu bem-querer” (Mc 1, 11).

 

MEDITAR

Tu tens um medo:

Acabar.

Não vês que acabas todo o dia.

Que morres no amor.

Na tristeza.

Na dúvida.

No desejo.

Que te renovas todo o dia.

No amor.

Na tristeza

Na dúvida.

No desejo.

Que és sempre outro.

Que és sempre o mesmo.

Que morrerás por idades imensas.

Até não teres medo de morrer.

 

E então serás eterno.

(Cecília Meireles, 1901-1964, Brasil)

 

ORAR

      O episódio do batismo é a primeira ocasião em que Jesus, homem maduro, entra em cena, em público: ele não é protagonista nem de milagres nem de um ensinamento, mas é um homem que se associa aos homens pecadores, um discípulo que se abaixa diante de seu mestre. Jesus começa seu ministério na solidariedade com a humanidade pecadora, num movimento de humildade. Ele não se apresenta como um salvador poderoso, não se revela por ações prodigiosas, mas se coloca em companhia dos pecadores que tentam se converter: o caminho que Jesus empreende, desde seus primeiros passos, é um caminho de abaixamento, de aniquilamento, de humilhação. Logo, no momento preciso da imersão de Jesus nesta água carregada de pecados da humanidade, a voz do Pai se faz ouvir: “Tu és o meu Filho bem-amado, em ti coloco minha alegria” (Mc 1, 11). Deus quis ver Jesus exatamente assim: ali, no meio dos pecadores; e neste próprio ato de abaixamento, ele quis cumulá-lo do Espírito santo. E é assim que se passou. Os evangelhos nos dizem que Jesus começou sua vida de homem adulto contando sobre Deus, falando e trabalhando em seu nome: por esta razão foi ungido, foi consagrado pela unção do Santo Espírito. No batismo de Jesus, precisamente, ele nos fez compreender a unidade da salvação em Deus, que trabalha por meio do Filho, conferindo-lhe todo o poder do Espírito Santo. Mas esta festa da imersão de Jesus é também para nós uma imersão que teve lugar no início de nossa vida cristã – nosso batismo – e, simultaneamente, memória da voz de Deus dirigida a cada um de nós: “Tu és o meu filho”. Cada um de nós é filho de Deus, cada um é o lugar da grande alegria de Deus, se permanece sobre o caminho da conversão, do retorno a ele; cada um de nós é o lugar onde desce e repousa o Santo Espírito se sabe invocá-lo, predispondo-se totalmente à sua acolhida. É assim que podemos nos sentir filhos de Deus, capazes de chamar: “Abba, pai amado”, capazes de respirar o Espírito santo.

 (Enzo Bianchi, 1943-, Itália).

 

CONTEMPLAR

S. Título, 2019, Trent Mitchell, série Inner Atlas, Sony World Photography Awards 2019, Austrália.