quarta-feira, 19 de junho de 2024

O Caminho da Beleza 31 - Natividade de São João Batista

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).

Natividade de São João Batista                   

Jr 1, 4-10                 1 Pd 1, 8-12             Lc 1, 5-17

 

ESCUTAR

“Antes de formar-te no ventre materno, eu te conheci” (Jr 1, 5).

“Sem ter visto o Senhor, vós o amais. Sem o ver ainda, nele acreditais” (1 Pd 1, 8).

“Deus ouviu tua súplica. Tua esposa, Isabel, vai ter um filho, e tu lhe darás o nome de João” (Lc 1, 13).

 

MEDITAR

Se fossemos capazes de ver o Cristo em nosso próximo, não haveria necessidade de armas e generais. Frequentemente, nós cristãos, pregamos um Evangelho que não vivemos. Esta é a razão pela qual o mundo não crê.

(Madre Teresa de Calcutá)

 

ORAR

João nos inquieta com a frase: “Entre vós está alguém que vós não conheceis”. Conhecer é mais que decorar ideias e doutrinas. Conhecer, na linguagem bíblica, é o encontro de pessoas que expressam uma comunhão íntima. Conhecer não está vinculado ao saber, mas a uma experiência vital. A pergunta que devemos fazer é se temos, de fato, alguma coisa a ver com o Cristo. Se nossas vidas, preferências, ações têm algo a ver com o seu Evangelho. João, filho do sacerdote Zacarias e sua mãe Isabel que descendia da família de Aarão, não foi ao Templo para continuar a vocação da sua família. Foi ao deserto, viver como um asceta e de lá anunciou uma salvação que não vinha nem do Templo, nem do clero, nem do sagrado e nem da religião estabelecida. João não aceitou nenhum título e se via como um João ninguém. Como uma voz que clama no deserto. Não se trata de humildade, mas a lucidez de que a partir do despojamento de qualquer pretensão é que poderemos ser um testemunho autorizado da Luz, que é Jesus. João foi uma voz escutada e acolhida por uns: “os publicanos e as prostitutas” (Mt 21,32) e rejeitada por outros: “os sacerdotes e senadores”(Mt 21,23). Os que são ninguém escutam e acolhem a voz do Senhor. Os titulados a rejeitam. Se um profeta não incomoda e não nos coloca em crise, só pode haver duas razões: ou não é profeta ou somos alérgicos à profecia. O Evangelho transtorna nossas seguranças e nossa “ordem”. Jesus, anunciado por João, era o Kaos frente aos Cosmos, o mundo político, social e religioso daquele tempo. Esta falsa ordem em que vivemos só se resolve mediante a “desordem” que é o Evangelho. O profeta é o que grita: “Endireitai o caminho do Senhor”, ao mesmo tempo em que os chefes asseguram que tudo está em ordem e que nada é preciso mudar. O profeta é difamado, excomungado, asilado e abandonado. Morre na infâmia e na suspeita para, pouco depois, ser exaltado e consagrado. Teremos sempre a necessidade de uma voz insolente, pois, se ela faltar, o Senhor pode nos condenar a dormir para sempre e a paz dos nossos corações será a paz dos cemitérios. Devemos acolher a voz inoportuna do homem de Deus que grita: “Não deixe cair a profecia” (D. Hélder Câmara).

 

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Vá em frente, João, o Batista, 2008, Jack Baumgartner (1976-), óleo sobre tela, Rose Hill, Kansas, Estados Unidos.

 


quarta-feira, 12 de junho de 2024

O Caminho da Beleza 30 - XI Domingo do Tempo Comum

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).

XI Domingo do Tempo Comum                   

Ez 17, 22-24                       2 Cor 5, 6-10                     Mc 4, 26-34

 

ESCUTAR

“Eu sou o Senhor que abaixo a árvore alta e elevo a árvore baixa; faço secar a árvore verde e brotar a árvore seca. Eu, o Senhor, digo e faço” (Ez 17, 24).

“Caminhamos na fé e não na visão clara” (2 Cor 5, 7).

“A semente vai germinando e crescendo, mas ele não se sabe como isso acontece” (Mc 4, 27).

 

MEDITAR

Não desfaleças, deixa-te absorver pelo amor. Não podes saber para onde te levo... Não esperes, sobretudo, velhice tranquila, pacífica, considerada. Teu caminho é luta sem tréguas, até o fim, até o impossível.

(J. L. Lebret)


ORAR

Somos chamados a recuperar os valores autênticos da pequenez, da obscuridade, da debilidade, da pobreza e da fragilidade. O Senhor elege as realidades mais humildes para realizar seus desígnios de grandeza imensuráveis segundo critérios e medidas humanas. A parábola de hoje nos fala de um processo germinal interno de cada pessoa e sociedade. Jesus semeia o Reino pregando o evangelho. Ele não se preocupa em conduzir a colheita e nem se ela acontecerá imediatamente. O desenvolvimento misterioso do Reino é assunto de Deus, pois é a sua obra e o seu segredo. Somos convidados a superar a impaciência, o imediatismo e os frenesis das soluções miraculosas. O Reino irrompe no meio de nós sem o sensacionalismo dos espetáculos, mas numa permanente ação silenciosa. A palavra-chave é “ele não sabe como isso acontece”, ou seja, não entendemos nada e sabemos menos ainda. É o grande sorriso de Deus sobre nós, e como diz o Papa Francisco: “É preciso deixar que Deus nos surpreenda”. Assim é o amor de Deus: na fragilidade se revela forte e faz do impossível o possível. As transformações profundas que revelam a presença de Deus vêm dos pequenos, dos últimos e dos insignificantes. Deus se faz presente não porque a sociedade se torna mais religiosa, mas porque se faz mais humana, mais justa e solidária. Deus não reina porque as igrejas estão cheias, nem porque os movimentos religiosos se espalham nas praças, nas praias, nas marchas e passeatas. Deus reina porque e quando os homens e mulheres amam e são mais honrados e respeitados na sua dignidade e em seus direitos diversos e plurais. Meditemos as palavras do Papa Francisco: “A misericórdia de Deus é a sua responsabilidade por nós. Ele sente-Se responsável, deseja nosso bem e quer nos ver felizes, cheios de alegria e serenos. Tal como Ele é misericordioso, assim somos chamados também nós a ser misericordiosos uns para com os outros” (Misericordiae Vultus). Afinal, o Reino de Deus é de Deus!

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

A Semente de Mostarda, Jen Snyder, série “A Revelação”, tela sem moldura, 20 x 20 cm, Carolina do Norte, Estados Unidos.




quinta-feira, 6 de junho de 2024

O Caminho da Beleza 29 - X Domingo do Tempo Comum

A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós (Jo 1, 14).

X Domingo do Tempo Comum                     

Gn 3, 9-15               2 Cor 4, 13-5, 1                  Mc 3, 20-35

 

ESCUTAR

“A mulher que tu me deste por companheira, foi ela que me deu o fruto da árvore, e eu comi” (Gn 3, 12).

“Por isso, não desanimamos. Mesmo se o nosso homem exterior se vai arruinando, o nosso homem interior, pelo contrário, vai-se renovando dia a dia” (2 Cor 4, 16).

“Os parentes de Jesus saíram para agarrá-lo, porque diziam que estava fora de si” (Mc 3, 21).

 

MEDITAR

Homens políticos, homens de Igreja ou cidadãos comuns, estamos sempre repetindo as mesmas falas, sempre moendo a mesma farinha. Trata-se de falta de fé no desconhecido, no incognoscível. Não caminhamos em direção ao novo. Repetimos a mesma ladainha (...). Mas seria isso fé na vida, no sentido de que, de qualquer forma, ela é sempre risco e exige audácia? Não seria antes uma certeza, uma segurança que adormece a vida em insignificância e irresponsabilidade?

(Françoise Dolto)

 

ORAR

Nossos mecanismos de fuga são revelados. Adão responde: “A mulher que tu me deste” e Eva afirma “A serpente me enganou”. Desta forma, inicia-se o ciclo das culpabilidades que percorrem nossa travessia: transferências, projeções e uma enxurrada acusatória e impiedosa. Tudo é culpa de alguém e somos todos vítimas indefesas. A vida é madrasta e por isso cabe a nós a vitimização das nossas “pessoinhas”, para que nos escondamos por detrás das culpas dos outros. “Onde estás?” É a indagação simples que devemos aprender para que possamos nos apresentar na verdade/nudez do nosso ser, sem subterfúgios e ridículas justificativas. No Evangelho, Jesus é apresentado como desequilibrado, fora de si. E “fora de si” significa dizer que Jesus está fora “deles”, dos seus modelos, previsões, seguranças e costumes. É necessário construir um ethos do amor distante da atitude tomada pelos parentes de Jesus: a defesa de seus próprios interesses, esquemas e rotinas. Muitas vezes não nos dispomos a “estar fora” das modas, das ideologias, da competição e das vaidades. Desejamos “estar dentro” do poder, dos negócios, da carreira, dos privilégios, da popularidade e do espetáculo que está na moda. E, no entanto, a loucura evangélica deveria ser a enfermidade hereditária, contagiosa da “nova família” do Cristo: “Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”. Loucura das loucuras! A blasfêmia contra o Espírito Santo é a pretensão de seguir a Cristo “sem perder a cabeça” (Cura d’Ars). É recusar a loucura do amor, o componente essencial da santidade a que somos chamados.  Amar demais é o nosso destino. O pecado sem perdão é a presunção de querer mudar o mundo sem ser sinal de contradição e colocando o Espírito sob liberdade vigiada. Não foram os grandes pecadores que assassinaram Jesus, mas pessoas medíocres, míopes guardiões dos dogmatismos e intolerâncias. Vivemos imersos em mundos e igrejas onde existem a rasura da iniquidade e a negação da verdade e do amor. Mais do que nunca, devemos proclamar que fora da loucura não há salvação!

(Manos da Terna Solidão/Pe. Paulo Botas, mts e Pe. Eduardo Spiller, mts)

 

CONTEMPLAR

Dom Hélder Câmara, foto, s.d., autoria desconhecida.